
Fichamento,
Paula Ramón
Em seu livro de estreia, a jornalista venezuelana traça um paralelo entre o esfacelamento de sua família e o de seu país
01dez2020 | Edição #40 dez.2020A jornalista venezuelana Paula Ramón lança seu primeiro livro, Mãe pátria (Companhia das Letras), um relato não ficcional dilacerante sobre a fragmentação da sua família em meio à polarização da Venezuela.
De onde surgiu a vontade de escrever esse livro?
O convite veio da Companhia das Letras graças aos textos que escrevi para a revista piauí sobre o cotidiano da Venezuela a partir da minha família. A ideia do título foi do [editor] Luiz Schwarcz. A primeira vez que li, me emocionei. Eram apenas duas palavras, mas ecoaram dentro de mim com força, porque foram coisas que eu perdi. É a ideia de como o cordão umbilical que me amarrava à minha mãe era o mesmo que me amarrava ao meu país.
É um livro bastante pessoal. Teve alguma parte especialmente difícil de escrever?
O mais difícil foi rever as fotos, escutar as mensagens de voz, ler nossos e-mails, nossas conversas de WhatsApp e relembrar. Enquanto escrevia, repensei coisas da minha infância que achava esquecidas, vi-as com outro olhar. Também percebi como eu tinha normalizado muitas coisas pessoais e profissionais que não deviam ter sido normalizadas e isso me fez ter mais compaixão comigo mesma e mais consciência política.
Você escreve que foi criticada por colegas jornalistas por se definir como “neutra”. Acha que é possível fazer um jornalismo “objetivo”?
Acho que era um pouco de ingenuidade da minha parte frente a comportamentos que considerava excessivos e pouco éticos. Naquela época, eu acreditava que para ter credibilidade tinha que me manter neutra. Minha geração entrou para fazer jornalismo num país totalmente polarizado. Fui amadurecendo as ideias e, aos poucos, eu me permiti ter uma opinião. Minhas posições pessoais não poluem meu trabalho, e isso é algo que você vê nos meios de comunicação tradicionais. Não publicamos o que opinamos, publicamos informações que podem ser verificadas, que têm fontes.
Como vê a situação política atual da Venezuela, entre Nicolás Maduro e Juan Guaidó?
A situação política da Venezuela não se resume aos dois. São mais de vinte anos de governo entre Hugo Chávez e Maduro, e é tempo suficiente para continuar arrumando desculpas e seguir falando em sabotagens e planos conspiratórios. Normalizamos tudo, a começar pela falta de diálogo e de tolerância e pela ausência de democracia e de Estado de direito. Um homem só não faz o país, não é apenas Maduro, nem apenas Guaidó.
Em campanhas eleitorais por aqui, tem sido comum usar a frase: “O Brasil vai virar uma nova Venezuela”. Tem alguma opinião sobre isso?
É apenas retórica que busca manipular a opinião pública, contribuindo para uma linguagem xenofóbica. É uma fórmula muito simplista de ver as coisas e que não corresponde à realidade, impedindo as pessoas de entender o que acontece em seu próprio país.
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Você pensa em retornar um dia para a Venezuela?
Antes não pensava nisso, depois comecei a me perguntar onde iria passar o Natal, onde é “volver”. Não acho possível voltar por enquanto, não só pela situação dramática do país, mas também porque a minha vida se abriu em outro lugar. O que me amarrava àquele lugar, o que eu amava não está mais lá. Na minha última viagem à Venezuela, uma pessoa me disse que eu parecia estrangeira. Isso me fez lembrar do meu pai, espanhol, falando sobre como, se ele voltasse para a Espanha, seria mais um estrangeiro. Às vezes, acho que abracei o Brasil como meu pai abraçou a Venezuela. Ele podia voltar, mas acho que sabia que a Espanha já não era sua casa, e, às vezes, sinto o mesmo em relação à Venezuela.
Matéria publicada na edição impressa #40 dez.2020 em novembro de 2020.
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