Coluna

Jefferson Barbosa

Refazenda

Baixadas, quilombos e minas da cena hip-hop

20set2024 • Atualizado em: 24set2024

Novo colunista na área

Quando recebi o convite para editar este espaço na Quatro Cinco Um, com a missão mobilizadora de criar um radar para compartilhar ideias, nomes e principalmente histórias de lugares que geralmente ficam de fora das conversas do meio cultural no eixo Rio-São Paulo, por questões que vamos ter tempo para aprofundar, fiquei animado que só.

Obra de Lucas Finonho da série “Imagem e semelhança”(Wesley Sabino/Divulgação)

Me lembrou da lógica de um agricultor que ganha um pedaço de terra para cultivar, escolhendo as sementes, arando a terra, e sacando o que faz sentido plantar em cada momento, época, atento aos sinais do tempo. A gente vai buscar essa conversa pelo caminho da arte, que toma as ruas e terreiros das periferias, e do que está sendo e do que precisa ser visto, ouvido, sentido. 

Quando veio a questão de como batizar a coluna, me lembrei da referência que o Paulo Roberto Pires, também colunista da Quatro Cinco Um e editor da revista serrote, compartilhou — a “Geléia Geral”, do Torquato Neto; daí veio o trilho que deu na “Refazenda”, de Gilberto Gil. Para mim, é como se ele construísse um mosaico, mas respeitando o tempo e a ordem da natureza, no doce e no azedo.

Por isso, Refazenda: do que está sendo inventado, reinventado, descoberto e que alimenta a gente. Bora à colheita!

PERFIL • Joelington Rios

O que sustenta o Rio, Iansã (2018), de Joelington Rios. Processo de sustentação e a espiritualidade. Fotomontagem (Reprodução)

Joelington Rios é um artista maranhense que realiza fotomontagens, fotografias e outras práticas artísticas como instalação, escultura e videoarte. Ele busca amplificar suas imagens com o uso de carvão, cores avermelhadas que remetem ao guará, cores azuladas e, principalmente, a intuição. 

O fotógrafo nasceu no quilombo Jamary dos Pretos, em Turiaçu, no estado do Maranhão, e atualmente mora e trabalha na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde desenvolve pesquisas no campo das artes visuais. Em suas séries, busca revelar a dignidade através de retratos de pessoas negras. No ano passado, Rios integrou a Bienal das Amazônias e, em maio último, participou do programa de residência Sertão Negro. Ainda neste ano, uma de suas obras fez parte da exposição Rio: desejo de uma cidade na Casa Roberto Marinho, no Rio de Janeiro.

PASSEIO • Imagem e Semelhança

Sebastião (2024), de Lucas Finonho. Impressão sobre tecido e bloco de brita (Wesley Sabino/Divulgação)

Uma das grandes promessas do circuito carioca de arte, o artista plástico Lucas Finonho vem da Baixada Fluminense, de onde traz reflexões sobre as constantes fragmentações e reconstruções que enfrenta sendo um jovem preto e gay de periferia. Na sua primeira exposição individual, Imagem e Semelhança, no Museu de Arte do Rio, o artista remonta sua história familiar e as experiências vivenciadas no seu cotidiano.

Com curadoria de Mélanie Mozzer e Osmar Paulino, o projeto começou a ser gestado em julho de 2023 e é composto por doze obras inéditas. Cada tela convida olhar para as relações cotidianas com sensibilidade, e a pintura não é apenas um meio de expressão visual, mas um diálogo entre a suavidade dos traços e a aspereza das texturas de brita. Segundo o texto curatorial, a inserção da pedra brita em suas obras, com sua natureza fragmentada, oferece uma metáfora visual potente para as complexidades da experiência humana e do nosso tempo. Museu de Arte do Rio até 3 de novembro

ENTREVISTA • Nic Diass, o rap do Pará

A rapper paraense Nic Diass (AUR/Divulgação)

Um dos destaques do último festival Se Rasgum em Belém, Nic Dias é uma das principais vozes na cena do rap surgida nos últimos anos. Prova disso é o reconhecimento que seu primeiro álbum, Bad Bitch, recebeu da plataforma Natura Musical em 2023 e o fato de ela estar se apresentando em grandes festivais nas cinco regiões do país, inclusive no último Rock in Rio. Nic Dias tem a mãe, Dona Roze, como sua maior referência e vem se consolidando como porta-voz da cultura da Amazônia, ao lado de Dona Onete, Gaby Amarantos e tantas outras.

