Djaimilia Pereira de Almeida
Onde queremos viver
Lista de infotografáveis
O rapaz árabe que diz à senhora ganesa que foram os americanos que formaram Osama bin Laden
19out2023 | Edição #75Estas são pessoas e coisas infotografáveis que não quero esquecer que vi na semana passada:
O gigante doce, quase angelical, guarda do Social Services Office, a dar boas-vindas a todos, distribuindo graças, dizendo que ali não se pode comer nem beber água
Um veterano de guerra a rastejar, como no campo de batalha
Um homem a berrar consigo mesmo enquanto caminha, dando murros num fantasma
Duas raparigas aos beijos, a dançar na rua
Um casal: ele a ensina a andar de bicicleta, embora ele também não saiba andar de bicicleta
O senhor sem casa que pede para se sentar ao nosso lado, só para estar acompanhado
Uma mulher a berrar num ritmo quaternário noite fora
Dois amigos a jantar num banco de jardim sob chuva torrencial
Um cego surdo negro, a falar sozinho enquanto caminha
Um homem corcunda. Passeia o seu cão pequeno e velho. O cão guia o homem. A cabeça do homem quase toca no chão.
O senhor sem casa que pede para se sentar ao nosso lado, no banco de jardim, só para estar acompanhado, e ali ficamos os três juntos, até me virem as lágrimas aos olhos
Uma senhora japonesa de longos cabelos brancos, muito bela
Duas modelos brasileiras negras, a parar o trânsito enquanto falam de cocktails
A fumadora sempre de chinelos com as unhas dos pés muito sujas
Um homem negro que dorme sentado num muro, todas as noites, vestido com um manto e um turbante brancos
Uma mulher que dá saltos de trampolim dentro de um gabinete, sempre depois das 21, todos os dias, até as 24, sob o olhar atento do amante
Um homem que passeia dois cães negros, e parecem duas panteras, as coleiras de metal, ele vai parando, a falar ao telefone, e os cães param com ele, e logo retomam o passo, em círculos
Dois homens a fazer boxe na rua
June Leaf, a viúva de Robert Frank, à porta de casa, acompanhada de uma jovem mãe negra e do bebé desta, sentadas em bancos como velhas cabo-verdianas no bairro de Santa Filomena
Esquilos que se aproximam em vez de se afastarem e chegam perto e nos olham nos olhos
Um livreiro de unhas compridas, com um anel de caveira no dedo
A caixa de supermercado trans, olhos e lábios esborratados, que me chama my beautiful
Sam, o handyman egípcio, que não está para brincadeiras, e dá descomposturas ao funcionário mexicano
Os três paquistaneses da tabacaria, como três irmãos siameses, que perguntam, à minha entrada, one, two or three?
A japonesa a posar encostada ao arco no Washington Square Park, com chapéu de coco Christian Dior
O casal gay aos saltinhos na rua, trocando beijinhos no ar e o parêntesis em que, falando conosco, se revelam estupidamente snobs
O rapaz que vai louco pela rua e grita à multidão: give me water, I’m thirsty, the Asian community wants me to die of thirst!
O rapaz árabe que diz à senhora ganesa que foram os americanos que formaram Osama bin Laden
Um balão cor de rosa a subir o céu, ia perto dos helicópteros, até que deixei de o ver.
Matéria publicada na edição impressa #75 em outubro de 2023.
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DEZEMBRO, 2024