Listão da Semana,

Narrativas sobre perder a mãe e mais 6 lançamentos

Hugo Gonçalves e Noemi Jaffe prestam homenagem às suas progenitoras a partir da perspectiva do luto

15jul2021 | Edição #47

Seja pela presença ou pela ausência, a figura materna tem influição incontestável em nossas vidas. Nesta semana, dois escritores — o português Hugo Gonçalves e a brasileira Noemi Jaffe — prestam homenagem às suas progenitoras a partir da perspectiva do luto, expondo os efeitos da perda e as maneiras de se conviver com a dor que fica. Como escreve Jaffe ao fim de seu livro: “O que resta de alguém, pelo olhar de quem fica, é mesmo isso, o amor”.

Completam a seleção da semana um romance a respeito da sobrecarga feminina, teorias sobre a formação racial brasileira e o combate ao racismo estrutural no mundo, um ensaio sobre pertencimento político, uma análise sobre os caminhos para superar a crise de Covid-19 e o novo livro infantojuvenil do angolano Ondjaki.

Viva o livro brasileiro!

Mãe. Hugo Gonçalves.
Companhia das Letras • 184 pp. • R$ 59,90

O romance autobiográfico do escritor, roteirista e jornalista português descreve a tarde em que, ainda criança, recebeu a notícia da morte de sua mãe, vítima de um câncer: “Sabes que a tua mãe estava a sofrer, não sabes? Ela agora já não está a sofrer mais”. Trinta anos depois, ele recebeu de sua avó materna, dentro de um saco plástico, o testamento de seu avô, com a escritura da casa e outros papéis. Ali inicia uma jornada interior e também geográfica pelos lugares por onde passou (Ilha da Madeira, Algarve, Lisboa, Porto, Rio de Janeiro, Nova York) para compor uma imagem total de sua mãe a partir dos pedacinhos que vai recolhendo: fotos, conversas com o pai, o irmão e a avó e depoimentos de conhecidos. 

Leia também: Martin Amis e Mathieu Lindon lembram que há uma arte tão difícil quanto a de perder: a de sobreviver às perdas.

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Lili: novela de um luto. Noemi Jaffe.
Companhia das Letras • 112 pp. • R$ 39,90

Sobrevivente do campo de extermínio nazista de Auschwitz (seu diário integra o acervo do Museu do Holocausto, em Jerusalém), Lili Jaffe morreu aos 93 anos em fevereiro de 2020, em decorrência de uma infecção nos pés que evoluiu para uma gangrena. Uma de suas três filhas, a escritora e crítica literária Noemi Jaffe, que já tinha escrito sobre a mãe em O que os cegos estão sonhando? (Editora 34, 2012), descreve a experiência da perda — as lembranças, as fotos, o cheiro que fica em alguns objetos — e o legado dos que se foram. 

Trecho do livro: “Quero e consigo fazer tudo o que preciso e gosto — assisto a filmes, leio livros, brinco com a cachorra, como com prazer, rio, converso —, mas tudo se reveste de mais beleza e de uma espécie de tato, palavra que acabou de me ocorrer. Tudo o que gosto parece mais pegável, e presto muita atenção aos sentidos. O sabor do abacaxi, do sorvete, a fotografia em um filme — coisa em que nunca prestei muita atenção —, o ritmo das frases de um livro, o som das palavras, o verde dos olhos do João, as pétalas roxas da árvore no piso do terraço. Observo tudo isso sem pensar em nada. Na verdade só me dou conta disso agora. É engraçado. As coisas revestidas de morte são também as coisas revestidas de vida”.

Leia também: Em elaboração literária do luto pela filha, Tiago Ferro se expõe sem medo de correr riscos e questiona os clichês sociais ligados à morte.

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Raiva. Monica Isakstuen.
Trad. Leonardo Pinto Silva • Rua do Sabão • 166 pp. • R$ 49

Publicado originalmente em 2018, o primeiro romance lançado no Brasil da ficcionista e poeta norueguesa Monica Isakstuen — editada em seu país natal por Karl Ove Knausgård — aborda o caráter exaustivo da maternidade. Com meninos gêmeos de quatro anos e uma menina de oito (e um animal de estimação), a mãe precisa lidar com a limpeza da casa, a alimentação da família, o controle da bagunça, os médicos, as reuniões de pais, as compras do supermercado e um marido que chega em casa cada vez mais tarde — daí o esgotamento e, consequentemente, a raiva do título. Como destaca a escritora Giovana Madalosso na orelha da edição brasileira, ao constatar a universalidade pulsante da obra: “Ser mãe é uma experiência extrema em qualquer lugar”.

Leia também: A canadense Sheila Heti questiona a predestinação naturalizada da maternidade; a chilena Lina Meruane critica o modelo contemporâneo de maternidade e educação.

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Modernidades negras: a formação racial brasileira (1930-1970). Antonio Sérgio Alfredo Guimarães.
Editora 34 • 256 pp. • R$ 59

Autor de Racismo e antirracismo no Brasil (2005)Classes, raças e democracia (2012), ambos lançados pela editora 34, o professor da USP e pesquisador do Cebrap reúne neste livro vários artigos clássicos sobre a formação da intelectualidade e da consciência negras no Brasil e o modo como diferentes grupos se apropriaram de termos racistas para organizar sua luta e construir uma cultura humanista, antirracista e decolonial.

