Música, Rebentos,
Rap e poesia em todo lugar
Lançamentos convidam adultos e crianças a saírem do modo automático, colocarem o pé no chão e batucarem ao ritmo da vida
01out2024 • Atualizado em: 30set2024 | Edição #86 outNa música rap, embora o elemento da poesia seja muito forte, o mesmo vale para o elemento da bateria, a implicação da dança. Sem a batida, seu valor comercial certamente seria mais tênue.
Archie Shepp
Todo amante de rap sabe que esse gênero musical, com sua cadência rítmica e rimas elaboradas, é uma poderosa porta de entrada para o mundo da poesia. Ele introduz conceitos poéticos como métrica, rima e aliteração de forma prática e envolvente. Sua linguagem direta e, muitas vezes, coloquial, combinada com uma musicalidade contagiante, torna a poesia mais acessível e relevante para o público contemporâneo.
Em Parece rap, Caio Zerbini e Bruna Lubambo apresentam uma história divertida e rítmica, cheia de palíndromos e amizade, que vai e volta como o refrão de uma música chiclete. A narrativa acompanha Nina e Didi, dois amigos que descobrem o encanto dos palíndromos — essas frases mágicas que podem ser lidas de frente para trás e vice-versa, como “A Nair ama a Mariana”. Em tempos de redes sociais, dominar figuras de linguagem é uma habilidade valiosa, e quando Didi solta seu primeiro palíndromo, “Êta, parece rap, até!”, é fácil imaginar o som de um boom bap saindo das pickups do dj kl Jay, já que o livro segue na linha das rimas rápidas e flows afiados, dignos de batalhas de mcs como o Duelo de mcs ou a Batalha das Guria.
Tal como no rap, a música não reside apenas nas palavras, mas em cada gesto e som que produzimos
E, vamos combinar, palíndromos já têm um toque de humor por natureza. “No cabelo cole bacon”, brinca Nina, quando o X-Tudo de João parece desafiar a gravidade. É o tipo de piada nonsense que caberia facilmente em um esquete do Porta dos Fundos. Bruna Lubambo, com suas ilustrações vibrantes e dinâmicas, brinca com o espaço da página como se estivesse numa pista de dança, o que torna a leitura ainda mais envolvente. Cada página é uma verdadeira festa visual, onde palavras e imagens se sincronizam numa coreografia pronta para ganhar vida nas telas de cinema — Oi, Juliana Vicente!
Este livro é um convite para ver a linguagem como uma ferramenta de criação e diversão e, se o leitor gostou de AmarElo: é tudo pra ontem de Emicida ou acha que o fenômeno do YouTube “Lo-fi Hip Hop Radio” é o som ideal para suas horas de estudo, vai adorar mergulhar neste universo em família. Parece rap transforma as palavras em brincadeira e mostra que a poesia está em todo lugar, basta prestar atenção.
Coração pulsante
Já que falamos sobre o universo ao nosso redor, voltemos à perspicaz observação do lendário saxofonista Archie Shepp, pois ela capta a essência do segundo livro que lhes trago, Barbatuques: músicas, jogos, brincadeiras. Assim como no rap, a batida é o coração pulsante da criação musical. A conexão entre ritmo, movimento e expressão é intrínseca à música corporal. E, tal como no rap, onde dança e ritmo se fundem para criar algo maior que a soma de suas partes, esta obra mostra que a música não reside apenas nas palavras, mas em cada gesto e som que produzimos.
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Seu corpo é um templo — já ouvimos esta frase tantas vezes, seja do padre, do professor de yoga ou daquele amigo zen. Mas o que os autores André Hosoi, Charles Raszl, Fernando Barba, Flávia Maia, Giba Alves, João Simão, Luciana Cestari, Maurício Maas e a ilustradora Ana Starling propõem aqui é algo mais divertido: transformar seu corpo numa verdadeira escola de samba. Ok, talvez uma escola de samba seja um exagero, mas este livro não é só um manual de sons — é quase uma rave de movimentos! A cada página, o leitor é chamado a transformar peito, pernas e até bochechas em instrumentos musicais dignos de uma batucada do Olodum. Bate palmas, estala os dedos, faz “poc-poc” com a boca e, de repente, já se sente parte de uma banda capaz de agitar até o mítico Beco do Rato, sem perder o ritmo.
O que faz este livro tão especial é que ele é um playground sonoro para todas as idades. O Barbatuques nos lembra que a música está no corpo e que, com um pouco de imaginação, podemos criar harmonias do mesmo jeito que Adriana Calcanhotto faz com seu violão. Só que aqui, em vez de cordas e acordes, usamos nossas coxas e barrigas e aprendemos a tocar o “O sapo não lava o pé” no estilo baião que nem o Dominguinhos botaria defeito.
A beleza desta obra está na sua simplicidade e profundidade. Com qr codes que levam a conteúdos complementares, convidando, como dizemos em Angola, dikotas e candengues a saírem do modo automático, colocarem o pé no chão e batucarem ao ritmo da vida.
Matéria publicada na edição impressa #86 out em outubro de 2024. Com o título “Rap e poesia em todo lugar”
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