Repertório 451 MHz,
Simplesmente escritor
O escritor Jeferson Tenório fala sobre seu novo livro, De onde eles vêm, e sobre sua formação acadêmica e literária
08nov2024Ouça mais Episódios
Está no ar o 451 MHz, o podcast da revista dos livros. Neste 123º episódio o convidado é o escritor e professor Jeferson Tenório. Vencedor do Jabuti em 2020 com O avesso da pele (Companhia das Letras), ele acaba de lançar seu novo romance: De onde eles vêm, publicado pela mesma editora.
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Na conversa, ele conta como foi ter feito parte da primeira geração de estudantes cotistas na universidade, tema do novo livro, de sua formação acadêmica e como leitor, e dos bastidores do seu processo de escrita e edição. O episódio foi realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura.
De onde eles vêm é o quarto romance de Tenório. Ele também publicou O beijo na parede (Sulina, 2013), Estela sem Deus (Companhia das Letras, 2022) e o premiado O avesso da pele (Companhia das Letras, 2020) vencedor do Prêmio Jabuti daquele ano de melhor romance.
De onde eles vêm foi resenhado pelo também escritor e professor Alex Castro na edição de novembro da Quatro Cinco Um que está nas bancas.
Uma nova geração
De onde eles vêm tem como pano de fundo o ingresso dos primeiros alunos cotistas na universidade brasileira, realidade que o escritor conhece bem.
Após o lançamento de O avesso da pele, Tenório diz ter começado a se dedicar a contar essa nova história, buscando entender e transmitir as vivências desses estudantes — que, como ele, integram a geração dos primeiros cotistas negros.
“No meu tempo, não havia apoio e acolhimento. Era um momento difícil para quem entrava pelo sistema de cotas”, relembra. “Hoje, o cenário é completamente diferente: uma universidade mais diversa, a cor dela mudou, uma bibliografia diferente — o que não significa que não tenhamos problemas de permanência desses alunos, mas houve de fato uma mudança bastante significativa.”
De acordo com o Censo de 2022, 55.371 pessoas ingressaram em universidades e institutos federais pelo critério étnico-racial naquele ano. O número de estudantes da educação superior federal contemplados por ações afirmativas aumentou 167% em dez anos.
Vida e obra
“Fui me entender como escritor tendo já saído da universidade”, diz Tenório ao falar sobre o empréstimo de sua biografia para compor a vida de Joaquim, personagem principal do livro.
“Ao mesmo tempo que há o empréstimo, Joaquim é também o personagem que em certa medida eu gostaria de ter sido e não fui: um bom leitor já no início da universidade, alguém que jovem já sabe que quer ser poeta, que persegue algum tipo de sonho.”
Em três anos de escritas, reescritas e edição, o escritor conta ter procurado narrar uma revolução silenciosa, da travessia desses corpos estranhos para uma universidade de estrutura branca.
É essa a jornada que interessa ao romance, afirma. Diferente de Marrom e amarelo, de Paulo Scott (Alfaguara, 2022), Tenório não discute o processo seletivo, e indica o romance de seu conterrâneo gaúcho para quem quiser ler mais sobre o assunto. “Um livro importante e corajoso sobre colorismo”, descreve.
Escrever para si e para os outros
“Eu escrevo para aquele adolescente dos anos 90, um jovem que não queria saber de livros e não gostava de literatura”, conta Tenório ao relembrar da sua juventude.
O romancista lembra o primeiro contato com a obra de Rubem Fonseca, que o fez mudar de opinião: “Uma literatura super fluida, moderna, violenta e erótica — o assombro de ter descoberto que a literatura poderia também ser assim”.
Rememorando os anos que passou na sala de aula como professor de literatura e português, ele afirma que escreve para capturar e formar leitores. “Como escritor, luto pela formação de bons leitores, foi o que eu fiz a minha vida toda como professor. Para que a gente como país tenha uma boa crítica, um bom sistema literário.”
Literatura negra
Tenório também comenta sobre as celebrações do Novembro Negro no Brasil, mês em que é comemorado o Dia da Consciência Negra. “Quando chega novembro, a agenda de intelectuais e autores negros fica lotada”, diz o autor, ao afirmar que os pensadores negros deveriam ser lembrados não apenas nesse mês, mas no ano todo.
Ao mesmo tempo, Tenório diz não ser contrário a uma classificação que englobe a literatura de autores e autoras negras, desde que não os limite. “No Brasil, há uma questão histórica. É importante que haja uma classificação, que haja um novembro negro, que traga autores negros”, diz. “Mas sem reduzir esses autores e essas obras a uma temática. É isso que é difícil de compreender. Dar a classificação de literatura negra, mas tratá-la também como universal.”
Mais na Quatro Cinco Um
Esta não é a primeira participação de Jeferson Tenório no 451 MHz. Junto com o escritor paraense Airton de Souza, ele foi convidado do 108º episódio do podcast, “Em defesa do livro”, que tratou do triste episódio de tentativa de censura a romances brasileiros, entre os quais estava O avesso da pele.
Seu novo romance, De onde eles vêm, foi resenhado na edição de novembro de 2024 da Quatro Cinco Um, que traz um especial sobre literatura negra. “Depois de escrever aquele que é, convenhamos, um dos grandes romances brasileiros sobre racismo, Tenório dá um passo atrás, amplia seu leque temático e, sem abrir mão de continuar expondo nossas feridas raciais, também mostra que não são as únicas que temos”, diz a resenha de Alex Castro.
Já em 2020, O avesso da pele foi resenhado por Luciana Araujo Marques, logo após sua publicação. No mesmo ano, Jeferson Tenório escreveu um artigo para a revista dos livros sobre o assassinato de João Alberto Freitas, homem negro espancado até a morte por um segurança no estacionamento de um supermercado de Porto Alegre em 2020.
O melhor da literatura LGBTQIA+
O episódio traz uma sugestão da Daniela Arrais, uma das criadoras da agência de conteúdo @contente.vc, que acaba de lançar Para todas as mulheres que não têm coragem, pela BestSeller. Ela indica o romance O ano em que morri em Nova York (Planeta, 2023), de Milly Lacombe.
“O livro conta a história de uma personagem que está em uma jornada de autoconhecimento depois que o seu relacionamento perfeito e invejado desmorona”, conta Arrais. “É um livro desses que você vai lendo e imaginando: isso daria um filme. É uma leitura estimulante, cheia de sacodes. Fala sobre como nossa vida pode mudar em um segundo, numa escrita super fluida. Um belo exemplar de uma literatura com personagens lésbicas.”
Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+.
CRÉDITOS
O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um.
Apresentação: Paulo Werneck
Produção: Mariana Shiraiwa e Mauricio Abbade
Edição e mixagem: Igor Yamawaki
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe: [email protected]
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