Repertório 451 MHz,

Atentas e fortes

A crítica literária Heloisa Teixeira e a jornalista Adriana Ferreira Silva conversam sobre a revolução cultural no Brasil dos anos 60 e 70, em plena ditadura

08mar2024

Está no ar 451 MHz, o podcast da revista dos livros. Neste 107º episódio, as convidadas são a escritora e crítica literária Heloisa Teixeira, que acaba de lançar Rebeldes e marginais: cultura nos anos de chumbo (1960-1970) pela editora Bazar do Tempo, e a jornalista e editora Adriana Ferreira Silva. O episódio foi realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura e da Companhia das Letras.

Uma antecipadora de tendências, como ela mesma se define, Heloisa Teixeira está produzindo mais do que nunca. O seu novo livro traz um relato único sobre a gênese de movimentos artísticos de vanguarda sob o impacto do golpe militar, da qual foi testemunha e personagem. Parte dessa atividade é retratada no documentário inédito Helô, dirigido pelo filho Lula Buarque de Hollanda, que narra a trajetória da intelectual da juventude à posse na Academia Brasileira de Letras, em 2023.

Colaboradora de longa data da Quatro Cinco Um, Adriana Ferreira Silva é jornalista, editora e curadora e entrevistou Heloisa para a edição de março da revista dos livros, já nas bancas, que traz o especial “Atentas e fortes”, sobre os 60 anos do golpe de 1964 na visão das mulheres. 


Os 60 nos do golpe de 1964 vistos pelas mulheres na edição de março da Quatro Cinco Um

Ao comentar o novo título de Heloisa Teixeira, Adriana Ferreira Silva define Rebeldes e marginais: cultura nos anos de chumbo (1960-1970) como “uma vertigem”. “A Helô se concentra nas décadas de 60 e 70, no que acontecia na cultura do Brasil — música, cinema, artes plásticas, literatura. Ao mesmo tempo que tínhamos uma situação tão difícil, acontecia uma revolução cultural”, diz a jornalista. “Nas histórias todas que ela conta, do Cinema Novo, da Tropicália, dos festivais de música, da poesia marginal, ela era personagem também.”

Heloisa conta como o interesse acadêmico pela poesia marginal moveu sua carreira a partir dali. “Me parecia o testemunho político de uma geração. Comecei a trabalhar e a recolher, fiz uma tese sobre essa poesia e fui muito rejeitada durante anos. Era uma poesia suja, cheia de palavrão, que não era literatura. E essa rejeição moveu minha carreira inteira. Comecei a lidar com tudo que se dizia que não era literatura, que não era legítimo.”

Clube do bolinha

Provocada por Adriana, Heloisa também contou sobre sua participação em algumas das melhores histórias que estão no livro, como os quinze dias em que hospedou em sua casa Zé Celso Martinez Corrêa e toda a trupe do Teatro Oficina — e teve que contar com ajuda de um amigo para expulsá-los depois — ou da sua não participação nos projetos da turma do Cinema Novo. 

“Eu me metia a fazer cinema também, fiz quatro documentários, mas o Cinema Novo era totalmente impenetrável. Um clube do bolinha em que mulher só entrava que nem a Danuza [Leão], uma grega que não abre a boca em bacanais”, diz. 


Rebeldes e marginais: cultura nos anos de chumbo (1960-1970), de Heloisa Teixeira

A visão de uma mulher — e de uma mulher feminista — sobre esse período de efervescência cultural na história do país é também um diferencial na carreira da intelectual, que na conversa reconhece que não percebia à época o machismo de muitos dos seus colegas. 
“Eu estou ali vendo aquele monte de homem fazendo tudo, recusando as mulheres e não estou percebendo”, lembra. “Lancei outro livro, chamado Feminista, eu? (Bazar do Tempo, 2022), em que conto essa história toda de novo, mostrando que o Cinema Novo era um clube do bolinha, que a MPB não deixava mulher compor… Fiz essa visita ao avesso às décadas de 60 e 70 e é impressionante.”

