Repertório 451 MHz,

Virginia Woolf por inteiro

Sofia Nestrovski e Leonardo Fróes, que acabam de lançar novas traduções de ensaios de Woolf, falam da importância e da atualidade dos escritos da autora inglesa

16maio2025

Está no ar o 138º episódio do 451 MHz, o podcast dos livros. Este programa traz uma conversa com Sofia Nestrovski e Leonardo Fróes, dois escritores e grandes leitores de Virginia Woolf (1882-1941), que acabam de realizar as traduções para novas edições de ensaios da autora inglesa. 

No ano em que Mrs Dalloway, romance mais conhecido de Woolf, chega ao seu centenário de publicação, eles discutem a crescente influência da escritora na atualidade e a importância de seus escritos, destacando sua obra ensaística. Nestrovski e Fróes também compartilham bastidores do processo de tradução da prosa revolucionária da autora britânica. O episódio foi realizado com o apoio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais.

Escritora e tradutora, Sofia Nestrovski verteu para o português Um quarto só para mim, nova versão lançada pela Editora 34 de A Room of One’s Own, que já tinha sido publicado no Brasil por diferentes editoras com o título Um teto todo seu. Ela é autora de A história invisível (Fósforo, 2022), que atualiza o clássico Alice no País das Maravilhas para o século 21. Também é roteirista e apresentadora do podcast Vinte Mil Léguas, uma produção da Livraria Megafauna cuja primeira temporada foi realizada também pela Quatro Cinco Um.

Já Leonardo Fróes, além de tradutor, é poeta, crítico literário e jornalista. Já traduziu dezenas de livros do inglês, francês e alemão e, ano passado, teve sua tradução de Ensaios seletos, de Virginia Woolf, lançada pela Editora 34. Pela mesma editora, publicou Poesia reunida em 2021. Além disso, manteve durante mais de uma década colunas sobre meio ambiente nos antigos Jornal do Brasil e Jornal da Tarde

Cabeça de elefante

No episódio, Fróes conta que se embrenhou na obra ensaística de Woolf para selecionar os textos que fariam parte de Ensaios seletos. “A Virginia começa a escrever ensaio com pouco mais de vinte anos, já no principal jornal, o Times londrino. E seguiu escrevendo esses ensaios ao longo da vida, até um mês antes de morrer”, diz o tradutor, que selecionou textos de Woolf escritos entre 1905 e 1940, que cobrem os principais temas explorados na produção da autora inglesa. 

“Esses ensaios, pela abrangência dos temas, deixam entrever que a Virginia Woolf tinha uma cabeça de elefante, uma coisa extraordinária, porque ela dominava todos os assuntos, ela escrevia sobre os assuntos mais variados possíveis”, completa Fróes. 

Ele ainda destaca que muitos dos textos são dedicados a figuras femininas. “Ela [Virginia Woolf] faz uma espécie de arqueologia literária, ressuscitando muitas mulheres escritoras do passado que tinham caído no oblívio, no esquecimento total.”

Virginia hoje

Para Nestrovski, a obra de Woolf atrai novos leitores ainda hoje por causa da sua atualidade. “Acho que muita gente se apaixona pela Virginia Woolf porque se consegue ler toda a obra dela como um grande conjunto. Os ensaios conversam muito com a produção dela de ficção, que conversa muito com os diários”, acredita. “Uma coisa vai alimentando a outra e a maneira dela de construir um ensaio, por exemplo, tem muito a ver com a maneira de construir um texto de ficção.”

“Em Um quarto só para mim, ela começa criando uma cena, e vai criando uma série de personagens ficcionais para servir no lugar de argumentos lógicos. É muito maravilhoso de ler, porque é muito surpreendente ainda hoje. Ela tem uma escrita muito viva mesmo, acho que por isso que ela continua atraindo até hoje, porque ela é contagiante”, completa.

Novo título

Nestrovski ainda fala sobre como foi o processo para mudar o antigo título em português do famoso ensaio A Room of One’s Own, publicado originalmente em 1929. No Brasil, o livro ficou conhecido com o título Um teto todo seu em edições anteriores. 

“O ensaio não fala sobre ter um teto, de fato, a questão não tem a ver com a causa dos sem teto, não é disso que ela está falando. Ela tá falando sobre ter um quarto, poder se fechar dentro de um quarto para se concentrar e escrever. Então, eu já pensei que não caberia ficar nessa ideia do teto, tinha que trazer pra ideia do quarto”, explica. 

A tradutora comenta outras ideias de título que surgiram no processo. “Eu acho que literalmente a tradução teria que ser ‘Um quarto só pra si’, só que aí parece que a gente tá falando português de Portugal. Então, eu pensei que ‘Um quarto só para mim’ traz essa urgência de que as pessoas vão poder ver esse título e pensar: ‘nossa, eu preciso de um quarto só pra mim’.”

Prazer em traduzir

Como também são escritores, Nestrovski e Fróes respondem: traduzir dá o mesmo prazer que escrever?

“Eu só me tornei tradutor por necessidade de ganhar a vida, porque ninguém paga para alguém ser poeta”, diz Fróes. Mesmo assim, ele afirma encontrar grande prazer na “ginástica mental” que a tradução traz. 

“Eu já passei mais de um ano e meio traduzindo um livro. Então, é claro que isso passa a se tornar parte da minha vida. Eu me identifico de tal forma com o autor que estou traduzindo, que é como se eu estivesse fazendo aquilo”, ele conta. “E, de fato, o livro que eu estou traduzindo não existia antes em português. Então, o que eu estou fazendo em português, evidentemente, é um trabalho novo, por mais que ele seja submisso ao original.”

