Literatura infantojuvenil, Poesia,
No quintal de Manoel de Barros
Em ‘Exercícios de ser criança’, o poeta brinca de fingir que pode interromper o voo dos pássaros
01out2021 | Edição #50Em Exercícios de ser criança, publicado em 1999 e que ganhou nova edição, Manoel de Barros brinca de fingir que pode interromper o voo dos pássaros. Mas ele não deseja interromper. Antes, ele pretende corromper o silêncio no voo das pessoas. E corrompe bem. O autor de “todas as infâncias” faz (bem) o que sempre gostou de fazer: servir-se do comportamento infancioso de garotas e garotos para (nos fazer) recuar à idade onde tudo o que nos cerca é poesia.
Manoel faz (bem) o que sempre gostou de fazer: recuar à idade onde tudo o que nos cerca é poesia
Como tudo o que Manoel tocava (com o lápis) virava poema, aqui nessa aventura, bem acompanhado pelos desenhos e imagens de Fernanda Massotti e Kammal João, as descobertas anunciam-se e se sucedem ao ritmo do Barros: escrever é “peneirar água” com a brandura exigida pela sabedoria; por via da sua dedicação pueril, a pedra dá flor; e o narrador não morre afogado porque o rio já tinha sido escrito com linhas tortas, no lado avesso do carinho. Os personagens habituais — menino, pai, mãe, irmão, namorada imaginária do irmão — são convocados e aparecem. Debitam não apenas as falas, mas também os comportamentos que elogiam o absurdo-mágico que Manoel domina, adestra e forja para nos ofertar. No sorriso de quem lê, a magia acontece como nas mãos de uma criança que afoga bois imaginários que quase atravessam o rio. Mas se afogam, na correnteza poética, os bois, e valorizam o verso que deixa a salvo o menino: “eu não morri porque o rio era inventado”.
Você vai ser poeta
Chegam os meninos e nós, leitores, ao fim do quintal. Tudo cabe num quintal de Manoel: até o mundo todo. As febres de amor e de poesia, na margem côncava que beija as curvas secretas do rio. Depois de Manoel nunca mais somos os mesmos. O autor nos empresta um pouco da carinhosa adivinhação feita pela sua mãe: “Você vai ser poeta”. E ele foi. Alicerçou no mundo um gigantesco orvalho cheio de despropósitos. Só que era poesia. Assim como ele: Manoel.
Este texto foi realizado com o apoio do Itaú Cultural.
Matéria publicada na edição impressa #50 em agosto de 2021.
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