Política, Quatro Cinco Um,

Quebrando o silêncio dos hospícios

Episódio especial do 451 MHz traz pela primeira vez os áudios do falatório de Stella do Patrocínio

18abr2022 | Edição #57

“Tô passando mal de boca, passando muita fome […] sofrendo da cabeça, sofrendo como doente mental, e no presídio de mulheres cumprindo a prisão perpétua, correndo processo, sendo processada, não sei porque (…).” É assim que Stella do Patrocínio (1941-92) explica sua situação: sofrendo como doente mental, presa junto com outras mulheres.

Conhecida pelo livro Reino dos bichos e dos animais é o meu nome, organizado pela poeta e filósofa Viviane Mosé, que saiu pela Azougue Editorial em 2001 e foi finalista do Prêmio Jabuti, Patrocínio ganhou fama depois da sua morte. Apesar de ter sido reconhecida postumamente como poeta, ela nunca se definiu assim e não escreveu nenhuma das linhas que estão no livro. A potência das suas palavras se encontra no seu falatório (como chamava suas falas), que foi preservado em fitas pela artista plástica Carla Guagliardi, então estagiária das oficinas de arte da Colônia Juliano Moreira, entre 1986 e 1988. As conversas entre as duas foram gravadas ao longo desses anos, e Reino dos bichos e dos animais é o meu nome fez um recorte das frases de Patrocínio nesses diálogos.

Até então sob posse de Guagliardi, essas gravações entraram recentemente em domínio público, cedidas pela artista para a dissertação de mestrado Stella do Patrocínio: entre a letra e a negra garganta de carne, defendida por Sara Martins Ramos na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). O 451 MHz, o podcast da Quatro Cinco Um, produzido pela Rádio Novelo, é o primeiro programa audiovisual a usar esses áudios. O episódio tem estreia marcada para o dia 13 de maio — data em que se comemora a Abolição da Escravidão e no mês da Luta Antimanicomial — e estará disponível no site da revista, no YouTube e nos tocadores de podcasts.

As falas de Patrocínio são de uma mulher negra e pobre que foi levada à força pela polícia e internada, primeiro no Centro Pedro 2º, no Engenho de Dentro, depois na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, onde ficou por trinta anos; quando morreu, foi enterrada como indigente. A história de Patrocínio é a história de milhares de vítimas que foram encarceradas nos hospícios brasileiros, por serem consideradas “desajustadas”: pobres, prostitutas, homossexuais, transexuais, drogaditos, opositores políticos, mulheres cujos maridos queriam abandoná-las. Em sua maioria negras. Ali, elas sofreram abusos, violências e torturas, além de serem abandonadas pelo Estado.  

Outras vozes sobre a loucura

Patrocínio dizia que não era louca; então, como é que ela foi parar no manicômio? Por que milhares de outras pessoas no Brasil têm e tiveram uma história parecida com a dela? O que podemos fazer para quebrar o silêncio dos hospícios brasileiros? Essas são algumas perguntas a que o episódio procura responder.

A história de Patrocínio é a história de milhares de vítimas encarceradas nos hospícios brasileiros

Além da voz de Patrocínio, contamos com as vozes da artista plástica Carla Guagliardi e do professor Marcio Rollo, que conheceram Patrocínio; Rachel Gouveia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e militante da Luta Antimanicomial; e Daniela Arbex, jornalista e autora de Holocausto brasileiro (2013), sobre o genocídio de 60 mil pessoas no Hospital Colônia de Barbacena (mg). A poeta e performer Natasha Felix faz leituras de obras que tratam da loucura, como as de Maura Lopes Cançado e Machado de Assis.

Um dos pontos altos do episódio é a visita que a editora Paula Carvalho, que apresenta e assina o roteiro do programa, e Claudia Holanda, jornalista e editora do 451 MHz, fazem ao Museu Bispo do Rosário, que fica na Colônia Juliano Moreira, onde Patrocínio viveu grande parte de sua vida. Somos levados a conhecer o território do manicômio que foi o lugar de internação de Arthur Bispo do Rosário, que após ser internado foi reconhecido como grande artista plástico. Apesar do seu passado controverso, a Colônia é hoje um bairro com o qual temos muito a aprender, pois lá se aprende a conviver com a loucura de uma maneira natural.

Matéria publicada na edição impressa #57 em fevereiro de 2022.