A Feira do Livro, Educação,
A literatura precisa chegar pela fruição, afirmam especialistas em formação de professores
Com mediação de Marisa Lajolo, Diana Navas e Ana Barbara dos Santos falaram do papel do professor como leitor e formador de novos leitores
06jul2024 • Atualizado em: 19set2024Os professores, figuras centrais na formação de leitores, costumam ficar em segundo plano no debate sobre sua própria formação. Esse foi o tema de “Formar leitores, formar professores”, a quinta mesa do Seminário Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, que reuniu a professora de literatura e crítica literária Diana Navas e a professora e formadora de professores Ana Barbara dos Santos n’A Feira do Livro.
A mediação foi da pesquisadora, crítica literária, professora universitária e escritora Marisa Lajolo, que abriu a conversa resgatando a recente censura ao livro O menino marrom (Melhoramentos, 1986), de Ziraldo, em algumas escolas no interior de Minas Gerais, devido a uma pressão dos pais por seu conteúdo supostamente “agressivo”.
Segundo Lajolo, não há razão para censurar o livro, que discute as cores através da relação entre dois amigos, um negro e um branco. “Ziraldo se colocou inúmeras vezes contra a censura. O livro conversa com o leitor, o faz ver coisas que talvez ele não quisesse saber. Trata sobre um tema importante de forma madura e sofisticada.”
Lajolo diz que uma formação se faz pela leitura múltipla de todos os tipos de livros. Mas o que é mais necessário, segundo a especialista, é o tempo para esse exercício e as trocas feitas a partir dele. “As obras devem ser discutidas por outros profissionais de educação, tecendo uma rede de conversa.”
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Motivada pelo encontro, a professora Diana Navas refletiu sobre quem era como leitora e como professora. “Aprendi muito mais sobre igualdade, acesso e liberdade com Dom Quixote do que com compêndios sobre esses temas. Como professores, devemos nos perguntar qual livro nos formou como leitor, porque isso diz sobre como formaremos outros leitores.”
A professora da PUC-SP contou ainda que é comum que professores se afastem de leituras prazerosas. Segundo ela, a formação deve trabalhar títulos que vão além de uma literatura firmada na historiografia. “A literatura precisa chegar aos professores pela fruição, não deve estar sempre atrelada a algum significado ou finalidade”, disse Navas.
Livros na mão
A forma como o universo digital vem se aproximando das escolas — e o embate entre os meios impressos e digitais no fomento à leitura — foi outro ponto da conversa. Segundo Ana Barbara dos Santos, a experiência com o livro ainda está muito firmada no campo sensorial, e o objeto dá conta de uma complexidade que o digital não alcança.
“Um livro físico não se faz somente com a parte textual, há a parte gráfica, a ilustração, o design. O professor precisa ter repertório para analisar essas outras linguagens e esses outros tipos de leitura”, disse Santos. Essa materialidade é ainda mais presente na literatura infantojuvenil, frequentemente colocada como uma literatura “menor”, segundo Marisa Lajolo, que estuda o tema.
A importância de se aproximar do digital e também de ter mais atores envolvidos nesse fomento à leitura foi abordada na conversa. “Sou viciada no livro impresso, são meus alunos que sabem tudo do digital. Como professores, devemos entender que talvez saibamos pouco sobre esse universo. É aí que os jovens podem nos ajudar a nos adaptar”, disse Lajolo.
Segundo Navas, o professor de português não deve ser o único a se responsabilizar pela formação de leitores — professores de outras áreas, bibliotecas, familiares e a escola em geral devem ser membros ativos dessa construção, e também os responsáveis pela educação de bebês e crianças menores, acrescentou Santos. “Embora tratados apenas como ‘bebês e crianças’, a leitura feita por mediadores para essas faixas etárias se comprova essencial para o desenvolvimento, principalmente se contar com a participação dos pais.”
As convidadas ainda criticaram a falta de infraestrutura, bibliotecas e espaços de leitura nas escolas municipais e estaduais, assim como a falta de profissionais especializados na organização e cuidado dos acervos que, muitas vezes, acabam sendo abandonados. E enfatizaram a importância de melhorar o acesso aos livros.
“A falta de tempo e as burocracias dificultam, principalmente quando estamos tentando tornar a literatura presente em todos os espaços”, disse Santos.
“Para torná-los mais presentes, é preciso esquecer algumas convenções. Se o livro sumiu, que bom! Isso significa que alguém está lendo. Se o livro estragar, ótimo! Significa que está sendo manuseado”, afirmou Navas.
A Feira do Livro 2024
29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo. O seminário Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas foi realizado com apoio oriundo da Emenda Parlamentar 2023.066.50456 – Demanda 060460.
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