Esporte,

Porque Copa é Copa

Precariedade do futebol no Brasil afasta jogadores e torcedores, cada vez mais voltados para a Europa, mas a paixão pela Seleção é eterna

20nov2018 | Edição #12 jun.2018

Tite acabou de divulgar sua seleção, mas as ruas não estão enfeitadas e camisas novas não estão sendo compradas. O clima é bem diferente do passado. Recente pesquisa do Datafolha confirma esse desânimo: 41% dos entrevistados dizem não ter interesse por futebol. O índice é dez pontos percentuais maior que o de pesquisada realizada há oito anos. 

Boa parte desse desinteresse vem da decadência do futebol jogado por aqui, em evidente contraste com as competições internacionais. Assistir a uma partida local após um jogo da Champions League é triste. Como se diz por aí, “são dois esportes diferentes”. Mas o Brasil continua sendo um grande exportador de jogadores, o maior “celeiro de craques”. A maioria dos grandes times europeus tem um brasileiro como titular. Na seleção deste ano, dos 23 convocados apenas três jogam aqui. Dos vinte “estrangeiros”, apenas um não joga na Europa.

Kombi para o Maracanã

Nasci numa família alvinegra. Pai romeno, remador do Botafogo, casou-se com uma brasileira botafoguense de raiz. Tios, irmãos, primos, todos cabiam na Kombi do tio que nos levava ao Maracanã no final dos anos 60. Como diz o grito da torcida, “Botafogo, meu destino, sua estrela e o seu brilho me chamaram, me atraíram”. 

Peguei uma fase gloriosa do futebol brasileiro. Tive o privilégio de ver Gérson, Jairzinho, Roberto e Paulo César jogando pelo Botafogo e pela melhor seleção de todos os tempos, a tricampeã de 70. O Botafogo continua sendo o time que mais jogadores deu para as seleções; foram 47. Mérito do alvinegro sim, mas uma estatística que perdeu sentido. Jogadores não têm mais fidelidade a uma equipe e trocam de camisa com frequência. Impossível vincular qualquer um deles a um único time. Nesse ritmo, poderá chegar o dia em que o Real Madrid terá cedido um número de jogadores para a nossa seleção equivalente ao dos clubes brasileiros. 

O troca-troca também atinge os treinadores. É comum serem demitidos bem no início da temporada do Brasileirão, sem tempo sequer para mostrar seu trabalho. No Reino Unido, Arsène Wenger acaba de deixar o Arsenal depois de 22 anos como técnico. Os resultados excepcionais de 2003-4 não foram repetidos, mas nem por isso o clube o dispensou. Sir Alex Ferguson foi por muitos anos o rosto do Manchester United. No Brasil, infelizmente, só é estável aquilo que já deveria ter mudado há tempos: a CBF, a violência nos estádios, o feudalismo das federações estaduais e o impossível horário dos jogos. Viramos o país da novela das nove. Não é à toa que deixamos de ser o país do futebol. 

Mas não adianta ficar nesse “no meu tempo era melhor”. O futebol mudou no mundo todo. A UEFA replica o sucesso da NBA e da NFL, que movimentam bilhões de dólares a cada temporada. A final da Champions League é mais vista do que a final da Copa e tem hoje audiência maior até do que a do Super Bowl. A geração mais jovem tem dois times: um aqui e outro na Europa. Times europeus hoje têm escolinhas no Brasil. As crianças aprendem a jogar no PSG ou Barcelona com a mesma naturalidade que um dia se frequentou a escolinha do time de coração dos pais. 

Deterioração e mau exemplo

Nós perdemos esse bonde. Campeonatos organizados, calendários previsíveis, ótimos estádios e administração profissional permitiram aos clubes europeus gerar receitas e um nível de investimento com o qual nosso futebol não tem como competir, e nem sequer tenta. Natural que os craques prefiram jogar no exterior. A exportação de jogadores é um importante negócio para os clubes brasileiros.

A deterioração foi lenta e previsível. Os clubes sempre dominados por cartolas não aceitam profissionalizar sua administração por razões óbvias. A desorganização e os desmandos da CBF são replicados nas federações — o mau exemplo vem de cima. Envolvida, assim como a FIFA, em escândalos de corrupção, a CBF não muda. Continua sem transparência e se tornou uma entidade privada para escapar do controle de suas contas. Privada e sui generis: apropriou-se das cores da bandeira e do hino nacional mas não paga nada por isso. Ganha em cima da paixão que nos une a cada quatro anos. 

Por coincidir com eleições presidenciais, toda Copa recebe uma análise que tenta juntar política e futebol. Eu não consigo. Desde a infância, futebol para mim é só futebol. Lembro-me da Copa do Mundo de 70 como se fosse hoje. Tinha doze anos, não entendia nada de política, mas ainda assim sentia o clima pesado em minha casa, o inconformismo de meus pais, a indignação de meus irmãos. 

Só sei que as promessas de boicotar a Copa do México por conta da ditadura terminaram com a compra de uma TV e a família reunida. No intervalo, a loura da Platinum Blond de voz sexy. No jogo contra a Inglaterra fui comemorar na rua e ouvi meu primeiro palavrão. Eu me senti adulta. E me deparei com meu irmão ativista e de esquerda enrolado numa bandeira do Brasil. Entre cada jogo, a revolta contra os militares ressurgia e nos recusávamos a cantar “eu te amo, meu Brasil, eu te amo”. Mas a Jules Rimet foi comemorada pra valer.

A Copa do Mundo faz milagres. Basta a Seleção entrar em campo que as rivalidades são postas de lado, ao menos por 90 minutos. Vou vestir minha camisa verde e amarela e sair por aí. Torcer, esquecer as eleições e a CBF. Copa é Copa. Seremos campeões.

Quem escreveu esse texto

Elena Landau

Economista e advogada, é sócia de Sergio Bermudes Advogados e presidente do Conselho Acadêmico do Livres.

Matéria publicada na edição impressa #12 jun.2018 em junho de 2018.