Repertório 451 MHz,

451 MHz #15: Amyr Klink em terra firme

Em edição especial, nosso podcast recebe o escritor e explorador Amyr Klink, confinado em casa durante a crise do coronavirus

03abr2020

Está no ar o décimo quinto episódio do 451 MHz, o podcast da revista dos livros! Duas vezes por mês, trazemos entrevistas, debates e informações sobre os livros mais legais publicados no Brasil. 

Nesta edição especial, ouvimos o escritor e explorador Amyr Klink, que está confinado em casa por causa da crise do coronavírus. Em 1984, Klink cruzou o Atlântico sozinho, num barco a remo. A aventura rendeu o clássico da literatura de não ficção brasileira Cem dias entre céu e mar, recém-lançado em audiobook, com narração do autor, pela Companhia das Letras. Neste episódio, Amyr fala sobre ansiedade a bordo e em terra firme, medo, superação, viagens, literatura, ambiente, sociedade, entre perrengues e anedotas.

Ouça o episódio aqui e agora: 
 

A página Repertório 451 MHz reúne os links para o último episódio e para os livros citados, listas, além de imagens, sugestões de leitura e outras indicações para se aprofundar nos temas discutidos. 

O podcast 451 MHz pode ser ouvido gratuitamente no site da revista e também nos principais tocadores de podcasts. Ele é publicado na primeira e na terceira sexta-feira de cada mês. 

A apresentação é do editor Paulo Werneck e a direção é da jornalista Paula Scarpin, da Rádio Novelo, start-up de podcasts que produz o 451 MHz para a Associação Quatro Cinco Um. Para contribuir com a realização do podcast, convidamos você a fazer uma assinatura da Quatro Cinco Um, a revista dos livros.

Bloco 1 (5:33)


 

Um dos maiores especialistas brasileiros em ficar um bom tempo em um único espaço, sozinho com seus pensamentos, o navegador e escritor Amyr Klink é o convidado deste episódio especial feito em tempos de coronavírus — e isolamento. Em 1984, Amyr fez-se ao mar em Lüderitz, na Namíbia, e aportou a Salvador após mais de três meses sozinho, tendo sido a primeira pessoa a fazer a travessia do Atlântico Sul em um barco a remo. 

A aventura está narrada em Cem Dias Entre Céu e Mar (Companhia das Letras), best-seller lançado em 1985 que já vendeu mais de 300 mil exemplares e acaba de sair em audiolivro, com narração do próprio Amyr. Mestre na arte da narrativa, ele é autor também de outros livros, como Não há tempo a perder (Tordesilhas, 2016), no qual lembra de momentos difíceis e garante que as crises podem nos motivar, e Mar sem fim (Companhia das Letras, 2000), em que narra sua primeira volta ao mundo, realizada em 141 dias.

A entrevista evoca outros clássicos da literatura de expedição: A pior viagem do mundo (Companhia das Letras), de Apsley Cherry-Garrard, sobre a trágica excursão do capitão inglês R. F. Scott à Antártica entre 1910 e 1912, Endurance, o impressionante livro de fotos do barco de Shackleton que encalhou no gelo, e A incrível viagem de Shackleton: a mais extraordinária aventura de todos os tempos (Sextante), de Alfred Lansing, sobre a célebre jornada do irlandês a bordo do Endurance.


Na expedição de 1984, Amyr Klink zarpou em um barquinho com espaço habitável de 88cm de altura, 2,20m de comprimento e menos de um metro de largura. “Aos poucos eu fui descobrindo a vida em volta. Cada dia era uma experiência nova. Não tinha esse monotonia que a gente está vivendo agora. Passei 101 dias no barco e nunca aconteceu essa sensação de angústia, de claustrofobia”, diz ele, que nestes dias de confinamento voluntário se propôs a experiência de passar uma noite no mesmo barco, mas no quintal de sua casa, a 10 metros de altura, em cima de uma geodésica (estrutura em forma de icosaedro, um poliedro de vinte faces) que ele próprio construiu. “Quase fiquei louco lá. Não durei quatro horas.”

“Além do problema do confinamento estático, estamos vivendo a coisa mais terrível de todas, que é a incerteza: quanto tempo vai durar isso?”, pondera. “A diferença no mar é que você sabe que vai demorar muito, que você vai sofrer muito, mas, se você não perder o foco, um dia você vai chegar ao seu cunho de amarração. Aqui, a gente não sabe onde está esse cunho.”


Praia da Espera, Bahia, 1984. [Rogério Montenegro]

Ao longo da conversa, Amyr — que se preparou para 109 dias de autonomia de comida e água (foram 275 litros) para a expedição de cem dias — critica o estoque desnecessário de alimentos em tempos de pandemia, alerta para as mudanças climáticas “muito preocupantes” e dá seu testemunho sobre a poluição dos oceanos e a prática da sobrepesca. Ele também comentou a sua última viagem à Antártida, feita com amigos: “De várias dúzias de viagens que fiz pra lá, essa foi  a mais legal. Foi uma espécie de celebração à primeira viagem, trinta anos depois”.

Amyr também fala sobre sua vivência em Paraty (RJ) e se lembra da tradição canoeira da cidade, hoje perdida, e de quando hospedou Liz Calder, editora e criadora da Flip — Festival Internacional de Literatura de Paraty. “Paraty foi para mim uma escola muito interessante. A sabedoria que tem atrás dessas técnicas. Até na arquitetura, quando você vê a razão da espessura das paredes, as técnicas construtivas usando óleo de baleia… é genial.”

Bloco 2 (34:35)

No início do segundo bloco, Amyr Klink lê um trecho de Cem dias entre céu e mar.

