A Feira do Livro, História,

Rui Tavares: ‘O otimismo é uma obrigação política’

Historiador português discute sobre política, a importância do pessoal na bagagem de um escritor e o papel da arte na sociedade

30jun2024 - 18h24 • 02jul2024 - 11h30
(Filipe Redondo)

Rui Tavares é conhecido por falar de um jeito acessível, tornando temas complexos mais compreensíveis para um público. E foi assim que o historiador e político português envolveu a plateia no debate na mesa do Palco da Praça, na manhã de domingo (30), n’A Feira do Livro.

“Tento escrever sempre como se uma senhora de 93 anos de uma aldeia fosse ler meu texto”, disse o autor à escritora Sofia Nestrovski, que mediou a mesa “Agora, agora e mais agora”, homônimo de seu livro que está sendo lançado n’A Feira do Livro pela Tinta-da-China Brasil, selo editorial da Associação Quatro Cinco Um.

O livro de história é resultado do podcast produzido pelo jornal português Público durante a pandemia da Covid-19. Segundo o autor, não haverá mais temporadas do programa, mas ele já estuda um próximo podcast. “Agora, agora e mais agora é meu filho preferido e assim vai ficar”, brinca.

O historiador, que cresceu entre Arrifana, aldeia portuguesa com cerca de 150 habitantes, nas contas dele, e Lisboa, disse que a comunidade da infância — onde produzia vinho, criava cabras, porcos e ovelhas — está presente em tudo o que faz. Todos os seus textos, contou ele, são lidos por sua mãe, uma senhora que ainda vive no pequeno povoado.

“O título Agora, agora e mais agora é uma frase de minha bisavó. Minha mãe me contava que era a única frase que ela dizia depois do derrame. Fazia perguntas com essa frase, brigava com essa frase”, disse ele, arrancando risadas da plateia. “Esse livro é de uma dimensão dupla: escrevi o que eu queria, mas de uma maneira que todo mundo entenderia.”

Disputa pelo pessimismo

Eleito deputado ao Parlamento Europeu em 2009 pelo Bloco de Esquerda, Tavares fundou o partido político LIVRE, uma força política progressista em Portugal, e é amplamente reconhecido na política europeia.

Outro de seus livros está sendo reimpresso pela Tinta-da-China Brasil: Esquerda e direita: guia histórico para o século XX discute os novos desafios da democracia. Durante a mesa, o político criticou o que chamou de “disputa pelo pessimismo”. Segundo ele, essa equivalência pessimista é “assassina para a esquerda”.

O historiador Rui Tavares (Filipe Redondo)

“Sempre tem aquela banca de intelectuais de esquerda, em geral, é mais um ele do que ela, que fala: ‘estou muito pessimista com o euro, com o clima’. A esquerda diz que o futuro vai ser péssimo, então só falta dizer que precisam desistir”, afirmou Tavares.

“Se a pessoa diz que tem um conforto em casa, a esquerda rebate falando que é ruim porque existe muita pobreza no mundo. Fomentamos o egoísmo e a ideia de que o passado era bom, que era melhor. Enquanto isso, a direita vende a solução para o horror atual da sociedade.”

Ao ser questionado por Nestrovski se ele acredita em um futuro melhor, Tavares respondeu que acredita que se a população quiser viver melhor, a criação de um futuro é possível.

“Na Europa, dizem que os filhos vão viver pior do que os pais. Acredito que temos que ser otimistas em relação a isso. Se acreditarmos que é possível regular a tecnologia de uma maneira que ela nos ajude, que viveremos com a família e brincaremos no campo, isso nos faz acreditar no futuro”, disse Tavares. “O otimismo é uma obrigação política”.

Doses de arte

A relação do historiador, escritor e político com a arte também é refletida em suas análises. Quando tinha apenas quatro anos, contou ele, já sabia que seguiria no caminho da história. Porém, no final da escola, decidiu desviar para história da arte. Tavares mantém uma relação significativa com a disciplina, refletida em sua obra e atividades intelectuais. Sua formação e interesses abrangentes o levaram a explorar como a arte se entrelaça com a história, a política e a sociedade.

“Nas discussões nas faculdades de letras, o pessoal invejava o povo das ciências. Eu estava na história como arte e não como ciência. A ideia era reforçar o lado artístico dos cursos de humanidades. Ou seja, a escolha da escola de arte é uma estética, mas também é uma ética”, disse o historiador. “Nossa sociedade não é científica, ainda bem, porque isso é libertador.”

“Músicos, escritores, artistas explicam a história muito melhor do que qualquer cientista consegue fazer. A arte tem um papel essencial nesse momento que estamos vivendo agora, porque nos leva a viver de uma maneira mais humana, mais estética.”

A Feira do Livro 2024

29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

João de Mari

É jornalista e editor assistente da Quatro Cinco Um.