Trecho do livro: “Recentemente, um amigo que não conseguiu um emprego para o qual se candidatou me disse que, como um homem branco, estava absorvendo os problemas do mundo. Ele queria dizer que estava sendo punido pelos pecados de seus antepassados. Queria que eu soubesse que ele compreendia isso como um fardo que ele deveria suportar. […] Eu queria perguntar a ele se suas expectativas eram um sinal de seu privilégio, mas decidi, uma vez que ele perdeu a vaga de emprego, que o meu papel como amiga provavelmente exigia outras reações”. 

Ouça também: Pioneiro dos direitos humanos e da luta antirracista, Luiz Gama é tema de episódio do podcast 451 MHz.

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Camarada: um ensaio sobre pertencimento político. Jodi Dean.
Trad. Artur Renzo • Boitempo • 208 pp. • R$ 55

Depois da publicação de The Communist Horizon (“O horizonte comunista”, 2012), em que argumenta que o comunismo é o horizonte da política contemporânea, e de Crowds and Party (“Multidões e partido”, 2018), sobre o partido como uma associação política indispensável para a construção de um novo mundo, a cientista política norte-americana apresenta o camarada como uma forma de pertencimento político — como uma relação entre os integrantes de um partido que lhes confere a capacidade de persistir, lutar e vencer. Para Dean, massas de pessoas na rua têm força, mas não têm política: é preciso um partido para enxergar a luta de classes nos acontecimentos disruptivos da multidão e mobilizá-la para a luta, superando assim as limitações do anarquismo e da democracia radical. 

Leia também: Ruy Fausto lança as bases para uma reconstrução do socialismo; historiador italiano escreve sobre a tristeza vaga e profunda que sempre assolou a cultura de esquerda.

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Teoria crítica da raça: uma introdução. Richard Delgado & Jean Stefancic.
Trad. Diógenes Moura Breda • Apres. Angela Harris • Pref. Adilson Moreira • Contracorrente • 184 pp. • R$ 55

O casal norte-americano de estudiosos do direito Delgado e Stefancic mostra que a raça é um elemento central do direito e da política nos Estados Unidos e analisa o papel que o sistema jurídico tem desempenhado na manutenção das relações de poder responsáveis pelas desigualdades sociais, ignorando a persistência de relações hierárquicas de poder nas democracias ditas liberais e barrando reformas para favorecer a inclusão racial. O livro discute as ações afirmativas e a concessão de benefícios materiais para segmentos da população, a atuação dos policiais e dos juízes, o encarceramento em massa, o discurso de ódio e os preconceitos raciais impregnados nos livros escolares e as regras eleitorais que prejudicam as minorias.

Leia também: Livro mostra como o Brasil moderno se forma a partir da racialização; pandemia de Covid-19 intensificou as desigualdades raciais e de gênero.

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O vírus e a farsa populista. Milton Blay.
Contexto • 256 pp. • R$ 49,90

Correspondente em Paris, o jornalista que escreveu A Europa hipnotizada: a escalada da extrema-direita (Contexto, 2019) analisa a crise provocada pela pandemia da Covid-19 e os caminhos possíveis para superá-la. Blay explora conceitos como renda básica, ecossocialismo e a “nova normalidade” e faz um balanço dos impasses provocados pelo negacionismo, pelo ultranacionalismo, pelo fanatismo, pelo populismo e pela ditadura, destacando o obscurantismo e a anticiência do Brasil da era Bolsonaro.

Leia também: Ao negarem a letalidade do coronavírus, governantes são responsáveis pela morte e contaminação de várias pessoas; como a circulação de conteúdo pseudocientífico no YouTube prejudica o combate à pandemia da Covid-19.

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A estória do sol e do rinoceronte. Ondjaki.
Ilustrações de Catalina Vásquez • Pallas Mini • 28 pp. • R$ 63

A fábula escrita pelo poeta e ficcionista angolano e ilustrada pela artista colombiana narra a história de um grande e poderoso rinoceronte que, em um momento de tristeza, pediu ao Sol que fizesse sua melancolia desaparecer. O Sol lhe explicou que a vida comportava a tristeza e a alegria, e que ele tinha dois olhos para ver e um coração para ajudá-lo a escolher. E então lhe deu um presente. Em 2010, Ondjaki venceu o Prêmio Jabuti, na categoria Juvenil, com AvóDezanove e o segredo do soviético (Companhia das Letras, 2009) — foi o primeiro escritor angolano a receber a distinção. Em 2013, recebeu o Prémio Literário José Saramago pelo romance Os transparentes (Companhia das Letras).


Ilustração de Catalina Vásquez
 

Leia também: Autora argentina cria mitologia fantástica em torno das lendas do rock e politiza a literatura de terror ao povoar seus contos com feminicidas e desaparecidos da ditadura.

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Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Mauricio Puls

É autor de Arquitetura e filosofia (Annablume) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva), e editor-assistente da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #47 em maio de 2021.