Listão da Semana,

‘Como remover um presidente’ e mais 8 lançamentos

Livros da semana incluem diários dos irmãos Goncourt, três novelas de Daniel Galera e os escritos políticos de Frantz Fanon

16jun2021 | Edição #46

Em tempos de escalada do autoritarismo, é difícil não recordar o clássico 1984, de George Orwell. Tirania, perseguição, vigilância, fake news, está tudo lá. A história de como o livro foi criado e sua intensa repercussão são contadas no lançamento Ministério da verdade, de Dorian Lynskey. Para democracias em risco, é bom lembrar, há sempre o impeachment como possibilidade. É dele que fala Rafael Mafei em Como remover um presidente, que também chega às livrarias nesta semana — mais uma em que os mais de cem pedidos de impedimento do nosso governante permanecem ignorados pela Câmara.

Completam a seleção os diários dos irmãos Goncourt, três novelas de Daniel Galera, os escritos políticos de Frantz Fanon, a história dos povos árabes, o racismo segundo Emmanuel Acho, visões sobre feminismos dissidentes e uma história infantojuvenil sobre ancestralidade e amor próprio.

Viva o livro brasileiro!

Ministério da verdade: uma biografia de 1984, o romance de George Orwell. Dorian Lynskey.
Trad. Claudio Alves Marconde • Companhia das Letras • 490 pp. • R$ 89,90

O crítico britânico analisa a criação e a repercussão da obra-prima de Orwell. Publicada originalmente em 1949, vendeu milhões de exemplares, foi adaptada para o cinema, a televisão, o rádio, o teatro, a ópera e o balé e alcançou onipresença cultural como poucas obras literárias na história. Lynskey aborda os autores que Orwell lia, entre eles H. G. Wells, Ievguêni e Zamiátin; as personalidades que inspirou, como Winston Churchill, Hannah Arendt, David Bowie, Steve Jobs e Margaret Atwood; e os acontecimentos que moldaram sua visão de mundo, como a participação na Guerra Civil Espanhola — na qual tomou consciência pela primeira vez “das formas pelas quais a conveniência política corrompe a integridade moral, a linguagem e a própria verdade”. Apresentador do podcast Remainiacs, Lynskey é também autor de 33 Revolutions Per Minute: a History of Protest Songs, from Billie Holiday to Green Day (33 revoluções por minuto: uma história das canções de protesto, de Billie Holiday a Green Day, 2011).

Trecho do livro:1984 não só vendeu dezenas de milhões de exemplares, mas se infiltrou na consciência de incontáveis pessoas que nunca o leram. As frases e os conceitos cunhados por Orwell se tornaram elementos essenciais do discurso político, ainda potentes após décadas de uso e equívocos: Novafala, Grande Irmão, Polícia das Ideias, Quarto 101, Dois Minutos de Ódio, duplipensamento, despessoa, buraco da memória, teletela, 2 + 2 = 5, e o Ministério da Verdade”.

Leia também: A autora sueca que antecipou em quase uma década o mundo distópico de Orwell; a adaptação gráfica de A revolução dos bichos e por que 1984 continua atual.

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Como remover um presidente: teoria, história e prática do impeachment no Brasil. Rafael Mafei.
Zahar/Grupo Companhia das Letras • 450 pp. • R$ 64,90

Professor da Faculdade de Direito da USP e cofundador do Laut — Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo, Rafael Mafei reconstitui o surgimento do impeachment na legislação inglesa da Idade Média, sua adaptação para o presidencialismo norte-americano em 1787, sua introdução no direito brasileiro na Constituição de 1891, as iniciativas que não prosperaram (Getúlio Vargas, Itamar Franco, FHC, Lula) e as deposições de Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016). No epílogo, ele discute os fundamentos para o impeachment de Jair Bolsonaro.

