Fichamento,

Bruna Maia

Romance da jornalista e cartunista gaúcha expõe relacionamentos abusivos e o desencanto profissional e afetivo de uma geração

23set2022 | Edição #62

Bruna Maia realiza sua vingança literária no romance de amadurecimento Com todo o meu rancor (Rocco).

Relacionamentos abusivos inspiraram seu rancor?
Quis falar de abuso psicológico porque fiquei exausta de ver acontecer e as mulheres não perceberem, acharem que têm de perdoar. Escrevi um livro que não perdoa.

Foi uma vingança?
Elaborei a vingança durante algum tempo. Pensava: “Que vontade de me materializar na casa dessa pessoa e a enlouquecer”. A personagem tem um lado bem Medeia, sente muita raiva e resolve agir. Minha forma de agir é a ficção, porque se eu fizer na vida real o que imaginei, vou ser presa — mas vontade não falta.

No começo do livro, a protagonista também parece querer se vingar do mundo do trabalho…
Eu tinha que escolher uma profissão para a personagem e escolhi publicidade porque zoar publicitário é sempre bom, mas na verdade tem mais a ver com o desencanto da minha geração com o trabalho. A real é que a gente não ama mais nada: o trabalho se revelou algo sem sentido, e ainda pegamos aquela coisa do Tinder e de aplicativos de relacionamento, dos amores gasosos — nem líquidos são mais. As mulheres estão cansadas do trabalho não remunerado do amor — não só o prático, o emocional também. E os homens estão confusos. Todos esses processos deixaram minha geração meio cínica.

Assim como a narradora?
Totalmente. Acho que o livro é também um romance de amadurecimento, e quando a personagem começa a amadurecer ela tem que se livrar do cinismo.

É uma protagonista bastante ambígua.
A protagonista é meio má, reage em algum momento. Tem essa coisa de a sociedade ver uma vítima de relacionamento abusivo que também quebra umas coisas em casa, dá uns gritos, e por isso acha que ela mereceu. Quis deixar claro que minha personagem não era uma vítima perfeita.

Algo como Johnny Depp versus Amber Heard?
Escrevi o livro antes do julgamento, mas é um bom exemplo do que estou falando, de que você só é uma “boa vítima” de abuso quando não responde a nada.

Além de rancor, o livro também fala de desejo?
Bastante. Acho que a camada principal do livro é essa descoberta do que se deseja. Mas você está perguntando de desejo sexual ou desejo em geral?

Ambos. E a parte erótica, como foi escrever?
Para mim, inserir sexo na narrativa é algo natural: as pessoas fazem bastante, acontece. Saiu há pouco tempo uma reportagem dizendo que a geração Z não transa mais. Mentira. Essa geração está questionando uma série de coisas sobre sexualidade, gênero, mas continua transando tanto quanto a anterior. Mas meu objetivo no livro não foi fazer literatura erótica. O sexo está ali, mais para entender os relacionamentos da personagem. 

O sabor da vingança foi doce?
Foi uma boa vingança e poderia ser ainda melhor. O processo de escrever e fazer as ilustrações foi redentor. É muito bom você colocar todo esse rancor para fora.

Você considera o livro uma espécie de autoficção?
Gostaria, mas não é. Tem coisas pelas quais eu e as minhas amigas passamos e outras completamente inventadas. A parte que eu escrevo sobre depressão e vazio é totalmente a minha experiência. O mais difícil de escrever é encontrar a voz da personagem, e a da protagonista deste livro se parece com a minha — embora ela seja muito mais intensa do que eu.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Matéria publicada na edição impressa #62 em julho de 2022.