A Feira do Livro, História,

Pacaembu pelas décadas

Conheça a história do palco d"A Feira do Livro

10jun2022 | Edição #58

Uma feira de livros de rua, totalmente gratuita, com participação de mais de 45 convidados nacionais e internacionais e 120 editoras, livrarias e instituições ligadas ao livro e à leitura, acontece entre os dias 8 e 12 de junho na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, palco de tantos eventos históricos ao longo das décadas. Conheça mais da sua história:

1940/1950

Idealizado na gestão do prefeito Fábio da Silva Prado (1934-38), o estádio do Pacaembu surgiu em resposta à necessidade de criar um espaço capaz de abrigar uma massa crescente de torcedores, sobretudo depois que os clubes começaram a se profissionalizar, em 1933. O terreno para a obra tinha sido doado ao governo do estado pela Companhia City (a mesma que loteou o Jardim América) em 1921, para que ali construísse um estádio e com isso valorizasse seus empreendimentos imobiliários.

Só que o estado não se animou. A City insistiu e, em 1934, um de seus diretores (também sócio do Escritório Ramos de Azevedo/Severo e Villares) fez um projeto para o campo em um estilo art-déco que lembrava os estádios alemães erguidos sob a supervisão do arquiteto nazista Albert Speer. O lobby surtiu efeito: o estado cedeu a área à prefeitura de São Paulo e o escritório Ramos de Azevedo foi escolhido para tocar a obra.

A pedra inaugural foi lançada em 28 de novembro de 1936, mas a construção só deslanchou a partir de setembro de 1938. Na época de sua inauguração, em 27 de abril de 1940, era a maior praça de esportes da América Latina, com capacidade para 70 mil torcedores. Na década seguinte, porém, sua imagem começou a se desgastar devido à falta de manutenção e às comparações com estádios maiores, como o Maracanã. Na Copa de 1950, o Pacaembu recebeu seis jogos, incluindo a disputa pelo terceiro lugar, na qual a Suécia venceu a Espanha por 3 a 1.

1960/1970

Em junho de 1961, o Estádio do Pacaembu passou a se chamar Paulo Machado de Carvalho, em homenagem ao chefe da vitoriosa delegação brasileira à Copa de 1958. Naquela época, os clubes de futebol pressionavam a prefeitura para aumentar o preço dos ingressos cobrados (bem inferior ao valor pedido nos estádios privados) para elevar a sua receita com os jogos, mas a prefeitura resistia, evitando que essa opção de lazer se tornasse  muito cara para os espectadores.

O conflito prosseguiu até 1962, quando o prefeito Prestes Maia (em sua segunda gestão no cargo) atendeu aos apelos do presidente do São Paulo Futebol Clube, Laudo Natel, eleito vice-governador na chapa de Adhemar de Barros.

Em 1963, o complexo do Pacaembu abrigou as solenidades de abertura e de encerramento dos Jogos Pan-Americanos, realizados pela primeira vez no Brasil. Em suas dependências foram disputadas as competições de atletismo, boxe, natação e saltos ornamentais. Maria Esther Bueno conquistou a medalha de ouro no tênis feminino e a seleção brasileira de futebol (que contava com craques como Jairzinho e Carlos Alberto Torres) também triunfou. O Pacaembu passou a receber outras competições, como os jogos universitários entre o Mackenzie e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (usp).

A parte externa do estádio também sofreu modificações. Em 1965, o governador Adhemar de Barros ordenou que os hortigranjeiros e os produtores de flores deixassem o Mercado da Cantareira, no centro, e se transferissem para o Ceasa, na Zona Oeste. Houve muita resistência dos floristas, que se mudaram para a praça Charles Miller, onde ficaram até 1967.

Durante a gestão do prefeito Faria Lima (1965-69), diante das reivindicações dos clubes para ampliar o número de lugares no estádio, surgiram estudos para aumentar sua capacidade para 100 mil pessoas, com duas arquibancadas sobrepostas. Mas isso exigiria grandes investimentos.

Em setembro de 1969, o prefeito Paulo Maluf ordenou a demolição da concha acústica para ampliar as arquibancadas. Foi então que surgiu o “tobogã”, que aumentou a capacidade do estádio em 18 mil lugares. A estátua de Davi, que ficava ao lado da concha, foi levada para a praça Charles Miller, até que em 1974 foi deslocada para o bairro do Tatuapé.

1980/1990

Desgastado pela falta de manutenção, o Complexo do Pacaembu começou a ser reformado no início de 1983, com a recuperação da estrutura de concreto das arquibancadas, das marquises e das passarelas. Os assentos numerados foram reparados, os banheiros passaram por uma reforma geral e as instalações elétricas foram modernizadas. O edifício recebeu uma pintura igual à da época de sua inauguração e foi reaberto no dia 27 de abril de 1984 para a festa de aniversário.

Na década de 80 começaram ali os grandes shows musicais. Tina Turner foi a primeira a se apresentar no Pacaembu, em 1988, e Luciano Pavarotti levou uma multidão ao estádio em 1991. Seguiram-se Skid Row (1992), Paul McCartney (1993), Black Sabbath (1994), Kiss (1994), Rolling Stones (1995), Jimmy Page e Robert Plant (1996), The Cure (1996), Smashing Pumpkins (1996) e Iron Maiden (1996), entre muitos outros.