Trecho do livro: “Em geral, e não apenas no Brasil, o grande debate nos processos de impeachment é saber se a conduta do acusado configura ou não crime de responsabilidade. […] Com Bolsonaro a conversa é diferente. Mais do que qualquer dúvida jurídica ou de procedimento, a perplexidade que nos assola é outra: como um presidente que agride a Constituição tão abertamente sobrevive sem que a Câmara tenha nem sequer analisado uma das mais de cem denúncias já apresentadas contra ele? Este enigma nos convida a investigar se há algum vício elementar em nosso desenho institucional do impeachment, ou se estamos diante de um gênio da delinquência constitucional que encontrou a fórmula perfeita para a prática de crimes de responsabilidade”.

Leia também: Rafael Mafei escreve na Quatro Cinco Um sobre o primeiro ano do governo Bolsonaro, as empreitadas autoritárias do direito brasileiro e a história do coronelismo.

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Diário: memórias da vida literária. Edmond & Jules de Goncourt.
Trad e intr. Jorge Bastos • Carambaia • 432 pp. • R$ 121,90

Entre 1860 e 1896, os irmãos e escritores naturalistas Edmond e Jules de Goncourt (que deram origem à Academia Goncourt, responsável pelo prêmio literário mais importante da França) mantiveram diários que foram posteriormente publicados em nove volumes, com 4.500 páginas no total. A seleção de Jorge Bastos traz os bastidores da vida cultural e social do país em uma das épocas mais férteis da história da literatura, com destaque para inúmeras anotações sobre escritores como Flaubert, Zola, Dumas, Baudelaire e Victor Hugo e artistas plásticos como Rodin, Manet, Degas e Delacroix. Os registros acompanham também acontecimentos históricos como a Guerra Franco-Prussiana e as Exposições Universais.

Trecho do livro: “Estou inclinado a crer que a loucura não ataca as personalidades fortes, os grandes talentos. Pode às vezes ter efeito sobre um Baudelaire, um burguês que se atormentou a vida inteira querendo parecer louco. Aplicou-se tanto que morreu idiota. Foi o preço pago” (15 de dezembro de 1868).

Leia também: Como os diários de KafkaJung e Ricardo Piglia revelam visões única de suas obras.

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Escritos políticos. Frantz Fanon.
Trad. Monica Stahel • Pref. Deivison Mendes Faustino • Intr. Jean Khalfa • Boitempo • 160 pp. • R$ 49,90

A coletânea reúne os textos políticos do autor de Pele negra, máscaras brancas (1952) e Os condenados da Terra (1961), duas obras que impulsionaram a emergência do chamado pensamento pós-colonial. Escritos entre 1957 a 1961, ano de sua morte, os artigos desenvolvem temas de suas obras mais famosas, com foco na análise da luta pela libertação da Argélia, na crise do imperialismo europeu e na emergência política dos países subdesenvolvidos. Fanon discute fantasmas que ainda hoje nos assombram, como a dificuldade das esquerdas para entender a relação entre capitalismo, colonialismo e racismo e as diversas manifestações de colonialidade do ser, do saber e do poder.

Leia também:antirracismo na prática clínica de Fanon e sua influência na luta antimanicomial no Brasil.

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O deus das avencas: três novelas. Daniel Galera.
Companhia das Letras • 248 pp. • R$ 54,90

O escritor paulista, autor de Mãos de cavalo (2006) e Barba ensopada de sangue (2012), apresenta três novelas sobre expectativas, perdas e reconstrução. Na história que dá título ao livro, ele narra as preocupações de um casal que espera o nascimento do primeiro filho frente ao avanço da barbárie no país. “Tóquio” descreve o sobrevivente de um desastre ambiental que habita um imenso apartamento na capital paulista, convertido em fazenda de aquaponia, e se vê obrigado a enfrentar os problemas do passado. Já “Bugônia” fala de uma comunidade pós-apocalíptica de 39 pessoas em sintonia com a natureza, mas dividida por conflitos e sob ameaças externas.

Leia também: Daniel Galera escreve na Quatro Cinco Um sobre Ian McEwannatação olímpica e games violentos.

