Canções do exílio, Literatura, Rebentos,
Gente-floresta, gente-mundo
Artista franco-uruguaia e crianças indígenas nos lembram que natureza e pessoas são uma coisa só
01out2024 • Atualizado em: 02out2024 | Edição #86 outHá cerca de 5 mil etnias espalhadas pelo mundo, com culturas, hábitos, vocabulários diferentes. Em Origem, crianças de 22 dessas etnias contam sobre o mundo que as rodeia. Buscam nos fazer entender que aquilo que vemos como simples rios, mares e florestas são entidades animadas, dotadas de pensamento, capacidades e desejos, dentre eles, aquele por relações de reciprocidade equilibradas e justas.
Os espetaculares desenhos da artista franco-uruguaia Nat Cardozo, em torno dos quais essas narrativas curtas gravitam, nos oferecem imagens claras dessa imbricação entre pessoas e mundo: rostos de crianças de cada um dos povos cobertos por montanhas, rios, casas, animais e florestas, que se integram harmonicamente às suas feições. São gente-rio, gente-mar, gente-floresta, gente-montanha, que, diferente de nós, não pensam a natureza como um domínio distinto, com o qual se mantém relações utilitárias e contemplativas. O mundo e as pessoas são uma coisa só. Chamamos a floresta de pai e mãe, diz a criança mbuti (Congo, África). “Eu sou o rio, o rio sou eu”, são as palavras dos ngãti hau (Maori, Aotearoa, Nova Zelândia) sobre o rio Whanganui.
Aprendem a viver em harmonia nos mais diferentes ambientes, seja naqueles que nos parecem ricos e frondosos, como as florestas tropicais dos orang rima (Indonésia) e dos yanomami (Brasil e Venezuela), ou nos que nos parecem mais hostis, como o deserto do Saara, onde perambulam os tuareg lendo o céu como um mapa, adivinhando o movimento dos ventos e os lugares onde se esconde a água. Vivendo em meio ao gelo e ao frio, a criança inuit (noroeste do Canadá) nos diz: “Nossa paisagem gelada está cheia de vida”. Ou, nas palavras da criança evenki, do norte da Ásia: “Todos os seres vivos têm uma alma, chamada omi. Assim como a montanha, o rio, o fogo.”
Leitura obrigatória
Ao final, após um mapa-mundi ilustrado em que podemos ver a localização de cada uma das etnias retratadas, o livro muda de tom e nos apresenta os desafios históricos e atuais vividos por esses povos, consequência das mudanças climáticas e da exploração de seus territórios por não indígenas, que fazem das entidades que povoam o mundo simples fontes de recursos e dinheiro.
Os cherokee tiveram parte de sua população exterminada durante uma migração forçada pelo governo dos Estados Unidos no século 19, que queriam suas ricas terras originais; os sami, na Noruega, lutam atualmente contra um parque eólico que os impede de criar suas renas; os inuit sofrem com o derretimento da neve e os yanomami com a degradação ambiental e doenças decorrentes da exploração ilegal de ouro.
Desenhos espetaculares apresentam 22 povos, e o livro traz desafios históricos e atuais vividos por eles
Origem deveria ser leitura obrigatória para estudantes, e ponto de partida para pesquisas individuais ou em grupo, que os permitissem aprofundar os seus conhecimentos sobre os povos ali retratados e as ameaças que sofrem hoje. E sobretudo como estímulo a voltarem o olhar para os povos indígenas do Brasil (representados no livro somente pelos yanomami), cujas vidas e desafios são detalhadas em livros e vídeos produzidos pelos próprios indígenas (muitos deles reunidos na coleção do Vídeo nas Aldeias), ou por antropólogos e cineastas parceiros.
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A sua luta, nos lembra a autora, é de todos nós, pois vivemos em um só mundo, e são os povos originários, meros 5% da população do planeta, os responsáveis pela preservação de ao menos 80% da biodiversidade terrestre. O livro deixa claro que sem esses povos não haverá futuro. Sua leitura é, no mínimo, urgente.
Matéria publicada na edição impressa #86 out em outubro de 2024. Com o título “Gente-floresta, gente-mundo”
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