Na época, o entorno do estádio enfrentava sérias dificuldades na época das enchentes. Assim como ocorreu com muitos outros córregos da cidade de São Paulo (sobretudo a partir da implantação do Plano de Avenidas de Prestes Maia), o ribeirão do Pacaembu tinha sido canalizado nas décadas de 20 e 30, quando a Companhia City urbanizou o bairro, abrindo caminho para a abertura da avenida Pacaembu. Com a impermeabilização de toda a região, as cheias se agravaram.

Em 1993, já na segunda gestão de Paulo Maluf na prefeitura, começou a ser construído um imenso “piscinão” sob a praça Charles Miller, com capacidade para recolher 75 milhões de litros de água. O projeto inicial previa um reservatório aberto, mas o Condephaat (responsável pela preservação do patrimônio histórico) determinou que a praça mantivesse o desenho original, da época da conclusão do estádio, pois toda a área estava em processo de tombamento.

O piscinão foi concluído em agosto de 1995, mas a reurbanização da área só foi concluída em março de 1996. O piso da praça foi elevado em setenta centímetros e as galerias de águas pluviais foram ampliadas. Antes do piscinão, a praça tinha mangueiras e abacateiros plantados aleatoriamente, que nasceram dos caroços abandonados pelos feirantes. As árvores, porém, foram removidas para não interferir na visão do estádio.

2000/2010

Em 2004, já no final da gestão de Marta Suplicy (pt), o Estádio do Pacaembu sofreu uma grande reforma. Fechado desde 1998, o ginásio poliesportivo foi totalmente renovado e passou a contar com arquibancadas capazes de receber até 4 mil pessoas.

No ano seguinte, o projeto de criação do Museu do Futebol avançou consideravelmente: um projeto apresentado em 1999 pelo vereador Antonio Goulart foi aprovado pela Câmara Municipal em 2002, mas o texto tinha sido vetado por Marta por se tratar de matéria administrativa de competência exclusiva do Executivo. Mas a Câmara derrubou o veto em 2005, já na gestão de José Serra (psdb), e o texto virou a Lei 13.989.

A implementação do projeto demorou alguns anos, e o Museu do Futebol só foi inaugurado em 29 de setembro de 2008, já no governo de Gilberto Kassab (dem). Com 6,9 mil m², é um espaço acessível a pessoas com dificuldades de locomoção (com escadas rolantes, elevadores, piso podotátil e cadeiras de rodas) e de comunicação (com audioguias para cegos, maquetes táteis e materiais sensoriais). É um dos museus mais visitados do país.

Em maio de 2007, o papa Bento 16 visitou o Brasil e participou de uma celebração no Pacaembu: milhares de fiéis lotaram as arquibancadas do estádio para ver o pontífice.

Em novembro do mesmo ano começou mais uma reforma no estádio, desta vez com foco no campo de futebol, que recebeu a grama “bermuda” parar tornar os jogos visualmente mais atraentes. O campo foi nivelado a laser e ficou cinquenta centímetros mais baixo, e ainda ganhou um sistema de drenagem e irrigação mais eficiente, que possibilita o reuso de água da chuva. Os bancos de reservas foram ampliados e o sistema de iluminação do estádio foi renovado. Uma pista de atletismo foi instalada ao lado do campo de futebol, para que o estádio voltasse a sediar competições de corrida. Em 2015 foi a vez do complexo aquático, que foi reestruturado e revitalizado.

No ano seguinte, em sua campanha para prefeito de São Paulo, o candidato do psdb João Doria prometeu privatizar o Pacaembu caso fosse eleito. Mas a iniciativa só foi aprovada na gestão de seu sucessor, Bruno Covas (psdb), em setembro de 2019. O consórcio Patrimônio SP, liderado pela construtora Progen, obteve a concessão do estádio por 35 anos.

2020

Em 2020, depois da privatização, o Estádio do Pacaembu abrigou um hospital de campanha para doentes com a Covid-19. Operado por 588 profissionais do Hospital Albert Einstein, o estádio recebeu duzentos leitos e mais de 1.500 pacientes até ser desativado em 30 de junho.

Um ano depois, em 29 de junho de 2021, teve início a reforma no estádio com a derrubada do tobogã. No lugar da antiga arquibancada será construído um edifício multifuncional de nove andares (quatro deles serão subterrâneos). Um andar funcionará como passarela ligando as ruas que circundam o estádio, para melhorar a integração do estádio ao bairro, três serão ocupados por um hotel e os demais comportarão bares, restaurantes, cafés, lojas, escritórios, centro de convenções e uma arena para e-sports.

O projeto prevê a restauração da fachada do estádio e da arquibancada norte. As arquibancadas laterais leste e oeste serão reformadas para que sejam criadas áreas internas sob elas (similares às ocupadas hoje pelo Museu do Futebol), com banheiros e lanchonetes. Serão instalados 25 novos camarotes. O ginásio poliesportivo também será restaurado, recuperando o estilo original. A piscina permanecerá com acesso livre aos paulistanos, mas terá lanchonete, banheiros e vestiários renovados. O ginásio de tênis terá a sua cobertura original recuperada e as áreas internas restauradas.

O projeto paisagístico prevê o uso das espécies arbóreas do Pacaembu, como jacarandá, mangueira, pitangueira, figueira e abacateiro.

cobertura d’A Feira do Livro

Quem escreveu esse texto

Mauricio Puls

É autor de Arquitetura e filosofia (Annablume) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva), e editor-assistente da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #58 em fevereiro de 2022.