Repertório 451 MHz,

De quatro com Miranda July

Branca Vianna e Bruna Beber discutem as mudanças no corpo e na cabeça feminina que chegam na meia-idade e são retratadas no romance De quatro, de Miranda July

07fev2025

Está no ar o 451 MHz, o podcast da revista dos livros. Neste 128º episódio, as convidadas são Branca Vianna, apresentadora de podcasts como Rádio Novelo apresenta e Fio da meada, e a poeta Bruna Beber, tradutora do romance De quatro, da multiartista norte-americana Miranda July, publicado no Brasil no fim de 2024 pela Amarcord. Tesão, menopausa, trabalho, bissexualidade, família, crise da meia-idade, masturbação, casamento, mentiras, realização artística, projeto de vida, filhos e amizade são alguns dos temas que atravessam o livro, cuja trama acompanha uma mulher que, durante uma viagem de Los Angeles a Nova York, se entrega a uma fantasia tão perturbadora quanto excitante. O episódio foi realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura.

Fundadora e apresentadora da Rádio Novelo, uma das maiores produtoras de podcasts do país, Branca Vianna já narrou podcasts premiados como o Praia dos ossos, de 2020, que trouxe detalhes sobre o assassinato da modelo Ângela Diniz, e pode ser ouvida toda semana no Rádio Novelo apresenta. Além disso, desde o ano passado apresenta o Fio da meada, podcast de entrevistas sobre temas do momento. Colaboradora da Quatro Cinco Um, ela também escreveu sobre De quatro para a revista dos livros.

A fundadora da Rádio Novelo, Branca Vianna e a poeta Bruna Beber (Divulgação)

Poeta, tradutora e letrista, Bruna Beber já transpôs para o português as narrativas de grandes autores da língua inglesa, como Shakespeare, Lewis Carroll, Neil Gaiman e Dr. Seuss, tem uma longa parceria em composições com a cantora Letrux e é autora das coletâneas de poemas Rua da padaria (2023) e Ladainha (2017), ambas publicadas pela Record, além de Veludo rouco (Companhia das Letras), que em 2023 ganhou o Prêmio APCA na categoria Poesia.

De quatro, de Miranda July

Na conversa sobre De quatro, que tem provocado um grande burburinho na cena literária tanto do Brasil quanto de outros países, elas falam sobre o ineditismo de um romance que aborda a crise da meia-idade das mulheres. Refletem ainda sobre a perimenopausa e outros assuntos que movem o livro, além do interesse que esse período da vida adulta feminina deveria despertar nos homens.  

Feminino em pauta

Branca Vianna destacou como De quatro retrata a inquietação sexual da protagonista — uma artista que completou quarenta e cinco anos — de maneira pouco convencional, sem recorrer à idealização romântica ou aos eufemismos que costumam suavizar a sexualidade feminina madura. Ela atravessa sua crise da meia-idade lidando simultaneamente com incertezas no casamento, transformações do corpo e falta de um propósito profissional claro.

“Ela está com hormônios borbulhando na cabeça, não está entendendo nada”, conta Branca. A  personagem, ela aponta, encara suas relações como experimentos, como se cada novo envolvimento (com namoradas ou um homem mais jovem que desperta seu interesse, por exemplo) fosse um novo projeto artístico — uma instalação ou performance.

Para Bruna Beber, a força do romance está justamente na maneira como a autora tece uma rede de temas que se cruzam, conferindo outras nuances e profundidade à narrativa.

“A gente tem família, casamento, sexo, bissexualidade, desejo, crise da meia-idade… são muitos temas entrelaçados. Eu acho que o que tem de mais atraente, por baixo de toda essa teia de temas e de debates, é que a personagem é uma mulher comum, que tem uma vida comum e banal, como todas nós.”

A tradutora pontuou como essa normalidade torna a leitura ainda mais envolvente, pois revela uma personagem que poderia ser qualquer outra mulher lidando com os desafios enfrentados por todas elas nessa fase da vida. Para Beber, são temas raramente abordados num romance, ao contrário do que acontece com a crise da meia-idade masculina, retratada por grandes autores como o norte-americano Philip Roth

Envelhecer é preciso

Além do desejo e da sexualidade, o livro aprofunda a reflexão sobre outro tema ainda pouco explorado na literatura: o envelhecimento feminino e como as mulheres lidam com essa transição. A protagonista encara o avanço da idade com um misto de fascínio e temor, indo da vontade de permanecer fisicamente atraente ao desconforto diante das marcas do tempo. 

A escritora, cineasta e performer Miranda July (Elizabeth Weinberg/Divulgação)

Esse conflito é abordado sem filtros ao longo da narrativa, expondo uma angústia que, embora comum, raramente ganha espaço na ficção de maneira tão direta. “A gente percebe o que a personagem — a narradora — pensa sobre isso, e também o que o pai dela pensa sobre as mulheres da família”, comentou Beber. A poeta lembra ainda que o livro traz relatos sobre “mulheres que não souberam lidar com a perda da juventude, que não conseguiram encontrar um grande amor ou viver a vida que imaginavam. E, em algum momento, acabam sucumbindo”.

