Infantojuvenil,

Cheios de segredos

Contos revelam histórias do universo africano presentes no imaginário brasileiro

01out2019 | Edição #27 out.2019

Os livros de Edimilson de Almeida Pereira oferecem ao leitor um contato intenso, profundo e poético com aspectos essenciais da cultura afro-brasileira. Elementos e práticas que constituem o nosso imaginário sem que, muitas vezes, tenhamos a chance de percebê-los são abordados em narrativas envolventes, com poderosas imagens e metáforas. A memória, a oralidade e as festas são alguns dos temas que aparecem com força na produção desse autor, cujos livros contam sempre com belíssimas ilustrações que ampliam ainda mais a experiência estética do leitor. As três narrativas aqui apresentadas têm crianças como protagonistas e elas sempre estão em diálogos com pessoas mais velhas. Esse elemento pode ser também entendido como característica das obras que se destinam especialmente às crianças, mas certamente serão muito bem recebidas por leitores de todas as idades. 

Os comedores de palavras é um conto ilustrado por Rosa Margarida Rocha, publicado pela Mazza Edições. Nele, conduzido pelo narrador, o leitor conhece a saga de um menino cujo pai andava pelo mundo, contando histórias ao mesmo tempo que tocava o seu tambor. Um dia, o homem é levado pelo Monstro Engolidor de Gentes e o filho, que sempre o acompanhava em suas viagens, entristece-se pela partida do pai e por não ter aprendido a contar histórias e tocar o tambor. Envergonhado por não poder dar continuidade ao legado do pai, o menino decide ir embora de seu país. 

Começa, assim, uma longa e solitária caminhada, sem que o menino saiba como chegar ao seu destino. Ele leva consigo o tambor que fora do pai. Ao longo da viagem, encontra diversos personagens; para cada um deles pede uma informação e conta seu drama: o pai fora engolido pelo Monstro, o tambor ficara silencioso. Então, ele decidira ir embora para o País dos Bichos Comedores de Palavras. Assim que ouve a história, cada personagem indica um outro ao menino, que continua seu caminho, sempre repetindo sua narrativa.

Finalmente, ele chega a um lugar muito frio e é recebido pelos bichos comedores de palavras, que, depois de longo tempo ouvindo o que o menino tinha a contar, decidem que o garoto não pode entrar naquele país. Cansado e com a sensação de que não havia lugar para ele no mundo, o menino encontra uma última personagem que o levará a fazer  uma descoberta que mudará sua vida. 

Congado

Já em Os reizinhos de Congo, ilustrado por Maria da Graça Muniz Lima, o leitor é apresentado a duas histórias que falam sobre como as experiências vividas por nossos antepassados africanos atravessaram o oceano e foram reinventadas em terras brasileiras. Esse encontro entre passado-presente-futuro se encena, é reelaborado e atualizado também nas festas que acontecem todos os anos em vários lugares do nosso país. 

Em “Reizinho do Congo”, um menino, junto com seus pais e com todas as pessoas da comunidade, descobre o que é ser um rei-menino do Congado e como celebrar ancestrais de origem africana e também santos católicos.  Na segunda história, “Rainha-menina”, o leitor conhece os rituais que preparam uma menina para o dia do Congado. Construindo belíssimas imagens, o narrador revela como essa experiência é passada de uma geração para outra, por meio da convivência, dos gestos e das histórias que permeiam o cotidiano das famílias que participam das festas. 

Ao longo da narrativa, o leitor conhece mitos de origem africana ou afro-brasileira e descobre que nossa cultura é cheia de segredos e que quanto mais conhecermos essas histórias ainda escondidas, mais entenderemos o nosso passado. Também nesse livro, as lindas ilustrações expandem o prazer da leitura, a potência e a poeticidade dos textos.

Um dos fios que aproximam os três contos é a importância das histórias contadas de uma geração para outra, de formas diferentes. A forte presença da sonoridade e da musicalidade coloca o leitor em contato com elementos essenciais de nossas matrizes africanas, nos convidando para a leitura e a poesia dos universos africano e afro-brasileiro.

Este texto foi realizado com o apoio do Itaú Social

Quem escreveu esse texto

Neide Almeida

Socióloga, educadora e produtora cultural, escreveu Nós: 20 poemas e uma oferenda (Ciclo Contínuo).

Matéria publicada na edição impressa #27 out.2019 em setembro de 2019.