Fichamento, Literatura infantojuvenil,
Lázaro Ramos
O ator baiano lança dois livros voltados para crianças e diz que busca se profissionalizar como escritor
31maio2021 • Atualizado em: 02ago2024 | Edição #47Com sete obras publicadas, o ator, diretor, músico e apresentador lança a reedição de Edith e a velha sentada (Pallas), uma de suas primeiras obras publicadas, e o inédito O pulo do coelho (Carochinha), e fala dos desafios de encontrar uma voz própria no mundo literário.
De onde surgiu essa vontade de escrever?
Eu sempre escrevi, desde a infância, só que eu não mostrava, porque eu não sabia se tinha qualidade ou se interessaria a alguém. Eu sempre encontrei numa folha de papel uma companhia que não me julgava. Era um pouco para isso que eu escrevia. E eu não sabia que a linguagem com a qual escrevia se adaptava bem a crianças e adolescentes. Era só uma vontade de me comunicar em cima do jeito que eu vejo o mundo, de forma bem-humorada, lúdica e inventiva. Ia escrevendo ali sem função nenhuma. Foi quando eu estava sem emprego que tive coragem de mostrar o que tinha escrito. Meus amigos falaram que era bom e sugeriram montar uma peça infantil. Para a minha surpresa, essa peça ficou dois anos em cartaz. Descobri que tinha essa voz que me pertencia e que ela tinha valor. Depois, passei a perseguir esse lugar.
Edith e a velha sentada é uma reedição de um dos seus primeiros livros. Quais as diferenças entre as edições?
Mexi pouco no texto. Entendi que era um livro sobre o uso responsável de tecnologias, equilíbrio, e resolvi relançar porque hoje estamos vivendo essas questões. Dentro das nossas casas ficamos o tempo todo falando “Filho, não fica na televisão o tempo todo, sai do celular”. Percebi que o texto continuava atual, tem poucas coisas que mexi. Mas tenho a honra de ter nesse livro as ilustrações do Edson Ikê, um grande ilustrador brasileiro, que trouxeram um trabalho visual para o livro que é muito lindo.
Edith traz também várias referências culturais e musicais, trabalha com as palavras, tem até um glossário no final.
A Edith tem dois temas principais: além do uso responsável das tecnologias, tem também a autoestima. Mas se for olhar mais de perto, ele fala de saúde mental, brincadeiras artesanais, criatividade, autoconhecimento, biologia. Está tudo ali. É que a minha cabeça é um pouco assim. Sou muito disperso, penso em muita coisa ao mesmo tempo. Tanto que não consigo digitar o que eu escrevo, eu penso tão rápido que eu tenho que gravar. A cabeça da Edith é um pouco a minha cabeça também. Tenho uma velha sentada na minha cabeça! Ela fica aqui me cutucando: “Vai, pensa, anda, mexe!”
Essa história também foi adaptada para o teatro?
Sim, ficou três anos em cartaz no Rio de Janeiro, com Isabel Fillardis, Jorge Salinas, Susana Nascimento, Orlando Caldeira e Rose Lima. Virou um musical. Vamos lançar as músicas feitas para a peça em alguma plataforma musical. O pulo do coelho também estou trabalhando no álbum musical dele, com meu grupo musical infantil chamado Viagens da Caixa Mágica, Heloísa Jorge e Jarbas Bittencourt. Todas as músicas do grupo foram inspiradas em outros dois livros infantis meus, o Caderno de rimas do João e o Caderno sem rimas da Maria (lançados pela Pallas).
O pulo do coelho foi escrito durante o confinamento?
Ele foi finalizado no confinamento, mas tinha começado a escrever antes. Quando fui ver meus textos em andamento, vi que uma das primeiras frases do livro é: “Gusmão está confinado na cartola”. É um livro que fala sobre autonomia e liberdade. O menino sonha em ser um coelho, que todo dia era retirado da cartola, aquela vida tediosa, e ele resolve fugir para virar mágico. É um jeito legal de falar com as crianças sobre o tempo em que estamos vivendo.
Você lê seus livros para os seus filhos?
Antes, durante e depois. Eles não estão com muita paciência para ler durante, não. Antes sim, e depois quando chegaram com as ilustrações ficaram doidos. Não vão ficar lendo só o que o pai fica falando todo dia. Às vezes, o conteúdo do livro para eles é o que eu já estou falando. O sabor da novidade são as ilustrações.
Eles são seus piores críticos?