O que só pode ser encontrado no rap do Pará?
Coragem para criar caminhos, abrir caminhos que só a gente consegue aqui. É ter força mesmo em meio ao caos que é viver na Amazônia, mas também ter coragem para seguir. 

Como tem sido a recepção do seu novo álbum Bad Bitch (Relikia)?
Tem sido ótimo ver como ele repercute, ainda mais sendo uma artista independente. É gratificante a forma como acontece de maneira orgânica. Ver como mulheres, pessoas da quebrada se reconhecem através desse meu primeiro álbum.

Quais são as principais referências de quem é criado em Icoaraci, bairro em que você vive, em Belém?
Tudo que eu vejo aqui, onde sou criada, é uma digna relíquia, algo raro, que não se encontra em qualquer lugar. Na música Relikia de Icoaracity a protagonista sou eu, algo raro e difícil de encontrar. 

LISTÃO: MC MARTINA

A coletânea Nunca foi sorte, sempre foi poesia conta o cotidiano da poeta slammer MC Martina no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, sua trajetória e, principalmente, o que sentiu quando se olhou e conversou consigo mesma com cuidado pela primeira vez. Nome sempre presente na cena dos campeonatos nacionais de poesia, MC Martina criou o Slam Laje, evento que acontece no Complexo do Alemão e mobiliza principalmente crianças e adolescentes com o objetivo de cultivar uma nova geração de leitores e poetas. Lançado pela Editora Slam Laje, o livro pode ser adquirido on-line ou no Instagram mcmartina_.

Trecho do poema “Carta 7”

Eu vim da base
Não passo base
Mas faço trabalho de base
Pros menó não ir pro Degase
Nem glamurizo a nossa dor pra construir a minha imagem

Pode parecer miragem
Então anota o que eu digo
Mesmo sem teu incentivo
Ainda vou lançar meu livro


Mais pra ficar ligado

CREPOM

Quem estiver por São Paulo nas próximas semanas pode visitar a exposição Crepom, de Mano Penalva, na Casa de Cultura do Parque. O artista evoca a avó que ensinava a fazer flores com o papel tão comum na sala de aula, numa instalação que questiona a estrutura do professor autoritário. “Uma educação pela pedra, ou pelas flores, pode significar uma bem-vinda contaminação cultural”, afirma a curadora Mariana Leme em texto que acompanha a mostra. Casa de Cultura do Parque até 13 de outubro

Línguas africanas que fazem o Brasil

Com curadoria do músico e filósofo Tiganá Santana, que lançou recentemente o álbum Caçada Noturna, a mostra apresenta as presenças africanas que integram a nossa língua. Seja na entonação, no vocabulário, na pronúncia ou na forma de construir o pensamento, línguas como o iorubá, eve-fom e as do grupo bantu têm uma importância decisiva na configuração do português falado no Brasil. Na exposição, há também trabalhos visuais de J. Cunha, Aline Motta e Rebeca Carapiá. Museu da Língua Portuguesa até janeiro de 2025

Fritness

Para ler com os ouvidos: recomendamos um apanhado mensal de percepções e análises aguçadas sobre culturas musicais e produções sonoras. Na newsletter sobre música e som em geral, Vivian Caccuri discorre sobre assuntos que vão desde a descolonização do techno, passando pela ideia de assombrologia dentro do contexto da arte sonora, até a estranha associação entre mulheres brancas e soundsystems. Além de artista, Caccuri é musicóloga e mestre em estudos do som musical pela UFRJ. A inscrição na newsletter é gratuita.

Editoria com apoio da Casa de Cultura do Parque

Em 2024, a Quatro Cinco Um estreia a editoria de cultura contemporânea, com com apoio da Casa da Cultura do Parque

Quem escreveu esse texto

Jefferson Barbosa

Jornalista, membro da Coalizão Negra por Direitos, Global Fellow da Fundação Ford, foi fundador dos coletivos PerifaConnection e Voz da Baixada e autor de A Mãe do mundo: vida e lutas de Mãe Beata de Yemanjá (Malê, 2023).