Repertório 451 MHz,
Luiz Gama no campo de batalha
Pioneiro dos direitos humanos e da luta antirracista é o tema do primeiro episódio especial de aniversário do podcast 451 MHz
03jul2020Ouça mais Episódios
Está no ar o vigésimo primeiro episódio do 451 MHz, o podcast da revista dos livros! Duas vezes por mês, trazemos entrevistas, debates e informações sobre os livros mais legais publicados no Brasil.
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Este episódio é dedicado a um pioneiro dos direitos humanos e da luta antirracista no Brasil: Luiz Gama (1830-82). O professor e jurista Silvio Almeida e a professora de literatura Ligia Fonseca Ferreira, organizadora de novo livro que recupera mais de quarenta artigos inéditos de Gama, debatem a atualidade desse advogado autodidata que se libertou da escravidão e defendeu os desvalidos com as armas do direito e do jornalismo. Participação especial: Antonio Pitanga.
Ouça o episódio aqui e agora:
A página Repertório 451 MHz reúne os links para o último episódio e para os livros citados, listas, além de imagens, sugestões de leitura e outras indicações para se aprofundar nos temas discutidos.
O podcast 451 MHz pode ser ouvido gratuitamente no site da revista e também nos principais tocadores de podcasts. Ele é publicado na primeira e na terceira sexta-feira de cada mês.
A apresentação é do editor Paulo Werneck e a direção é da jornalista Paula Scarpin, da Rádio Novelo, start-up de podcasts que produz o 451 MHz para a Associação Quatro Cinco Um. Para contribuir com a realização do podcast, convidamos você a fazer uma assinatura da Quatro Cinco Um, a revista dos livros.
Bloco 1 (3:17): Onde está Luiz Gama?
No primeiro bloco, a professora de literatura Ligia Fonseca Ferreira fala sobre o livro que acaba de publicar, Lições de resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e Rio de Janeiro, que traz cerca de sessenta textos do autor, dos quais 42 eram inéditos em livro e ainda desconhecidos. Ligia ressalta a necessidade de ler as obras de Luiz Gama numa "perspectiva interdisciplinar" para fugir a um culto "vazio".
Ela vem se dedicando à tarefa de estudar, organizar e publicar as obras de Luiz Gama, começando pela poética, que ela garimpou em jornais e em livros que Gama publicou em vida — no começo do século 21, apenas bibliotecas de livros raros, como a de Guita e José Mindlin, possuíam esses volumes. Com a poesia de Gama de volta à circulação, Ligia prosseguiu a pesquisa e publicou Com a palavra, Luiz Gama, que traz 19 escritos em prosa e também em verso. O prolongamento do trabalho, feito agora já em bibliotecas digitais como a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, Lições de resistência é o maior conjunto de textos de Luiz Gama já publicado. Ligia assina um longo texto que situa Gama e sua produção no contexto histórico. A apresentação é do professor Luiz Felipe de Alencastro e o texto da orelha do livro é de Silvio Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama.
O professor Silvio Almeida, autor do influente ensaio Racismo estrutural, conta no primeiro bloco o seu percurso intelectual até chegar à figura de Luiz Gama, autor que estava ausente da bibliografia em seus cursos de graduação e pós-graduação. Ele conta que lhe chamou a atenção um artigo de Fábio Konder Comparato que qualificou Gama como o maior advogado da história do país. "Para mim, isso foi muito surpreendente", conta ele. "Aqui nos Estados Unidos, ele já teria virado filme há muuuito tempo, ele seria ensinado nas escolas, como é o Frederick Douglass. Não tem uma pessoa que não saiba quem é Frederick Douglass". Almeida está em temporada acadêmica nos Estados Unidos. Ele afirma que o desconhecimento em torno de Gama no Brasil é um "índice da miséria moral, intelectual e política" dos cursos de direito e do Brasil de hoje. "O papel que eu assumi, junto com a professora Lígia Ferreira, foi trazer o Luiz Gama para o campo de batalha”. Segundo ele, o país tem três problemas que o Luiz Gama ajuda a enfrentar: o autoritarismo, a dependência econômica e cultural e o racismo.
O ator Antonio Pitanga lê, no primeiro bloco, trechos da carta a Lúcio de Mendonça em que Gama "dá à luz a própria mãe", nas palavra de Ligia Ferreira. É por esse documento que temos notícia da líder negra Luiza Mahin, heroína da Revolta dos Malês, e do pai de Gama, um português que combateu na Sabinada e que, ao perder sua fortuna, vendeu como escravo o próprio filho Luiz, de dez anos de idade — assim ele veio da Bahia até São Paulo.
