A Feira do Livro, Música,
Nando Reis desvenda sua canção ‘Pré-Sal’ e diz que drogas não fazem ninguém ser criativo
Cantor e compositor falou sobre sua composição mais autobiográfica, que inspirou livro com desenhos, colagens e anotações de uma caderneta
05jul2024 • Atualizado em: 10jul2024Letras de músicas populares tendem a ser diretas e até literais. Contam histórias, criticam mazelas sociais e, sobretudo, falam de sentimentos comuns — com o amor, sempre o amor, na dianteira. Para Nando Reis, autor de mais de seiscentas músicas e uma carrada de grandes sucessos, nenhuma de suas composições fugiu mais da estrutura tradicional da canção do que “Pré-Sal”, gravada no álbum Sei, de 2012.
Curiosamente, a letra em que “espadas de São Jorge sempre em guardas vigiam”, que menciona ainda uma “lagosta espatifada atrás do branco biombo” e “periquitos viciados em sementes de cânhamo”, deu origem à sua música mais autobiográfica, disse o cantor na mesa “Infância recomposta”, nesta quinta (4), n’A Feira do Livro, onde lançou o volume de memórias homônimo que reúne desenhos, colagens e anotações de uma caderneta.
Na conversa com a apresentadora Roberta Martinelli, transmitida ao vivo no Clube do Livro Eldorado, da Rádio Eldorado FM, Reis falou da publicação de Pré-Sal (WMF Martins Fontes) e proporcionou um raro momento de descoberta aos fãs. No palco, desvendou os misteriosos versos da canção “desconcertante e não imediatamente compreensível”, como admitiu — e que talvez por isso mesmo tenha ficado longe de fazer grande sucesso.
A chave, disse o cantor, está na casa da rua Santa Catarina, no bairro paulistano do Tatuapé, onde passou a infância. A lagosta espatifada da letra, por exemplo, era um crustáceo real pendurado por seu pai na parede e atingido durante um bate-bola doméstico com seu irmão, contou. O mesmo irmão que, adepto de fumar um baseado de vez em quando, costumava dar sementes de maconha para os periquitos da casa na hora do jantar.
“Eles ficavam alucinados, meu pai não entendia nada”, lembrou o músico, despertando risadas na plateia que lotou o Palco da Praça d’A Feira. O título da canção, contou Reis, foi dado quando sua irmã a ouviu pela primeira vez. “Parece que você está falando do pré-sal da nossa existência”, ela comentou, segundo o cantor.
Música e pensamento
Durante a conversa, o autor de “Relicário” e “All Star” também refletiu sobre o fazer musical e fez uma comparação que divertiu o público. “Fazer música não é nada mais, nada menos, que arrumar um carrinho de supermercado”, disse. O que significa, segundo ele, encontrar uma ordem em que os elementos disponíveis se ajeitem bem. “As letras que temos são aquelas e as notas são apenas aquelas doze, então tem que ter alguma resolução para fazer algo que caiba ali.”
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Ele ainda distinguiu a poesia de letras de música. Estas, disse, estão sempre “atreladas à melodia e ao ritmo”, fundamentais para sua apreensão. “Tudo que sai do meu pensamento tem uma cadência rítmica, as coisas saem assim de mim, embora o que eu esteja falando pareça incompreensível”, afirmou o cantor, produzindo nova sessão de risos.
Sobre fórmulas de sucesso, ele considera que mesmo hits como “Relicário” e “All Star” têm letras “meio estranhas, excêntricas, exóticas ou talvez não usuais”. Por isso, é difícil encontrar uma explicação para o que desperta a identificação dos ouvintes. “Há um mistério no gosto popular”, resumiu. “A graça de qualquer forma artística talvez seja a sua inaptidão, para que cada pessoa tire o seu significado.”
Drogas e escapismo
Também não existem fórmulas para se libertar da dependência química das drogas, disse o cantor, que ressaltou ter convivido com “excessos, abusos e inconsequências”. Até que, num determinado momento, falou para si mesmo: “Isso vai dar ruim. Ou mudo, ou morro”.
“Foi o enfrentamento”, contou sobre como lidou com a questão. “Recomendo que cada um olhe para si. Já fui muito escapista e não foi legal.” Associar drogas à busca de inspiração ou ideias criativas é ilusório, enfatizou. “Nenhuma droga trouxe criatividade para ninguém. Ela, a criatividade, existe em mim”, comentou sobre o que descobriu com o tempo.
“A alteração de consciência não traz benefício. Na verdade, o que faz é diminuir a consciência crítica e não há obra de qualidade que possa ser examinada sem rigor“, refletiu. “Em qualquer canção que escrevi das seiscentas que fiz, não teve mágica. Nada melhor que a lucidez para ver se [uma produção artística] está adequada para ser publicada.”
A Feira do Livro 2024
29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.
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