Sem saudosimo

Ainda que tenha dedicado a maior parte da sua carreira ao período dessas duas décadas, Heloisa diz não sentir saudade dessa época que, a despeito de ter presenciado uma revolução em muitas áreas, era, para ela, conservadora em não permitir divergência de opinião ou diversidade no discurso de resistência à ditadura. 


 Feminista, eu?, de Heloisa Teixeira

“A esquerda era contra o movimento feminista nos anos 70 porque estava atrapalhando a transformação, a mudança social. ‘Depois vocês falam, agora não. Vai mexer nessa luta que é mais importante.’ A esquerda ser contra o feminismo é uma piada, né? Mas era, talvez seja um pouco até hoje.”

A invenção do jovem

Adriana Ferreira Silva destaca uma passagem de Rebeldes e marginais em que a autora se refere à geração dos anos 60 como aquela que inventou o jovem como categoria. “Tem uma coisa muito linda que a Helô fala nesse livro: que a década de 1960 foi a da invenção da juventude. É a geração que inventou o jovem. E agora ela é também a geração que está inventando a velhice.”

“Não existia o jovem como sujeito político”, diz Heloisa. “Tinha o patrão, o empregado, o proprietário, o burguês… Era a classe o que determinava. E então, nos anos 60, surge o jovem, que era uma categoria inventada. Agora começo a ver que esse jovem não morreu, a medicina não deixou e eles estão inventando um novo velho, uma categoria de mercado”, diz a crítica literária.

Mais na Quatro Cinco Um

Heloisa Teixeira e Adriana Ferreira Silva conversam mais sobre o impacto da ditadura na produção cultural dos anos 60 e 70 sob a perspectiva de rebeldes e marginais na entrevista que está na edição #79 da Quatro Cinco Um

A professora e crítica literária participou do quarto episódio do 451 MHz, em setembro de 2019, para falar dos cinco livros que havia lançado em um ano, todos em torno do pensamento feminista, na época em que ainda assinava como Heloisa Buarque de Hollanda. 

Heloisa também já foi tema de resenhas na revista dos livros sobre seus últimos lançamentos, como a coletânea de artigos Explosão feminista: arte, cultura, política e universidade (Companhia das Letras, 2019), resenhada por Bia Abramo.

Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais, terceiro volume da coleção organizada por Heloisa para a editora Bazar do Tempo, também foi tema de texto assinado pela editora Paula Carvalho, em que analisa outros lançamentos que apontam novos caminhos para o feminismo, ampliando suas teorias e práticas políticas.

Uma voz reconhecida pelos ouvintes assíduos do 451 MHz, Adriana Ferreira Silva já esteve no podcast para conversar com outros grandes autores que entrevistou para a Quatro Cinco Um, como Itamar Vieira Junior e a escritora angolana Yara Nakahanda Monteiro. A jornalista também já entrevistou e resenhou títulos de nomes de destaque da literatura contemporânea, como o francês Édouard Louis e a franco-marroquina Leïla Slimani.

O melhor da literatura LGBTQIA+

O episódio traz uma sugestão do ilustrador e quadrinista Talles Rodrigues, autor, entre outros, da série de quadrinhos “Mayara e Annabelle”. Ele indica Reinventando Denise, de Aureliano Medeiros, publicado pela Companhia Editora Nacional em 2023. 


Capa de Reinventando Denise, de Aureliano Medeiros  

“Aureliano é um autor de Natal, no Rio Grande do Norte, e a história se passa lá. A Denise é uma menina que vai para São Paulo para tentar uma carreira de influencer, fica famosa na internet, mas faz isso também para fugir de certas coisas que fez no passado, com seus dois melhores amigos que ficaram lá. Eles se reencontram depois de alguns anos e a história é sobre esse processo de amadurecimento e as reflexões sobre tudo o que aconteceu com eles”, diz o quadrinista.

Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+

O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo e da Associação Quatro Cinco Um.
Apresentação: Paulo Werneck
Coordenação Geral: Évelin Argenta e Paula Scarpin
Produção: Ashiley Calvo
Edição: Luiza Silvestrini
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: Pipoca Sound
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Bia Ribeiro
Para falar com a equipe: [email protected]