Tenso, andando em direção ao cais, senti que aqueles seriam os meus últimos passos em terra firme. O cheiro de porto no escuro, a areia quente sob os pés, os vagões enferrujados, o barulho de vozes humanas – quando novamente? Não sabia, e tampouco importava naquele momento. Estava nervoso, impaciente, desesperado para ir embora.A saída fora autorizada, a partir de Dias Point, e para lá seria rebocado por um veleiro, o Storm Vogel. Na ponta do cais, já estavam todos esperando: Helena com as crianças, a querida Anne Marie e os inesquecíveis amigos de Lüderitz com caras amassadas de sono e alguns olhos molhados. Tinha um enorme nó na garganta, e simplesmente não pude me despedir de ninguém: a voz não saía. 

Cem dias entre céu e mar foi escrito em circunstâncias muito pitorescas, que Amyr se diverte em relembrar. Ele obteve um polpudo contrato de patrocínio do livro por uma multinacional, cujos executivos farejaram o potencial do futuro best-seller internacional, mas nada entendiam das práticas do mercado editorial. O livro não demorou a sair, e foi escrito com autonomia, como tudo que o navegador faz — mas teve duas curiosas participações especiais que Amyr revela na entrevista. 

Ser elogiado pela escrita, segundo Amyr, o deixa  “muito feliz, de verdade. Muito mais do que as façanhas idiotas que eu fiz tantas vezes, porque eu tenho muito apreço pela palavra”. Ele conta que herdou dos pais, um árabe e uma sueca que dominava diversas línguas, inclusive o farsi, a paixão pelas letras. Embora seja um leitor apaixonado de livros de exploração, Amyr Klink menciona um nome inesperado ao ser indagado sobre suas preferências literárias: o escritor mineiro Campos de Carvalho, mestre do nonsense, de quem recomenda o livro A lua vem da Ásia (Autêntica). 

Clube 451 (42:20)

Você que está em quarentena e impossibilitado de frequentar livrarias, por que não faz uma assinatura do Clube 451, nosso clube do livro? O livro do mês de abril é Falso espelho (Todavia), de Jia Tolentino, repórter da New Yorker. Nossa editora Marília Kodic, que está preparando uma entrevista com a autora, comenta suas impressões do livro.

Falso espelho foca questões de autoimagem e autoengano tendo a internet como o órgão central da vida contemporânea. A autora reflete sobre como, com as redes sociais, a gente ficou de certo modo acorrentado à nossa versão virtual, a gente deixou de priorizar quem a gente quer ser pra priorizar quem a gente quer parecer ser. É o que acontece, por exemplo, quando em vez de curtir um belo pôr do sol  a gente prefere comunicar que está curtindo aquele pôr do sol”, diz ela, ao observar que as plataformas que tinham prometido conexão começaram a provocar alienação.

O maior mérito do livro, segundo Marília, é provocar uma reflexão sobre como as piores coisas da vida online tão agora moldando, e não mais refletindo, as piores coisas da vida offline. Leia a entrevista completa com a autora aqui.

Parênteses

FGV Editora (3:12)

Este episódio do 451 MHz tem o apoio da FGV Editora. Você que acompanha o nosso podcast sabe que a gente gosta muito de falar de livros que fazem pensar sobre a atualidade. Uma tema que está sempre em pauta é a economia agrícola do país, que acaba de ganhar mais uma fonte pro debate. Alimentando o mundo: o surgimento da moderna economia agrícola no Brasil é um lançamento da FGV Editora em coedição com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. O livro explica como e por que aconteceu a modernização agrícola no Brasil, e como o nosso país evoluiu de exportador monoprodutor de café para uma importante produtora agrícola do planeta, posicionada entre as cinco maiores do mundo. Com avaliação panorâmica que possibilita uma análise sobre como e por que o Brasil tornou-se produtor agrícola mundial, os autores demonstram que essa revolução agrícola ocorreu e continua a evoluir sem a necessidade de expansão adicional das terras e do desmatamento da floresta pluvial. A mineração e a extração ilegal de madeira na Amazônia, embora sejam um grande problema para o Brasil e para o mundo, não são fundamentais para o setor comercial moderno da economia nacional. A obra é uma tradução do estudo feito pelos professor Herbert S. Klein e Francisco Vidal Luna. Para mais informações, acesse o site editora.fgv.br.

451 MHz — Ouvinte entusiasta (33:06)

Se você gosta de ouvir o nosso podcast, a gente criou para você um plano especial de assinatura, o plano Ouvinte entusiasta. Isso mesmo. Igual ao Assinante Entusiasta da nossa edição impressa, você pode passar a nos ajudar a realizar o 451 MHz com R$ 20 por mês. Basta fazer uma assinatura — o plano Ouvinte entusiasta está aqui no nosso site — e esses R$ 20 são cobrados todo mês no seu cartão de crédito. Você pode entrar agora e sair quando você quiser. Com esse valor, você nos ajuda e produzir o programa. Em troca, a gente dá acesso ao nosso site e a todos os conteúdos publicados pela Quatro Cinco Um desde a nossa primeira edição. Você também ganha o seu nome no expediente da revista e também aqui no podcast — isso mesmo, a gente vai ler aqui no ar o nome das pessoas que estão nos ajudando a manter o programa em pé. Vai lá e faz a sua assinatura do Ouvinte entusiasta!

Ficha técnica:
O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo para a Quatro Cinco Um
Apresentação: Paulo Werneck
Direção: Paula Scarpin
Edição: Cláudia Holanda e Paula Scarpin
Produção: Aline Scudeller e Vitor Hugo Brandalise
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: João Jabace
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Kellen Moraes
Gravado com apoio técnico da Som de Cena (SP).
Para falar com a equipe: [email protected]