Esporte, Jornalismo,

A maratona mais renhida

“Boston” narra as epopeias de pessoas comuns que se tornaram fãs desse esporte, mas traz também recordistas e herói

15nov2018 | Edição #10 abri.2018

Com doze maratonas no bolso e três livros sobre o assunto nas mangas, o jornalista Sérgio Xavier Filho lança agora sua obra mais pessoal, ou melhor, a mais suada de todas. Boston narra suas aventuras de oito anos para conseguir competir na maratona da cidade americana, a mais tradicional e reverenciada do mundo, “uma espécie de pós-doutorado” ou “quase uma Harvard esportiva”, ele escreve.

Há tempos, obras sobre corridas viraram um subgênero da literatura de aventura e pipocam nas livrarias no mesmo ritmo acelerado da criação de novas provas. E não é preciso ser um atleta para apreciá-los do conforto do sofá. Xavier Filho, hoje comentarista do SporTV, estreou com Operação Portuga (2010), sobre amigos que viajam o mundo tentando bater um recorde, e escreveu Vidas corridas (2015), sobre empresários de alto nível viciados no esporte. É também autor da coletânea Correria (2015).

Apesar da epopeia pessoal, ele não soa como aquele parceiro de exercício que só sabe falar de si. O livro novo corre numa cadência tranquila de jogging de fim de semana, intercalando agruras e conquistas do escritor com histórias curiosas sobre a maratona de Boston. O evento é o mais antigo do gênero a acontecer sem interrupção. A 122ª edição da competição acontece agora em abril.

Para conseguir uma vaga, Xavier Filho precisa conseguir “o índice”, ou seja, terminar uma prova de 42 km em 3h27min30. Assim, ele nos leva a Chicago, Paris, Buenos Aires e Amsterdã. Há também corridas na Disney e em sua natal Porto Alegre, além de outra na desconhecida Albany, em Nova York — um tudo ou nada para o autor. 

O ápice vem, claro, ano passado em Boston, quando ele deixa de lado o desejo de performance e decide curtir cada momento, como a inusitada tradição das garotas que pedem beijos dos atletas. “Na bochecha, é verdade, mas bom demais”, escreve.

Atentado de 2013

O atentado terrorista de 2013, embora o próprio escritor reconheça ser um tema “surrado”, ganha um capítulo à parte. Aqui são os médicos que brilham. O ataque deixou três espectadores mortos e 264 feridos, incluindo muitos mutilados, e calejou ainda mais o espírito de durona de Boston. Conhecida pela intelectualidade das grandes universidades, a cidade é também famosa pelos invernos de lascar e pelo papel vital de rebelde nas guerras de independência do país.

Xavier Filho é bastante focado na sua narrativa, assim como faz em suas corridas, sempre de olho no relógio para manter seu ritmo de números mágicos. Pelo caminho, não enche o leitor de pormenores que cansariam até o praticante iniciante e tampouco desvia um passo fora do trajeto. 

Há corridas lendárias: o cubano Alberto Salazar e o azarão americano Dick Beardsley cruzaram a linha de chegada com 2 segundos de diferença, em 1982

Como, por exemplo, quando descreve o esforço dos amadores para bater suas marcas da maratona: os que penam para fazer em menos de 4 horas, enquanto outros cruzam em 3 horas. No mundo profissional, que o livro ignora, a marca dos sonhos ainda imbatível é das 2 horas (o recorde mundial masculino é 2h02 e o feminino está entre 2h15 e 2h17), e nunca se investiu tanto como nos últimos três anos para bater este tempo.

De fato, Boston é sobre pessoas (quase) comuns, e tampouco se mencionam os malucos das ultramaratonas, para quem 42 km devem ser fichinha, uma vez que eles treinam para correr 160 km.

Heróis e excêntricos

Mas não faltam recordistas, heróis e excêntricos em Boston. A pessoa mais inspiradora é Kathrine Switzer, que o jornalista conheceu em Nova York quando era diretor da edição brasileira da Runner’s World, revista que ele ajudou a trazer ao país.

Switzer foi a primeira mulher registrada a correr em Boston, quando o evento nem era aberto ao público feminino. A americana não só deixou marmanjos para trás, como escapou literalmente do diretor da prova, que tentou tirá-la à força enquanto corria. Switzer virou símbolo e dedicou sua vida à inclusão de mulheres nos esportes.

Além de personagens, há as corridas lendárias. Uma em particular faz o leitor segurar o fôlego: quando o recordista cubano Alberto Salazar e o azarão americano Dick Beardsley cruzaram a linha de chegada com 2 segundos de diferença, em 1982.

O livro de Sérgio Xavier Filho pode ser aquele empurrão para o aspirante encarar uma maratona. Ou a janela do sedentário convicto ao maravilhoso mundo dos esportes. Seja como for, não vai pingar suor da testa, mas talvez dê uma leve palpitação. 

Quem escreveu esse texto

Fernanda Ezabella

É jornalista.

Matéria publicada na edição impressa #10 abri.2018 em junho de 2018.