Crítica Literária,

Northrop Frye nas ondas do rádio

Em série de palestras, o crítico canadense reflete sobre o impacto do estudo literário no comportamento da civilização

07nov2018 | Edição #1 mai.2017

“Que diferença faz o estudo da literatura em nosso comportamento social, político ou religioso?” Essa é uma das questões, nada modestas, que um dos mais importantes críticos literários do século 20 se propõe a responder neste pequeno ensaio.

Northrop Frye (1912-91) é mundialmente conhecido por Anatomia da crítica (1957). No Brasil, é visível sua influência sobre a geração de João Luís Lafetá e Luiz Costa Lima (este chegou a se corresponder com Frye nos anos 50). José Guilherme Merquior, em seu Formalismo & tradição moderna (1974), lhe dedica o epíteto de “último grande crítico sistemático anglo-saxão”. Anatomia é, de fato, um exaustivo monumento à descrição da literatura como um grande sistema. A premissa central é a de que a crítica não só pode ser uma ciência, mas deve se tornar uma, se não quiser ser relegada à margem das outras ciências humanas. Junto à delimitação essencialmente canônica de seu repertório, isso atualmente seria o bastante para considerá-la uma obra elitista.

Ainda assim, Frye preocupou-se constantemente em refletir sobre o significado e o alcance de seu trabalho, em expandi-lo a um público não especializado, por vezes nem mesmo leitor. Grande parte de sua produção tem por tema o ensino da literatura, e antes de Harold Bloom ir parar na prateleira de best-sellers ou de Joseph Campbell ser adotado como uma espécie de guru de Hollywood, as conferências radiofônicas de Frye já eram parte da vida cultural canadense. Nelas, além de fazer sínteses literárias impressionantes, ele empresta sua visão a discussões sobre política interna, guerra, propaganda, e até mesmo cultura de massa e publicidade: “A função da crítica é entender o papel da imaginação criativa na sociedade, enxergar o que ela faz e o porquê da sociedade não conseguir existir sem ela” (Entrevistas, 1982).

A imaginação educada, série de seis palestras ministradas em 1962 para a CBC, a rádio estatal canadense, pertence a este “lado b”. Daí vem seu tom coloquial, a abordagem acessível, generosa — nada do anatomista ou do “bucaneiro terminológico” (como ele mesmo gostava de se chamar) — e por vezes tão parecida com uma conversa que as digressões parecem adiar intencionalmente uma resposta simples a perguntas imensas.

Para Frye, tudo deve ser simples: a literatura não é algo que pode ser apartado da realidade ou encerrado em uma torre, mas sim o aspecto realmente civilizado da civilização, o lugar onde a imaginação encontra um ideal a ser convertido em convicção e ato, uma visão da sociedade que queremos construir.

De William Blake a William Carlos Williams, a imaginação é o grande tema dos poetas de uma “tradição visionária”. Frye, para quem a crítica é também uma obra imaginativa, retoma esta mesma imaginação como forma de pensamento. É ela que nos oferece uma atitude crítica diante dos mitos desfigurados, imaginados por uma sociedade enferma; é ela que nos assegura que a fantasmagoria cotidiana não representa a face autêntica da humanidade: “O mundo real, a verdadeira forma da sociedade humana, escondida por trás dessa que vemos, é o mundo daquilo que a humanidade já fez, e portanto daquilo que ela pode voltar a fazer, o mundo revelado a nós pelas artes e pelas ciências”.

Quem escreveu esse texto

Danilo Hora

Faz mestrado em Literatura Russa na USP.

Matéria publicada na edição impressa #1 mai.2017 em maio de 2017.