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Os árabes: uma história. Eugene Rogan.
Trad. Marlene Suan • Zahar/Grupo Companhia das Letras • 792 pp. • R$ 139,90

A história dos povos árabes do século 16 até o presente é narrada pelo historiador e professor da Universidade de Oxford. Ele descreve a expansão e a crise do Império Otomano, as conquistas do Reino Unido e da França no Oriente Médio, a criação do Estado de Israel e a questão palestina, a ascensão e o declínio do nacionalismo árabe, a riqueza dos Estados petrolíferos e os povos árabes no século 21. Para o autor, o povo árabe é ligado por uma identidade comum baseada na língua e na história, mas o que o torna fascinante é sua diversidade: “são ao mesmo tempo um povo e muitos povos”.

Leia também: Na última década, o Brasil tem se aproximado do mundo árabe: nunca se traduziu tanta literatura árabe para o português.

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Conversas desconfortáveis com um homem negro. Emmanuel Acho.
Trad. Marina Vargas • LeYa Brasil • 240 pp. • R$ 39,00

Ex-jogador de futebol norte-americano, hoje comentarista da Fox Sport, Emmanuel Acho cria um “espaço seguro” para discutir os privilégios brancos, a questão da apropriação cultural, o chamado racismo reverso e as formas de combater o racismo, além de responder a perguntas como: “Como eu posso ser privilegiado se sou pobre?” e “Se estatisticamente pessoas negras cometem mais crimes, por que fazer um perfil racial é errado?”. O livro partiu de uma websérie que Acho fez em seu canal no YouTube e que alcançou mais de 17 milhões de visualizações.

Leia também: Claudia Rankine mistura gêneros literários para descrever entrincheiramento vivido por negros nos Estados Unidos.

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Feminismos dissidentes: perspectivas interseccionais. Henrique Marques Samyn & Lina Arao (org.).
Jandaíra • 240 pp. • R$ 59,90

Catorze artigos de representantes das correntes não hegemônicas do feminismo contemporâneo apresentam as opressões vivenciadas pelas mulheres negras, asiáticas, romani e amazônicas. Os textos discutem os problemas e as lutas dos grupos “invisíveis” (mães pobres, mulheres gordas, trabalhadoras sexuais, praticantes de BDSM), vocaliza as demandas de lésbicas, travestis e transexuais e traz questionamentos formulados por pesquisadoras brancas sobre o lugar de sua própria branquitude nos movimentos feministas.

Leia também: Silvia Federici, Patricia Hill Collins e Sirma Bilge mostram a importância de discutir gênero para a luta política.

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Com qual penteado eu vou? Kiusam de Oliveira.
Ils. Rodrigo Andrade • Pref. Renato Noguera • Orelha de Taís Araújo • Melhoramentos • 48 pp. • R$ 49

A professora e autora de obras infantojuvenis sobre racismo e direitos humanos conta em seu novo livro a história dos cem anos de Benedito, cuja família decide fazer uma grande festa. Como suas bisnetas não têm dinheiro, decidem homenageá-lo com seus penteados, cada um simbolizando uma virtude humana.
 


Ilustrações de Rodrigo Andrade
 

Trecho da orelha, por Taís Araújo: “Poderia ser um livro sobre penteados e formas de usar cabelos crespos, e só por isso já valeria ler, já que cabelo e a forma como os nossos são vistos na sociedade são fontes de muitas questões e dores; mas vai além disso, muito além! Fala de ancestralidade, de família, de respeito e de valorização dos mais velhos, respeito e valorização das diferenças, da importância da humanização e das qualidades de cada indivíduo, e o que eu achei mais lindo de tudo: o melhor que podemos dar ao outro é o melhor que temos em nós”.

Leia também: Como Kiusam resgata a autoestima das crianças negras e uma resenha da autora sobre o livro de Lupita Nyong’o.

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Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Mauricio Puls

É autor de Arquitetura e filosofia (Annablume) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva), e editor-assistente da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #46 em junho de 2021.