Carta a Lúcio de Mendonça — Trecho 1
São Paulo, 25 de julho de 1880.
Meu caro Lúcio,
Recebi o teu cartão com a data de 28 de pretérito.
Não me posso negar ao teu pedido, porque antes quero ser acoimado de ridículo, em razão de referir verdades pueris que me dizem respeito, do que vaidoso e fátuo, pelas ocultar, de envergonhado: aí tens os apontamentos que me pedes, e que sempre eu os trouxe de memória.
Nasci na cidade de S[ão] Salvador, capital da província da Bahia, em um sobrado da rua do Bângala, formando ângulo interno, na quebrada, lado direito de quem parte do adro da Palma, na Freguesia de Sant’Ana, a 21 de junho de 1830, pelas 7 horas da manhã, e fui batizado, 8 anos depois, na igreja matriz do Sacramento, da cidade de Itaparica.
Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação), de nome Luíza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã.
Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito alva, geniosa, insofrida e vingativa.
Dava-se ao comércio – era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito.
[…]
Meu pai, não ouso afirmar que fosse branco, porque tais afirmavas, neste país, constituem grave perigo perante a verdade, no que concerne à melindrosa presunção das cores humanas: era fidalgo e pertencia a uma das principais famílias da Bahia de origem portuguesa. Devo poupar à sua infeliz memória uma injúria dolorosa, e o faço ocultando o seu nome.
Ele foi rico; e, nesse tempo, muito extremoso para mim: criou-me em seus braços. Foi revolucionário em 1837. Era apaixonado pela diversão da pesca e da caça; muito apreciador de bons cavalos; jogava bem as armas, e muito melhor de baralho, amava as súcias e os divertimentos: esbanjou uma boa herança, obtida de uma tia em 1836; e reduzido à pobreza extrema, a 10 de novembro de 1840, em companhia de Luiz Cândido Quintela, seu amigo inseparável e hospedeiro, que vivia dos proventos de uma casa de tavolagem, na cidade da Bahia, estabelecida em um sobrado de quina, ao largo da praça, vendeu-me, como seu escravo, a bordo do patacho Saraiva. […]
Bloco 2 (33:32): "O Antinabuco"
A conversa prossegue no segundo bloco destacando a relevância do trabalho jornalístico de Luiz Gama, em paralelo à atividade como advogado. Ligia Fonseca assinala um sinal curioso dessa situação: três anúncios publicados por Gama, lado a lado, Correio Paulistano: no primeiro, ele põe em oferta exemplares de Primeiras trovas burlescas; no segundo, ele anuncia sua atuação pelas "causas da liberdade", "sem retribuição alguma", e no terceiro ele anuncia seus serviços como advogado. Ligia conta que a presença na imprensa contribuiu para sua popularidade, uma vez que os jornais eram lidos em voz alta, informando inclusive os iletrados. Ligia chama Gama de "mestre de narrativas".
Como advogado e jurista, Gama teve uma atuação sofisticada, que usava o aparato da justiça de seu tempo para obter a libertação de pessoas ilegalmente escravizadas. Depois de demonstrar a impossibilidade de defender a escravidão a partir do próprio sistema jurídico, Gama amplia a questão nos termos dos direitos jumanos e da ideia iluminista de humanidade. Essa abordagem fez de Gama, "único intelectual brasileiro que viveu a escravidão", um dos grandes representantes das Luzes em nosso país. Almeida diz que Gama percebeu que não há regime de terror — como a escravidão no Brasil — que não precise de juristas para lhe dar sustentação e a aparência de uma ordem jurídica.
Carta a Lúcio de Mendonça — Trecho 2
[…]
Em 1848, sabendo eu ler e contar alguma coisa, e tendo obtido ardilosa e secretamente provas inconcussas de minha liberdade, retirei-me, fugindo, da casa do alferes Antônio Pereira Cardoso, que aliás votava-me a maior estima, e fui assentar praça. Servi até 1854, seis anos; cheguei a cabo de esquadra graduado, e tive baixa de serviço, depois de responder a conselho por ato de suposta insubordinação, quando tinha-me limitado a ameaçar um oficial insolente, que me havia insultado e que soube conter-se.