Traduzir o desejo

A tradução de De quatro exigiu de Beber um equilíbrio delicado entre a crueza e a naturalidade, preservando o tom irreverente e ousado do original escrito por July ao mesmo tempo em que encontrava termos em português que preservassem o realismo, sobretudo, nas cenas de sexo.  

“Eu não podia ser mais pudica do que ela [Miranda July], nem mais sacana do que ela, então tive que achar ali um registro que é de uma pessoa excêntrica normal, né? Eu acho que os personagens da Miranda July, em geral, são excêntricos normais”, disse.  

Essa característica da escrita de July mistura o cotidiano com o inesperado e o erótico, o que, segundo Beber, exigiu da tradução captar não apenas o vocabulário, mas também a energia e o ritmo das frases, especialmente nos trechos mais intensos e íntimos do livro.

Branca Vianna ressaltou como essa abordagem contribui para a impressão e repercussão  da obra. “É um livro muito vivo e muito engraçado. Ela fala de coisas seríssimas, tem uns insights muito bons sobre casamento, amor, sexo, amizade, mas o livro é muito divertido.”

Essa combinação de ironia e profundidade, segundo as convidadas, resulta na grande sacada da obra de July: ser tanto irreverente quanto reflexiva. Mais do que o provável “primeiro romance sobre a perimenopausa”, o livro é um convite a pensar sobre os desafios e prazeres da vida adulta. Seu maior impacto, afirmam, está na capacidade de desmontar estereótipos e abrir espaço para repensarmos a sexualidade, o corpo e o tempo. 

Mais na Quatro Cinco Um

Em agosto de 2024, a revista dos livros trouxe na capa o especial “Sexo no feminino”, com reportagem sobre lançamentos de escritoras brasileiras que ampliam o debate sobre prazer, por Anna Virginia Balloussier; um artigo sobre o erotismo na obra de Adélia Prado, por Maria Lúcia Dal Farra; um ensaio sobre a tentação, por Geni Núñez; uma resenha de O prazer censurado, da filósofa francesa Catherine Malabou, por Lígia Gonçalves Diniz; e poemas eróticos inéditos de Bruna Beber, Mar Becker, Adelaide Ivánova e Flora Lahuerta.Já na edição de janeiro deste ano, a revista dos livros publicou uma resenha do romance De quatro escrita por Adriana Ferreira Silva. Leia a íntegra aqui.

Branca Vianna participou ano passado do 109º episódio do 451 MHz ao lado da atriz e escritora Fernanda Torres. As duas conversaram com Paulo Werneck sobre Anatomia de uma queda, filme da diretora Justine Triet que também trata de um casamento e foi vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes.  

Ela também publicou, na edição #79 da revista, em março de 2024, o artigo “Anatomia de uma outra queda”, em que reflete sobre o caso da artista Ana Mendieta, que lembra o do filme premiado, e as relações de poder entre casais. A podcaster também escreveu, em novembro de 2018, sobre as distorções geradas por preconceitos de gênero aos quais até o campo da pesquisa científica está sujeito, ao resenhar Inferior é o car*lho, da inglesa Angela Saini, e Testosterona rex: mitos de sexo, ciência e sociedade, da britânica Cordelia Fine. Leia a íntegra da resenha.

Já Bruna Beber publicou em 2018 uma resenha sobre o projeto experimental para crianças conhecerem a autora modernista Gertrude Stein. Ela também participou do 117º episódio do 451 MHz com Gregório Duvivier numa conversa que aconteceu durante A Feira do Livro de 2024.

O melhor da literatura LGBTQIA+

Este episódio do 451 Mhz traz uma sugestão do editor e tradutor Régis Mikail. Ele indica o romance Lorde Lyllian: missas negras, de Jacques d’Adelswärd-Fersen, escritor francês da virada do século 19 para o 20. O livro, publicado pela Ercolano, narra a história de um jovem que conhece Harold Skilde, um pseudônimo criado pelo autor para representar ninguém menos que Oscar Wilde.

 Lord Lyllian – Missas Negras, de Jacques d’Adelswärd-Fersen

“O romance narra como eles se conhecem, como o Harold Skilde desperta o amor pela literatura nesse jovem rapaz e conta também uma história de abuso bastante delicada. Apesar disso tudo, tem muita comédia e muitas representações e descrições do que era a cena LGBTQIA+ na França daquela época”, disse Mikail.

Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+

CRÉDITOS

O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um.

Apresentação: Paulo Werneck
Produção: Brenda Melo
Edição e mixagem: Igor Yamawaki
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe: [email protected]