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Perspectiva amefricana,
Uma tarde com Patricia Hill Collins
Em conversa on-line, a socióloga e estadunidense, que estará n’A Feira do Livro, fala da importância da interseccionalidade para o feminismo negro
09maio2023 | EdiçãoRecentemente, tive um encontro, ainda que on-line, com umas das principais e mais potentes vozes do feminismo negro e da intelectualidade contemporâneos: Patricia Hill Collins. Professora emérita do departamento de sociologia da Universidade de Maryland, Collins se soma a um conjunto de influentes pesquisadoras e ativistas negras estadunidenses, dentre elas Angela Davis, bell hooks, Kimberlé Crenshaw e Alicia Garza. Seus escritos foram lançados pela editora Boitempo: Pensamento feminista negro (2019), Interseccionalidade (2021) e Bem mais que ideias: interseccionalidade como teoria crítica social (2022).
As produções de Collins são ricos instrumentos de reflexão não apenas sobre mulheres negras, mas sobre o mundo. O diagnóstico da condição das mulheres negras sob sistemas de opressão não é a resposta às perguntas que ela se faz, e nos faz, mas o ponto de partida para amplificar percepções sobre as dinâmicas das desigualdades e para projetar e organizar as alternativas e, sobretudo, formular as contribuições dessas mulheres para que caminhemos no sentido da liberdade.
Um dos temas que mais tem recebido atenção da intelectual atualmente é a interseccionalidade. Se, por um lado, o conceito foi nomeado pela advogada Kimberlé Crenshaw, por outro, a noção de interseccionalidade já estava presente nas formulações e práticas de mulheres negras muito antes de sua conceituação, afirma Collins. Aí reside outro fundamento do pensamento feminista negro: uma teoria correlacionada a uma práxis, em geral, anterior à conceituação teórica. Para o conjunto de intelectuais negras, nossas formulações não só se relacionam posteriormente a uma ação política, mas partem de práticas pré-existentes, muitas vezes ancestrais, de um acúmulo de conhecimentos produzidos no “fazimento”, por experimentações e experiências coletivas.
Collins, além de ser uma mente brilhante, é uma pessoa de extrema sensibilidade e generosidade. O nosso encontro foi recheado de gargalhadas, reciprocidade e escuta atenta. Se ele começou on-line, prometemos sua continuidade presencialmente, já que Collins está a caminho do Brasil para uma temporada de pouco mais de um mês. Além de aulas e palestras que ministrará, ela é uma das convidadas confirmadas para A Feira do Livro, em São Paulo. Não tenho dúvidas de que nosso reencontro ainda renderá muito papo para essa coluna. Na conversa, discutimos poder, imagens de controle, esperança e liberdade. Aqui, falarei de nossa troca sobre o conceito de interseccionalidade.
Contexto histórico
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Collins entende como fundamental retomarmos o histórico de ideias que precedem o termo. No caso estadunidense, remete à metade do século 20, quando movimentos de mulheres de cor (negras, latinas, indígenas, asiáticas) nos Estados Unidos respondiam à opressão e à violência em suas comunidades e em seus corpos. A interseccionalidade emerge como ideia-resposta às desigualdades sociais em diferentes locais, a partir do diagnóstico de que havia similaridades entre grupos de mulheres. Mulheres negras compreenderam que não seria possível alcançar a liberdade apenas com o argumento de enfrentamento ao racismo. Seria preciso pensar raça e gênero conjuntamente e de modo inseparável. Com essa constatação, percebeu-se que a dimensão de gênero por si só também não garantia a emancipação desejada, tendo em vista que, no contexto estadunidense, as discussões estavam um tanto atreladas ao supremacismo branco.
A interseccionalidade é o conceito que reúne mulheres para construir soluções para os problemas sociais diretamente ligados à questão da violência, seja a relacionada aos direitos sexuais e reprodutivos, seja a doméstica ou a relativa ao encarceramento em massa, que atinge desproporcionalmente jovens homens negros.
A interseccionalidade redimensiona o sentido das alianças necessárias em torno do compartilhamento de experiências comuns, sem perder de vista que a maneira como experimentamos essas opressões se dá de modo diferente. Collins explicita que a interseccionalidade surge como ponto conectivo para a disrupção sem que as diferenças sejam hierarquizadas e invisibilizadas, permitindo a construção de agendas comuns, onde as relacionalidades são estabelecidas para projetos políticos diante das complexidades sistêmicas a serem enfrentadas.
O conceito reúne mulheres para construir soluções aos problemas sociais ligados à questão da violência
Sem deixar de lado a importância da contribuição de Kimberlé Crenshaw, Collins chama a atenção para a dimensão da interseccionalidade não como um termo que surge da academia, mas da necessidade de uma agenda de promoção da justiça social, tendo a violência como problemática nuclear a ser enfrentada por ser o ponto conectivo nas diversas experiências de pessoas de cor, principalmente as advindas da diáspora africana.
Essa dimensão histórica sobre a ideia antes do termo, sobre a importância do termo para viabilizar um projeto político e suas dimensionalidades , agora sim, no âmbito acadêmico, são o que há de mais importante e rico para aplicarmos em nossas reflexões e ações práticas. E mais do que isso, como a própria Collins explicitou, essa ideia carrega a possibilidade de conexões com outros projetos, em diferentes contextos.
O desprendimento de Collins com o termo interseccionalidade faz emergir a ideia de movimento, de teoria e ação política em troca constante. “O desafio de superar a violência será construído com muita familiaridade e organizado de formas diversas”, diz ela.
A interseccionalidade é ferramenta potente porque traz incômodos necessários, já que fornece uma lupa para percebermos que pessoas pobres brancas não ocupam o local privilegiado da branquitude e “são mais parecidas com pessoas negras do que pensam”, já que “classe e pobreza são discursos unificadores”. A interseccionalidade é ferramenta para as lutas radicalmente emancipatórias.
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