Fichamento,

Fichamento: Maxime Rovere

Professor de filosofia faz manual para ensinar a superar os babacas à nossa volta — a começar por nós mesmos

01maio2020 | Edição #33 mai.2020

O francês Maxime Rovere lançou pela Autêntica O que fazer com os babacas. O subtítulo — E como deixar de ser um deles — faz do livrinho um excelente presente para os amigos.

O que fazer com os babacas é um livro de autoajuda?
É uma paródia de autoajuda, porque a autoajuda propõe soluções rápidas e fáceis para problemas concretos. O livro compra a aposta de responder a uma situação de urgência (encontrar ou frequentar babacas) e se vale dos códigos da autoajuda: linguagem simples, frases-chave fáceis de decorar etc. Mas o aspecto paródico se desdobra num projeto sério: fazer filosofia, com conceitos sólidos, sem recorrer aos códigos acadêmicos — nada de referências, citações, notas de rodapé. Não é a filosofia “continental” que fazemos na Europa. O livro foi escrito no Rio de Janeiro. Introduz na filosofia a leveza e o humor que o Brasil me ensinou.

Qual é a diferença entre autoajuda e filosofia?
Esses gêneros são muito porosos: de perto, Sêneca e Nietzsche frequentemente estão respondendo às demandas da autoajuda, e certos livros de psicologia e espiritualidade têm grande valor filosófico. Mas há diferenças: os autores de autoajuda afirmam por vezes suas teses de maneira peremptória e até dogmática; desenvolvem argumentos logicamente frágeis, em geral empíricos; prometem resultados que os leitores jamais poderão atingir. A filosofia não tem essas fraquezas, mas tem outras: rigorosíssima logicamente, ela tem pouco impacto na vida das pessoas. Faz tempo que os professores de filosofia não são mais os mestres da sabedoria. Ora, o objetivo deste livro era acalmar o meu coração e me tornar um pouco mais sábio.

A filosofia pode ser babaca?
A atitude filosófica consiste em observar primeiro em nós mesmos como nos tornamos babacas. Se você identifica alguém como babaca, o sofrimento, a coerência, a humanidade da pessoa te escapam, e você gostaria que ela desaparecesse da face da Terra. Esse é o sinal de que você está começando a se tornar um babaca. A filosofia não foi feita pelas pessoas do bem contra as pessoas do mal, mas para superar essa divisão, partindo do princípio de que eu é que estou cometendo um erro de análise. E, se eu espero melhorar o meu estado pessoal, a situação política ou até o estado do mundo, é inútil sair berrando ao léu. É necessário trabalhar simultaneamente com os outros e de maneira reflexiva. Em outras palavras, é preciso estudar as interações. É o que eu chamo de filosofia interacional.

Como os babacas chegam ao poder? Como tirá-los de lá?
Um dos capítulos ataca a ideia segundo a qual seria injusto e anormal que pessoas incompetentes governem as demais. Infelizmente, isso é uma necessidade, ligada a uma questão de probabilidades. Qualquer babaca que chegue a um posto de responsabilidade é o reflexo do estado da organização a que pertence; e quanto mais baixo o nível da organização, mais idiota é quem está no comando. Por isso, na Revolução Francesa, Condorcet alertou que a democracia sem um sistema educacional para todos seria perigosa para a população. Mas essa ideia não deve nos tornar fatalistas. Ela apenas reforça a ação política apoiando-a em algo diferente da raiva.

A babaquice se beneficia da tecnologia?
A babaquice se beneficia de tudo, em especial dos circuitos de comunicação. Facebook, Twitter, grupos de WhatsApp etc. permitem às babaquices que se juntem umas com as outras, num efeito bola de neve. Mas também é a ocasião para que cada um compreenda como certas emoções são nocivas e contagiosas, e para aprender a interpretar as situações de fala, cuidar do próprio equilíbrio, enfim, se tornar um pouco mais filósofo e assim triunfar sobre pelo menos um babaca — si mesmo — para fazer o mundo melhor.

Quem escreveu esse texto

Paulo Werneck

É editor da revista Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #33 mai.2020 em abril de 2020.