A Feira do Livro, Política,
‘A vitória da esquerda na França é motivo de comemoração’, diz Rosa Freire d’Aguiar
Tradutora de autores como Sade, Céline e Proust, jornalista relembrou o tempo em que viveu em Paris e vibrou com resultado das eleições francesas
07jul2024 • Atualizado em: 10jul2024A tradutora Rosa Freire d’Aguiar subiu ao palco d’A Feira do Livro neste domingo (7) com um sorriso no rosto. O motivo da felicidade era o resultado das pesquisas de boca de urna das eleições francesas, que haviam projetado uma vitória surpreendente da esquerda no segundo turno do pleito. Apesar de ter sido uma das eleições mais polarizadas da história recente do país, ela classificou a notícia como “um motivo para comemorar”.
“Tremi muito esses dias. Ganhamos dessa vez, mas tem uma extrema direita relativamente forte na França. No primeiro turno houve muitos votos de protesto, motivados pela precarização dos subúrbios e porque o Estado de bem-estar social, de que os franceses sempre se gabaram, acabou degringolando”, disse ela.
“É assustador ter franceses que acreditam que a violência é o melhor caminho. Escolher um governo de extrema direita pelo voto é o que me deixava nervosa.”
Freire foi convidada para falar sobre sua vivência na França na mesa “Sempre Paris” nome de sua coletânea de crônicas lançada em 2023 pela Companhia das Letras, que reúne histórias do tempo em que viveu na cidade europeia. A mediação da conversa foi feita pelo jornalista Ruan de Sousa Gabriel. Apesar de não ter sido exilada, a tradutora de Sade, Céline e Proust chegou a Paris em 1973, no auge do regime autoritário no Brasil.
“É triste ser educado e passar a adolescência num regime de ditadura, porque você esquece que pode ser diferente, que existe um regime regido pela liberdade. Cheguei [na França] um dia depois do golpe no Chile. No dia seguinte, já tinha uma passeata contra o golpe do Augusto Pinochet”, contou.
Apesar da admiração com a sua primeira passeata aos 25 anos, a memória da ditadura ainda causava ansiedade em Freire d’Aguiar. “O tempo todo fiquei olhando para os lados pensando que tinha um agente do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) me olhando.”
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Segundo ela, a comunicação com o Brasil era difícil, mas a experiência de compartilhar as culturas dos dois países a tornou uma cidadã.
“Você vai absorvendo a cultura do outro país. Eles vão te dando coisas e você vai devolvendo. Eu não sei quem abraçou quem, tenho a impressão de que a França me abraçou, vai tendo uma espécie de simbiose. Cheguei à França suficientemente jovem para começar a ter o direito de reclamar, de ir para a rua, isso me formou uma certa cidadania. Me tornei cidadã na França, porque na ditadura não me sentia cidadã brasileira. Mas sou brasileira e sempre serei.”
Conflitos de interesse
Freire d’Aguiar é conhecida por suas traduções de importantes obras da literatura mundial para o português. Entre os diversos trabalhos, estão livros de Italo Calvino e Michel Foucault. No entanto, ela começou sua carreira como jornalista.
Entre 1977 e 1985, em Paris, foi correspondente da revista IstoÉ e também do Jornal da República. Realizou inúmeras reportagens especiais na Europa, no Oriente Médio e na China. Cobriu a redemocratização da Espanha, desde a morte de Francisco Franco, entre 1975 e 1985, o exílio do Aiatolá Khomeini e a Revolução Iraniana.
Em 1979, ela se casou com o economista Celso Furtado, ex-ministro do Planejamento e da Cultura, exilado na França desde 1964. Em 1986, o casal voltou para o Brasil e se instalou em Brasília. Foi na capital brasileira que a então jornalista descobriu a arte da tradução.
“Morando na França, nunca tinha lido Marcel Proust de verdade. Celso citava o escritor francês, mas quando fui a Brasília, não conhecia ninguém, ficava lendo”, contou. “Teve o convite para trabalhar em jornal, mas eu jantava com meu marido no Palácio da Alvorada. Haveria conflito de interesse em escrever o que ouvia nessas ocasiões. Decidi ficar como tradutora”, disse.
A Feira do Livro 2024
29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu
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