Design,

Cidade encadernada

Como designers, ilustradores e pessoas do universo editorial podem moldar a cidade

12fev2021 | Edição #42

A implementação de mobiliário urbano e sinalização na avenida Paulista, em São Paulo, feita nos anos 1970 pela dupla Cauduro Martino — que trouxe os postes de uso múltiplo (únicos remanescentes do projeto original) com semáforos, lixeira e nomes de rua escritos na vertical como solução ao excesso de placas na via — é um clássico da intervenção gráfica no espaço público.

Mais recente, a ação Qual Ônibus Passa Aqui?, criada por Marcelo Zocchio e Mariana Bernd, trouxe cartazes com essa pergunta a paradas de ônibus da capital paulista chamando a atenção para a ineficiência do sistema informativo. A exposição que virou o livro #RIOUTÓPICO, de Rosangela Rennó, convidou pessoas a enviarem fotos de regiões com nomes utópicos na capital carioca, como Vila do Céu, provocando uma reflexão sobre a paisagem do Rio de Janeiro.

Mobiliário urbano, sinalização em vias públicas, faixas de pedestres, iluminação, paisagismo, ciclovias, projeções, equipamentos de lazer, cartazes, livros, feiras e eventos em espaços públicos são possíveis objetos para o design e tema de um novo curso que vai unir designers, ilustradores e pessoas do universo literário para pensar a cidade.

Design gráfico e a cidade

Coordenado pela dupla de designers Celso Longo e Daniel Trench, autores do projeto gráfico da Quatro Cinco Um, a nova pós-graduação ‘Design gráfico e a cidade’ olha para o design gráfico como uma atividade que lida com questões coletivas e urbanas e que promove trocas e diálogos sobre o conceito de cidade. 

A ideia para o curso veio a reboque de uma experiência que eles tiveram em 2014, quando foram curadores da exposição Cidade Gráfica, no Itaú Cultural, ao lado de Elaine Ramos, sócia-fundadora e diretora de arte da editora Ubu. 

“Fizemos uma pesquisa ao longo de um ano, nas capitais do Brasil. Fomos atrás de uma produção de design que usasse a cidade como tema ou suporte. O design tanto como uma ferramenta que se esforça para resolver nossas questões como uma ferramenta que chama nossa atenção para outras questões”, conta Trench. “Reunimos um grupo grande de artistas, designers, fotógrafos. Era uma amostra generosa de pessoas que atuavam nesse binômio e, na pós, também gostaríamos disso.”

Ilustração de Veridiana Scarpelli

O curso tem como foco o projeto — uma referência mútua entre pensar e fazer, na definição do designer alemão Otl Aicher. Visando essa combinação, Longo e Trench criaram, como atividade central, um estúdio de projetos. “A gente quer fazer um curso mais investigativo, o coração do curso vai ser o projeto”, explica Trench. 

Sob a orientação da dupla, alunos desenvolverão ideias que exploram a cidade contemporânea como tema de projetos editoriais, impressos e digitais. “O que pode surgir daí a gente não sabe muito bem, mas o que a gente quer é que os alunos exercitem não só o pensar, mas a relação com a cidade. Trabalhar no projeto editorial do zero e lidar com esses temas de alguma forma”, diz Trench. 

A cidade também será trabalhada como suporte para projetos que buscam dialogar com o espaço público. “A ideia é que surjam daí tanto intervenções urbanas que chamem atenção para problemas quanto projetos que resolvam questões da nossa cidade.” 

Bibliografia

Entre as leituras que tecem o curso estão História do Design Gráfico, de Philip Meggs e Alston Purvis, e Linha do tempo do design gráfico no Brasil, de Chico Homem de Melo e Elaine Ramos, ambos publicados pela extinta Cosac Naify. E, mais recentes, A cidade inteligente – Tecnologias urbanas e democracia, de Francesca Bria e Evgeny Morozov, resenhado por Bianca Tavolari para a Quatro Cinco Um, e O mundo codificado, de Vilém Flusser, que oferece um entendimento amplo e teórico do design associado à comunicação, ambos publicados pela editora Ubu.

“É uma bibliografia um tanto básica para a gente construir esse terreno no qual o curso vai se erguer, e outros livros vão surgir com as ideias dos projetos”, diz Trench.

Outra disciplina, Conversas com Convidados, trará profissionais que pensam a cidade, sociedades contemporâneas e o design gráfico para trocar com os alunos. Uma dose de teoria virá também com a disciplina ensaística Cidade Contemporânea, na qual o professor Francesco Perrotta-Bosch abordará temas contemporâneos ao fazer cruzamentos como cidade e cultura, cidade e cinema, entre outros.  

Organizador do livro Biselli Katchborian arquitetos (Acácia Cultural), sobre o qual Mario Biselli fala em entrevista à Quatro Cinco Um, e autor de uma nova biografia de Lina Bo Bardi, que será lançada pela editora Todavia, Perrotta-Bosch irá explorar o que se entende por cidade através das leituras de Tudo que é sólido se desmancha no ar, de Marshall Berman (Companhia das Letras), Nova York delirante, de Rem Koolhaas (Cosac Naify) e Uma nova agenda para arquitetura, de Kate Nesbitt (Cosac Naify). 

O curso, que começa em março e tem duração de um ano, vai ser remoto no primeiro semestre. Futuramente, “se tudo der certo”, será híbrido – presencial para alunos em São Paulo e remoto para os demais. Com isso, espera-se reunir um grupo heterogêneo de alunos. “O design é multidisciplinar e, quanto mais diverso for esse grupo, fico imaginando que as discussões vão ser mais legais. O caldo vai ser mais rico”, diz Trench. “Adoraria que tivessem pessoas dos cantos mais variados possíveis”.

A Escola da Cidade, que em 2019 publicou com a Martins Fontes o livro Um guia de arquitetura de São Paulo, no qual um conjunto de professores escolheram e escreveram sobre projetos na cidade, tem outros sete cursos de pós-graduação – em comum, a cidade. No início de março, uma semana de eventos marcará a abertura do semestre ao discutir o assunto “Que normal é esse?” e pensar no futuro possível dentro dessa normalidade.

“Convidamos desde um professor da USP, infectologista ligado à questão da cidade, a uma dupla de artistas focados em tipografia, criadores da fonte Utopia, que exploram o legado moderno na arquitetura das cidades brasileiras”, conta Trench.

Longo e Trench são sócios do estúdio de design CLDT, onde desenvolveram, em 2017, o projeto gráfico da então embrionária Quatro Cinco Um. Longo é também autor do livro Design Total: Cauduro Martino (Cosac Naify) e Trench é editor de arte da Revista Serrote.

design gráfico e a cidade
Escola da cidade
Início: março de 2021
Inscrições até 5 de março
O curso tem duração de 1 ano e o ingresso pode ser feito semestralmente.
As aulas acontecem a noite, às segundas, terças e quartas.

Clube de benefícios: assinantes da Quatro Cinco Um terão desconto de 20% no valor do curso de pós-graduação da Escola da Cidade. Para efetivação do desconto, o futuro aluno deve entrar em contato com a secretaria da escola.

Quem escreveu esse texto

Beatriz Muylaert

Jornalista e editora executiva da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #42 em janeiro de 2021.