Não, tem piores. Tem uma coisa muito legal que faço com meus livros, estimulado por um editor a tempo atrás. Ele teve uma ideia de mandar meu texto para uma escola pública e outra particular, sem ilustração e sem as crianças saberem quem é o autor. Para elas dizerem o que acharam. Tenho feito isso com todos os meus textos. Mando para pessoas que não sabem que sou eu, recebo as críticas e reescrevo.
Como é o trabalho com os ilustradores?
Depende do desejo do ilustrador. Parto do princípio da liberdade, ajudo a escolher com a editora, mas dou liberdade total. Se eles me acessam por alguma demanda, eu estou disponível. A Lais Dias, ilustradora de O pulo do coelho, me chamou para jantar, e a gente jantou. Ela perguntou coisas do livro, falou um pouco dos traços que ela estava querendo criar. O Edson preferiu trabalhar tudo, e, no final, falei algumas coisas, com pouca interferência, permitindo a autoria deles. É um complemento fundamental e acrescenta muito ao texto. Tem algumas camadas que são feitas pela leitura de imagens.
Você cria seus livros pensando em imagens?
É meio inevitável, porque escrevo como se fosse roteiro de cinema. O meu jeito de pensar, às vezes, é como se escrevesse uma cena. Se você tirar do contexto do livro, você pode ver que tem descrições que parecem de filme: o ambiente, o cheiro, o lugar, as cores, o jeito de estar ali. É como a minha cabeça funciona. É o ator interferindo no trabalho do escritor.
Como a literatura se diferencia das suas outras atividades como ator, diretor, músico?
Estou passando por uma transformação nesse setor. Até ano passado eu levei o trabalho de escritor como um lugar de grande prazer, mas não como uma profissão que precisasse ter uma disciplina de cuidados outros que não fosse escrever e lançar. Agora fui convidado pelo Pascoal Soto, que virou meu agente literário. Estamos trabalhando a tradução para outros países, pensar no jeito de lançar o livro, no site, na relação com as empresas que vão vender os livros. Estou profissionalizando, porque acho que chegou a hora. Já tem uma obra aí, que são sete livros publicados e estão vindo mais dois. Adiei o lançamento deles para me estruturar melhor já com esse novo pensamento.
Que novos livros são esses?
Estou escrevendo meu primeiro livro para adolescentes, chamado Você não é invisível, já estou há quatro anos nele. Estou achando muito difícil. Mas estou aqui bravamente escrevendo. Adolescentes passam por tantas transformações, tão rápidas que fico achando o tempo todo que o livro está velho. É um desafio achar um assunto que permaneça. E tem outro livro para adultos, mais de pensamentos e reflexões, parecido com o Na minha pele [lançado em 2017 pela Companhia das Letras], mas ainda não está muito estruturado. Os dois vão ser lançados pela Companhia das Letras.
Como é escrever para perfis de leitores diferentes?
Acho que é um trabalho de inversão que faço sempre. No livro para criança, não subestimar e ser tabititati, forçar um pouco para trazer alguns temas que nem sempre estão na literatura infantil, tomando o cuidado para usar a linguagem adequada. A minha grande luta para escrever um livro para adultos é fugir do lado soturno que eu tenho para deixar um livro prazeroso também, para tocar o coração das pessoas. Trazer um pouco da ludicidade dos livros infantis para os adultos, e nos de criança trazer um pouco mais da complexidade de temas que nós adultos enfrentamos. Hoje em dia, essa busca é consciente. Antes eu fazia meio destrambelhado. Agora eu entendi o que a minha intuição diz. É uma voz que estou tentando encontrar como autor, porque já tenho uma profissão, sou ator. Para escrever, para fazer sentido, tenho que contribuir com alguma coisa, e acho que essa é a contribuição que posso trazer.
Quais livros você gostaria de ter lido quando criança?
Adoraria ter lido Amoras, do Emicida, os livros da Kiusam de Oliveira, os do Nei Lopes, as peças da Maria Clara Machado. Na minha infância eu não li muito por prazer. Tinha a Enciclopédia Barsa em casa, mas não livros de entretenimento. Quando leio livros para os meus filhos fico tão feliz. Acho que leio para mim. Como tenho esse “buraquinho” na minha infância, hoje eu me alimento muito com os livros dos meus filhos. Acho que a gente chama de literatura “infantil” para encaixar no mercado, mas, na verdade, é uma literatura para todas as idades. São livros para a família. Às vezes, fico ansioso para ler para eles à noite, mas é para mim que eu estou lendo.
Matéria publicada na edição impressa #47 em maio de 2021.
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