[…]
Em 1856, depois de haver servido como escrivão perante diversas autoridades policiais, fui nomeado amanuense da Secretaria de Polícia, onde servi até 1868, época em que “por turbulento e sedicioso” fui demitido “a bem do serviço público”, pelos conservadores, que então haviam subido ao poder. A portaria de demissão foi lavrada pelo dr. Antônio Manuel dos Reis, meu par cular amigo, então secretário da polícia, e assinada pelo exmo. dr. Vicente Ferreira da Silva Bueno, que, por este e outros atos semelhantes, foi nomeado desembargador da relação da corte.
A turbulência consistia em fazer eu parte do Partido Liberal; e, pela imprensa e pelas urnas, pugnar pela vitória de minhas e suas ideias; e promover processos em favor de pessoas livres criminosamente escravizadas; e auxiliar licitamente, na medida de meus esforços, alforrias de escravos, porque detesto o ca veiro e todos os senhores, principalmente os reis.
Desde que fiz-me soldado, comecei a ser homem; porque até os 10 anos fui criança; dos 10 anos aos 18, fui soldado.
Fiz versos; escrevi para muitos jornais; colaborei em outros literários e políticos, e redigi alguns.
Agora chego ao período em que, meu caro Lúcio, nos encontramos no Ipiranga, à rua do Carmo, tu como tipógrafo, poeta, tradutor e folhetinista principiante; eu como simples aprendiz-compositor de onde saí para o foro e para a tribuna, onde ganho o pão para mim e para os meus, que são todos os pobres, todos os infelizes; e para os míseros escravos, que, em número superior a 500, tenho arrancado às garras do crime.
Eis o que te posso dizer, às pressas, sem importância e sem valor; menos para ti, que me estimas deveras.
Teu LUIZ
Parênteses
Companhia das Letras
Este episódio conta com o apoio da Companhia das Letras.
Neste ano, a Penguin, selo de clássicos do Grupo Companhia completa 10 anos no Brasil.
Ao longo do mês de julho a data será celebrada com conteúdos especiais nas plataformas virtuais da editora, com conteúdos nas redes sociais da Companhia das Letras e do selo Penguin, no podcast Rádio Companhia e no blog.
Acesse as redes sociais da Companhia das Letras e do selo Penguin para mais informações sobre ações promocionais e um festival online, cuja programação será divulgada em breve.
Acompanhe a programação em @penguincompanhia no Instagram.
FGV Editora (30:52)
Em Classes médias e política no Brasil: 1922-2016, o sociólogo Adalberto Cardoso investiga a ação política das classes médias em três importantes períodos da nossa história: o “longo ciclo de Vargas”, que tem início com as revoltas tenentistas de 1922 e termina com o golpe militar de 1964; durante a ditadura militar, quando as classes médias apoiaram majoritariamente os militares, mas também fizeram oposição com o movimento estudantil e na luta armada; e no período de 2013 a 2016, com a análise do papel das classes médias no processo de polarização das relações de classe.
As classes médias são tratadas no plural pelo autor por causa da multiplicidade e heterogeneidade de seus engajamentos constatadas em suas pesquisas.
Classes médias e política no Brasil: 1922-2016 encontra-se disponível em formato digital, em todas as plataformas, e será impresso após o período de isolamento.
451 MHz — Ouvintes entusiastas
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Os ouvintes entusiastas desta edição são:
Marcia Adorno
Patrícia Carneiro de Brito
Lucas Carvalho
Cecilia Castellini
Gabriel Navarro Colasso
Walter Craveiro
Kelly de Souza Ferreira
Luiza Franco
Caroline Greve
Julia Guarilha
Mariah Guedes
Sandrine Ghys
Leila Lima
Gabriela Néspoli
Ligia Helena Sales Nunes
Valeria Wey Barbosa de Oliveira
Luísa Plastino
Debora Sader
Bruno Santana
Juliano Machado dos Santos
Gustavo Sénéchal
João Pedro de Souza
Tatiana Vargas
Leonardo Vilella
Flávia Bezerra Tone Xavier
Luiza Martins Werneck
O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo para a Associação Quatro Cinco Um
Apresentação: Paulo Werneck
Direção: Paula Scarpin
Edição: Cláudia Holanda e Paula Scarpin
Produção: Vitor Hugo Brandalise
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: João Jabace
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Kellen Moraes
Gravado com apoio técnico da Som de Cena (SP).
Para falar com a equipe: [email protected].
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