
Literatura infantojuvenil,
Um amanhã ou três
Histórias e ilustrações de Lúcia Hiratsuka criam narrativas sobre tempo, memória e vivências familiares ligadas à imigração japonesa no Brasil
23jun2023 | Edição #70Sentimentos são difíceis de traduzir e, em alguns idiomas, uma única palavra pode dar conta de toda uma sensação. É como “saudade”, no português, usada para se referir ao sentimento nostálgico e melancólico que aparece quando recordamos algo ou alguém a que damos falta. Em japonês há “komorebi”, que significa “a luz que se filtra através das folhas das árvores” ou o efeito de feixe que elas produzem ao tocar o chão, a paisagem, as pessoas.
Essa é uma das visões mais recorrentes no livro Amanhã, da artista plástica, escritora e ilustradora Lúcia Hiratsuka, publicado em 2022 pela Pequena Zahar. Com ilustrações que remetem à memória, à passagem do tempo e ao bucolismo, Lúcia apresenta três contos inspirados nas histórias que a própria autora, mãe e avó viveram, sob o ponto de vista de três meninas que diariamente precisam fazer desvios no caminho para chegar à escola. Isso é komorebi: continuar iluminando enquanto atravessa um obstáculo. Em entrevista para a Quatro Cinco Um, Lúcia conta sobre as três gerações de meninas que encontraram na educação instrumentos de mudança de suas épocas e realidades.

A escritora e ilustradora Lúcia Hiratsuka [Acervo pessoal]
De onde veio a inspiração para contar a história de três gerações de uma família e suas relações com a escola?
As três histórias têm como ponto de partida a memória. Das muitas lembranças da minha infância, o momento de entrar na escola foi bem marcante. Escrevi uma crônica e pensava em desenvolver um roteiro para livro ilustrado; a ideia de juntar outras duas histórias veio depois. Da minha avó ouvia alguns episódios: acontecimentos alegres ou difíceis sobre sua ida à escola no Japão. Durante a pandemia, estive perto da minha mãe e pude perguntar mais sobre a escola dela, o que ajudou a construir o livro.
A segunda história fala das imposições brasileiras aos imigrantes e descendentes japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Como foi contar para as crianças uma história real sobre repressão?
A segunda história de Amanhã conversa com Os livros de Sayuri, publicado em 2008 pela editora SM. É uma novela infantojuvenil sobre uma família que precisa enterrar os livros e as crianças têm que estudar em segredo. O ponto de partida foram algumas lembranças da minha mãe, mas tem a ver com memória das comunidades nipo-brasileiras, por isso exigiu pesquisa. Tem sido bastante lido, e tanto os adultos quanto as crianças perguntam se aconteceu de verdade. Digo que é baseada em fatos reais, uma história do Brasil que não é tão conhecida. E para mim foi um desafio contá-la em Amanhã, ora apenas em texto escrito, ora como livro ilustrado, mesclando a linguagem de quadrinhos.
Em Amanhã, a escola é um instrumento de mudança para as três personagens. Como a escola mudou a sua infância? O que permanece na Lúcia adulta?
Aprendi a ler e escrever, em japonês, antes de entrar na escola. Isso já me trouxe grandes mudanças. Entrar na escola rural ampliou o meu mundo, porque convivi com a diversidade e interagi com crianças que chegavam de lugares distantes. Surgiam perguntas sobre a vida, tudo o que tem me instigado a criar. Hoje, a infância é um lugar de reconhecimento da minha identidade.
Qual é a importância de trazer temas como ancestralidade, tempo e memória — encontrados nesta e em outras de suas obras — para o universo infantojuvenil?
Eu considero que os temas da literatura voltada para adultos são os mesmos da literatura infantojuvenil: estão relacionados à vida. As minhas histórias partem de algo que me toca de alguma maneira. Talvez o convívio diário com os meus avós e as questões do tempo tenham marcado maior presença, porque eu ouvia histórias e cantigas que falavam do entardecer, da chegada da noite, da mudança das estações etc. Eu morava na roça, então via a maturação das frutas de cada época, o tempo dos bichos-da-seda e as transformações constantes.
Que livro você gostaria de ter lido na infância?
Gostaria de ter lido os livros da Lygia Bojunga, só fui conhecê-los depois de adulta. Mas na infância tive acesso a contos e romances em japonês, alguns me marcaram bastante, lembro até hoje dos detalhes e das emoções que muitos me despertavam.
Como podemos incentivar o hábito de leitura nas crianças?
Com políticas públicas, oferecendo acesso a uma diversidade de livros, formando mediadores, tendo projetos de leitura, possibilitando leituras em família. Acho importante a literatura infantojuvenil e os livros ilustrados estarem nas mesas de debate das feiras literárias.
Como autora, tenho em mente que devo ir fundo nas histórias, para instigar os leitores e, quem sabe, incentivar as crianças a lerem mais e mais livros.
Matéria publicada na edição impressa #70 em junho de 2023.
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