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Fatos & fotos

Compilação de imagens de conflitos no Brasil mostra todos os tons do nosso pendor para a violência política

01maio2018 | Edição #11 mai.2018

“Os problemas da ordem política e econômica que ora se debatem somente dentro da lei magna poderão ser resolvidos, de forma a conduzir a nossa pátria à superior finalidade dos seus altos destinos.” A mensagem de Alberto Santos-Dumont é de 14 de julho de 1932, poucos dias antes de pôr fim à sua vida no Hotel La Plage, em Santos. Sua saúde estava fragilizada e ele não se conformava com o uso de sua invenção na Revolução de 32 — aviões pilotados por brasileiros estavam a lançar bombas sobre brasileiros.

Eleições ainda são tratadas entre nós como “festa cívica”, mas se olharmos para o passado é fácil verificar que muitas vezes a disputa do poder se deu pela força, por golpes, por falcatruas. No clima tenso em que aguardamos as eleições deste ano, vale a pena rever alguns momentos trágicos em que leis foram postas de lado e as coisas resolvidas na marra. É o que propõe Conflitos: fotografia e violência política no Brasil 1889-1964, catálogo da exposição que chega ao IMS Paulista em maio. A obra põe em questão nossa autoimagem de país pacífico.


Vaqueanos da serraria Lumber na guerra do Contestado, 1915

O panorama de conflitos armados entre a proclamação da República e o golpe de 1964 é ilustrado por impressionante repertório fotográfico, comentado pela cientista política Angela Alonso e pelas historiadoras Heloisa Starling e Angela Castro Gomes, além do pesquisador iconográfico Vladimir Sacchetta. Essa conversa da história com a fotografia reaviva o passado e abre uma janela que pode iluminar muitos dos dilemas atuais.

O sueco Claro Jansson deixou um registro precioso da guerra do Contestado (1912–16), rica região entre o Paraná e Santa Catarina. Esse fotógrafo profissional, de apurada técnica, nunca escondeu suas boas relações com as autoridades e com seus empregadores da serraria Lumber. Uma das fotos mostra um grupo de vaqueanos, espécie de milícia armada privada, que defendia a madeireira de ataques de revoltosos. Mesmo as fotos com os caboclos rebeldes, entretanto, parecem cuidadosamente posadas.  

Essas imagens são exceção no capítulo “República da degola”, que reúne fotos de 1889 a 1916, em geral todas esmaecidas, pois muitas são de papel de albumina e prata, pouco resistente à conservação. O período ainda registrou, além do Contestado, a Revolução Federalista, Canudos e as revoltas da Armada, da Vacina e da Chibata. 

Lampião, o rei do cangaço, ilustrou com retratos toda a sua trajetória desde 1922, servindo-se da fotografia para disseminar sua glória. Essa investida teve resposta de seus adversários: fotos de cangaceiros presos e cadáveres mutilados. O auge da batalha é a foto de 1938 em que as cabeças decapitadas de Lampião e seu bando são expostas numa espécie de altar macabro.

As fotos da Revolução de 1924 mostram residências bombardeadas em São Paulo, incêndios, barricadas e as ruínas do Quartel da Luz. Numa das imagens da Revolução de 30, que levou Vargas ao poder, Getúlio aparece com seu charuto ao passar por Itararé, a caminho do Rio de Janeiro. Curiosamente, a foto também é do onipresente Claro Jansson. Podemos ver ainda os revolucionários amarrando os cavalos no Obelisco, no Centro do Rio. E o empastelamento da Gazeta de Notícias, na mesma avenida Rio Branco, no momento em que eclodiu a Revolução de 1930. 

No clima tenso em que aguardamos as eleições, vale a pena rever momentos trágicos em que as coisas foram resolvidas na marra

A praça da Sé tomada pelo povo, em 25 de janeiro, mostra a coesão dos paulistas em 1932: São Paulo unida exige a Constituinte, lê-se nas faixas. A concentração iria se repetir em 1984, no comício das diretas. E a população continua indo às ruas, embora menos coesa, pois os objetivos não costumam mais ser unânimes. Impressiona a visão dos motins que se seguiram ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954: manifestações de rua, o cortejo fúnebre, o quebra-quebra em Porto Alegre e, no final, o corpo descoberto de Getúlio, apenas com a calça do pijama, enquanto era submetido ao exame médico-legal.

São pouco conhecidas as imagens da revolta de Jacareacanga (1956) e da insurreição de Aragarças (1959), esta última ricamente documentada pelo fotógrafo Campanella Neto, que era um dos passageiros do voo da Panair para Belém sequestrado pelo major Teixeira Pinto — primeiro sequestro da história mundial da aviação. Insurgentes da Aeronáutica queriam forçar JK a decretar estado de sítio e cancelar as eleições presidenciais. Falhando a revolta, acabariam eleitos Jânio Quadros e, para vice, João Goulart.

A capa do livro é uma foto da polícia contendo o avanço da massa durante o comício das reformas no Rio de Janeiro, em 13 de março, um dos estopins do golpe de 1964. Vemos também a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, de 19 de março; a antológica foto de Evandro Teixeira da tomada do forte de Copacabana em 1° de abril, a UNE incendiada no mesmo dia, Gregório Bezerra preso e torturado em Recife, e a primeira passeata pró-Jango em Porto Alegre. 

Caminhamos para as eleições gerais. Rever o lado trágico da nossa história talvez nos ajude a compreender a importância de um caminho pacífico rumo ao voto. 

Quem escreveu esse texto

Eduardo Muylaert

Advogado e fotógrafo, está lançando Direito no cotidiano: guia de sobrevivência na selva das leis (Contexto). 

Matéria publicada na edição impressa #11 mai.2018 em junho de 2018.