Fichamento,
Vinicius Calderoni
O diretor, ator, roteirista, músico e escritor lança livro com a dramaturgia de sua peça mais recente e uma plaquete de poemas
01fev2024 • Atualizado em: 02ago2024 | Edição #78Museu Nacional [todas as vozes do fogo] (Cobogó) e Vida e obra (Círculo de Poemas) expandem metáforas sobre um museu em chamas e a reforma de um apartamento.
Museu Nacional (todas as vozes do fogo) e Vida e obra, de Vinicius Calderoni
Você trabalha com teatro, música, cinema, literatura… Como transita entre tantas áreas?
Sempre tive o desejo de me experimentar artisticamente em diferentes plataformas. Comecei a amar o teatro aos nove anos. Eu era uma criança meio gordinha que assistia a peças, ia ao teatro, aos camarins, pedia autógrafo. O teatro é uma experiência compartilhada poderosa, algo raro e sagrado que só acontece no momento, no palco.
Você ama essa experiência compartilhada, mas a escrita é uma atividade solitária. Como lida com isso?
Vou escrever num café, em lugares públicos, eu me alimento das vozes das pessoas ao redor. O ouvido do dramaturgo é muito importante: você escuta, filtra e devolve o que ouviu para o público. Tenho vontade de escrever algo de mais fôlego, um romance, o que me afasta disso é a solidão que talvez seja requerida para essa tarefa.
Como foi escrever sobre o Museu Nacional?
Até o incêndio [em setembro de 2018], não sabia nada do museu, do acervo. Aí o virginiano aqui vai lá e pesquisa tudo. Fui entendendo a magnitude da tragédia. Mas o que me pegou foi o quanto a imagem do museu em chamas era uma síntese do país que se anunciava.
Quais foram suas preocupações ao abordar o assunto?
Mais do que tudo, havia um medo com a questão da identidade do país. Na hora que você entende que o edifício do museu foi o lugar onde se proclamou essa república tão controversa, aí você compreende o buraco. E um museu é uma instituição essencialmente colonial, que de alguma maneira encerra toda a violência contra outros povos. As pedras daquele edifício estão impregnadas desse assunto. Isso era uma questão que tinha de ser tratada no corpo a corpo com o elenco, todos tinham que ser meus colaboradores, codramaturgos.
Na peça, você joga a pergunta: “O museu em chamas era o país que havíamos nos tornado ou o que sempre fomos?”. O que é o Museu Nacional para você?
As duas coisas. O país que sempre fomos, com as violências que perpetuamos, e uma maravilha. É uma pergunta muito difícil de responder, por isso jogo para o público, ou ao leitor. Foi meu conflito ao escrever a peça, 0 que mais me custou emocional e até fisicamente.
Vamos reconstruir dos escombros, como você também pergunta ao fim da peça?
No reconhecimento de tudo que é terrível, talvez a gente consiga construir a partir das ruínas. É esse o lugar onde a peça tenta operar: não é um lugar edulcorado de superação ou redenção. Estreamos entre o primeiro e segundo turno das eleições de 2022. Foi uma aposta. No prefácio do livro eu falo que não sabia da viabilidade da peça, do que teria de mudar se o pior acontecesse.
Além de Museu Nacional, você está lançando uma plaquete de poemas. É sua primeira vez na poesia?
É. Eu achava que a poesia era algo em que não podia tocar, tinha medo de virar uma estátua de sal. Daí cometi alguns poemas para peças, dentro da dramaturgia. A [editora] Rita Mattar, minha amiga querida, veio com essa ideia de eu fazer uma plaquete. Na época, eu estava reformando o apartamento que havia sido de meus avós. Resolvi lidar com a carga emocional da reforma nos poemas. Também pensei na canção “Águas de março”, que descobri ser, entre outras coisas, sobre a reforma da casa de campo do Tom Jobim. Pensando que a vida é um constante estar em obras, veio o título, Vida e obra. Achei uma piada boa para alguém que nunca escreveu um livro de poemas na vida e fiz a besteira de comentar com os editores. Tentei mudar depois, mas não deixaram.
Matéria publicada na edição impressa #78 em dezembro de 2023.
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