O mangá no centro do debate

Aconteceu na última quinta-feira (28) o sexto encontro do clube de leitura da Quatro Cinco Um em parceria com a Japan House São Paulo. Ayako, de Osamu Tezuka, publicado pela editora Veneta, foi comentado por Rogério de Campos, editor do livro e diretor editorial da editora. Ele é autor de Imageria (2015) e Livro dos Santos (2012), lançados pela Veneta, e Revanchismo (2009), pela Amok, e coautor, com Maurício Tagliari, do Dicionário do Vinho (Companhia Editora Nacional, 2010), ganhador de um prêmio Jabuti.

O bate-papo teve mediação de Paulo Werneck, editor da Quatro Cinco Um. Junto com Natasha Barzaghi Geenen, diretora cultural da Japan House São Paulo, ele é responsável pela curadoria do projeto, que foca a literatura contemporânea japonesa. Estão previstos mais dois encontros, nas últimas quinta-feira de fevereiro e março de 2020. 

“Tenho evitado convidar editores para estes encontros, mas o Rogério tem um papel muito especial na cultura de mangá e de quadrinhos do Brasil — ele foi um dos fundadores da editora Conrad, e a Veneta, que é, de certa maneira, uma cria póstuma da Conrad, e é um case de sucesso editorial”, observou Werneck.

Em Ayako, o quadrinista Osamu Tezuka conta a história do Japão no pós-guerra por meio da história da família Tenge. O livro trata do trauma da ocidentalização forçada imposta pela Força de Ocupação norte-americana e dos reflexos da Guerra Fria. A trama também reflete sobre os choques de gerações, a luta de classes, a corrupção na política, o poder da Yakuza, as guerras de gangues e a violência do machismo.

“Este é um livro muito pesado, e não só literalmente. Muitos têm dificuldade para atravessá-lo pela crueza da história”, disse Werneck, para quem Tezuka é “o João Gilberto dos mangás”. Os leitores presentes então observaram as referências ocidentais presentes no livro, como aquelas às obras literárias Os irmãos Karamazov, de Fiódor Dostoiévski, Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez, e O poderoso chefão, de Mario Puzo.

Rogério falou sobre a experiência de introduzir os mangás no mercado brasileiro: “Quando comecei a Conrad, queria fazer os livros de que gosto e os livros que vendem. Fiz um revista-livro do Brad Pitt e o livro Gen pés descalços, de Keiji Nakazawa. No fim das contas, o livro do Brad Pitt não vendeu nada [risos]”. 

Segundo ele, os quadrinhos feitos no Ocidente, restritos ao formato de 48 páginas, não se desenvolveram tanto quanto os do Oriente, mais extensos. “Os quadrinhos ocidentais ficaram muito mais dependentes da força dos personagens pois, para ser ler a história, você já tinha que conhecê-los, já que não dava para desenvolvê-los em poucas páginas. Por isso temos esse monte de super-herói”, contou, dizendo que a grande revolução no cenário ocidental aconteceu por volta dos anos 1990, quando o volume e a variedade de temas aumentaram.

Uma leitora comentou o machismo presente em Ayako: “É um tapa na cara atrás do outro. É uma leitura muito puxada para uma mullher”, ao que outra respondeu: “Em alguns momentos, diria até que é um livro cruel. Mas, no contexto histórico, é um livro real. Por isso é tão difícil de ler”. Os leitores também falaram sobre o final do livro: “É difícil não enxergar Ayako metaforicamente. Achei curiosa a importância que a personagem tem na linha narrativa, e também os dois finais do livro. Em um deles, Ayako desaparece. Em outro, é um fiapo de esperança. De alguma forma, os dois finais abrem muitas possibilidades”, disse um. “Apesar do peso, o livro tem um final otimista. O autor mata toda a família como se tivesse abrindo o caminho para uma nova geração, uma nova vida. Parece que ele quis expurgar o mal”, concluiu outro.

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Por fim, Rogério falou sobre o sucesso editorial de Ayako, que está na terceira reimpressão e vem sendo consumido por um público muito mais amplo do que o do nicho do mangá. Werneck finalizou o encontro dizendo que estamos assistindo a um momento de ascensão do mangá no Brasil, graças à publicação de cada vez mais obras ambiciosas e bem acabadas.

O próximo encontro do clube de leitura da Quatro Cinco Um em parceria com a Japan House acontece em 27 de fevereiro. Divulgaremos em breve informações sobre o livro, o convidado e as inscrições. Fique ligado nas nossas redes sociais!