Infantojuvenil,

Os caminhos da imaginação

Um menino curioso descobre que existe uma luz nas estradas que não levam a lugar algum

09nov2018 | Edição #3 jul.2017

Gianni Rodari (1920-1980) acreditava no homem completo, aquele que, além de cumprir suas tarefas produtivas, também exerce o poder criativo da imaginação. Tinha uma disposição especial com as crianças: dava-lhes papel protagonista na percepção criativa das histórias infantis, na capacidade de expandir a fantasia e criar seus próprios universos (em Histórias para Brincar oferece três finais diferentes para cada história).

Discutia abertamente o peso dado pelas escolas aos atributos da memória e da atenção, extremamente limitadores a seu ver. Para Rodari, as fábulas, assim como todos os produtos da fantasia, ajudam a mudar o mundo, mesmo que na aparência não sirvam para nada. E não havia ingenuidade nessa sua crença: era um militante, punha em prática suas ideias.

Comunista de carteirinha, veio de uma família de padeiros. Durante a Segunda Guerra participou da Resistência e, depois, foi pioneiro na criação de um semanário para crianças. Seus livros despertaram a atenção de pais e pedagogos, e viraram sucesso entre as pequenas e pequenos, que se viam incluídos numa leitura ativa. Em 1970, recebeu o principal prêmio da literatura infantil, o Andersen.

A estrada que não levava a lugar algum, extraído do clássico Fábulas ao telefone, de 1962, não traz histórias de esforço coletivo, como é comum em seus mais de 50 contos e novelas. Mas guardam o sentido de solidariedade e preocupação com a comunidade. Nosso herói é um menino que cresce num pequeno vilarejo do qual partem três estradas: uma que leva ao mar, outra à cidade e a terceira a lugar algum. Intrigado, desconfia que esse “lugar algum” é, ainda assim, um lugar, e que só o medo do desconhecido impede os moradores de se aventurarem por essa estrada. Quando já pode “atravessar a rua sem dar a mão ao avô”, decide seguir pelo caminho desaconselhado.

A curiosidade age a seu favor, mesmo que a estrada pareça inóspita, com os ramos das árvores selvagens se fechando sobre sua cabeça. Quando começa a desanimar, surge um cachorro, que o guia até um castelo. Lá, o Martim Cabeçadura, como era chamado na aldeia, por sua teimosia em acreditar que há luz no fim daquela estrada, é recebido por uma bela senhora, que o convida a conhecer as maravilhas do lugar e o presenteia com quantos tesouros conseguisse carregar. Ao voltar para casa, distribui as joias para todos, “amigos e inimigos”, e inadvertidamente abre a porteira da ambição. As inúmeras expedições que se seguem são, porém, infrutíferas. Todos esbarram num muro intransponível. Deixam que a ganância atropele a fantasia. Não entenderam que a imaginação só constrói novos mundos se não estiver a serviço de fins egoístas — ela é o próprio caminho, não importando se o ponto de chegada será proveitoso.

Tudo é contado em frases breves e suficientes. O jovem leitor, ou ouvinte da leitura, tem uma enorme planície para explorar por si mesmo. As ilustrações de Sandra Jávera formam um par harmônico com o texto, mesclando traços precisos a um fundo onírico, de poucas cores, utilizadas porém com máximo efeito.

Quem escreveu esse texto

Daniel de Mesquita Benevides

É jornalista e tradutor.

Matéria publicada na edição impressa #3 jul.2017 em junho de 2018.