Nestrovski concorda e explica como costuma organizar seu trabalho como tradutora. “Um dos grandes prazeres para mim, na tradução, é montar a minha planilha de Excel de quantas laudas eu vou fazer por dia. Isso me dá um prazer que eu não tenho na escrita. A tradução exige um tipo de disciplina que me faz muito bem também”, afirma.

Ela ainda fala sobre a relação que acaba desenvolvendo com quem escreveu a obra na sua língua original. “Esses autores que a gente traduz, eles realmente viram nossos amigos. A gente convive muito de perto, é uma convivência muito íntima, a tradução. Eu já tive autores que eu traduzi que comecei a sonhar que eu era eles, e era tão legal”, diverte-se.

Um box só pra mim

Nestrovski também revela um método inusitado a que recorreu para conseguir traduzir um poema que faz parte de Um quarto só para mim. 

“Eu não conseguia chegar numa solução legal. Então, decidi traduzir ele no banho. Eu anotei a versão em inglês com canetão na parede do box e fiquei lendo para mim mesma, para o ritmo entrar na minha cabeça. E depois fui batendo o ritmo na mão e tentando em voz alta chegar numa solução para português”, conta. “Porque no banho é que vêm as melhores ideias.”

Livros do episódio

Saiba mais sobre os títulos que aparecem nesta edição do 451 MHz:

  • Um quarto só para mim (Editora 34, 2025). Publicado originalmente em 1929, este ensaio se baseia em duas conferências que Virginia Woolf deu em faculdades e trata da condição e da emancipação da mulher no Ocidente, da natureza e das vertentes da escrita feminina. Traduzida por Sofia Nestrovski, a edição traz ainda um ensaio em que a crítica e escritora mexicana Margo Glantz revisita o texto de Woolf à luz da condição feminina no século 21 e de uma série de escritoras latino-americanas.
  • Ensaios seletos (Editora 34, 2024). Reúne ensaios escritos por Virginia Woolf entre 1905 e 1940, com destaque para textos dedicados a autoras como Jane Austen, as irmãs Brontë, Christina Rossetti e Mary Wollstonecraft, que Virginia resgata e homenageia. Seleção, tradução, apresentação e notas de Leonardo Fróes.
  • O intruso (Benvirá, 2014). Romance do escritor norte-americano William Faulkner, publicado originalmente em 1948, narra a história de um fazendeiro negro no Sul dos Estados Unidos, que é acusado de matar um homem branco mas afirma ser inocente. Tradução de Leonardo Fróes. 
  • Mrs Dalloway (Autêntica, 2025). Com tradução de Tomaz Tadeu, o romance mais conhecido de Virginia Woolf narra um único dia da vida da famosa protagonista Clarissa Dalloway. A edição lançada em comemoração aos cem anos do clássico revisa a que venceu o Prêmio Jabuti 2013 na categoria Tradução.
  • O médico e o monstro (várias editoras). Publicado pela primeira vez em 1886, é um clássico do autor escocês Robert Louis Stevenson, que conta a história do médico em que habitam os famosos personagens dr. Jekyll e sr. Hyde.
  • Fronteira (Faria e Silva, 2021): Romance de estreia do escritor carioca Cornélio Penna (1896-1958), publicado originalmente em 1935, se passa numa cidade fictícia onde sonho e realidade se confundem. 
  • Lavoura arcaica (Companhia das Letras, 1989): Clássico de Raduan Nassar que completa cinquenta anos em 2025, conta em linguagem febril uma história familiar numa fazenda no interior do Brasil, marcada pela disputa entre um filho rebelde e a figura autoritária do pai.

Mais na Quatro Cinco Um

A edição #93 da Quatro Cinco Um traz um especial sobre Virginia Woolf e conta com a participação dos convidados deste episódio do 451 MHz. Leonardo Fróes escreve sobre as inovações geniais da escrita da autora inglesa, enquanto Sofia Nestrovski é entrevistada em uma reportagem de Marcella Franco sobre a atualidade da obra da escritora.

Colaboradora frequente da revista dos livros, em março Nestrovksi resenhou A Fábrica (Todavia, 2025), romance de estreia da autora japonesa Hiroko Oyamada. 

No ano anterior, ela esteve no 116º episódio do 451 MHz em uma conversa com o historiador e ensaísta português Rui Tavares. Entre outros assuntos, eles falaram sobre Agora, agora e mais agora (Tinta-da-China Brasil, 2024), livro de Tavares que narra um milênio de histórias, do mundo árabe antigo à Europa do século 21, e adapta o podcast de mesmo nome apresentado por ele. 

Já Leonardo Fróes esteve no vigésimo episódio do 451 MHz, em 2020, falando sobre como o ato de caminhar, restrito na época devido à pandemia, inspira poetas e pensadores desde a Antiguidade.Ouça aqui.

O melhor da literatura LGBTQIA+

Este episódio traz ainda uma sugestão literária da escritora e psicanalista Vera Iaconelli. Ela indica o romance Orlando, de Virginia Woolf, traduzido por Jorio Dauster e publicado em 2014 pelo selo Penguin-Companhia, da editora Companhia das Letras. 

“É um livro lançado em 1928 que causou burburinho, fascinação, certo escândalo, porque a personagem ou o personagem que dá nome à trama, ela vive séculos e no meio da trama muda de gênero. É um clássico extremamente ousado para a época e que traz questões que valem ser revisitadas”, resume a psicanalista .

Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+. 

O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um

Apresentação: Paulo Werneck
Produção:
Beatriz Souza
Edição e mixagem:
Igor Yamawaki
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe:
[email protected]

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