Ilustrações de Marcelo Tolentino (Divulgação)

Literatura infantojuvenil, Rebentos,

Aprender com o poeta

Bertolt Brecht se vale do nonsense para criticar o militarismo e os sistemas opressores em fábulas rimadas para crianças

01ago2024 • Atualizado em: 02ago2024 | Edição #84

Se as fábulas tradicionais de Esopo e La Fontaine relatavam acontecimentos exemplares com finalidade moralizante, o mesmo não se pode dizer dos textos que compõem esses Versos de bichos, escritos por Bertolt Brecht para seu filho Stefan, em 1934. Ainda que se assemelhem no formato conciso e versificado, trazendo animais como personagens em funções alegóricas, o estilo lacônico e irônico com que o autor trata os temas políticos e a crítica social em muito se diferenciam das fábulas iluministas. Aproximando-se do nonsense, o jogo de palavras diverte ao mesmo tempo que contesta o militarismo, as religiões e os sistemas opressores, tecendo um bonito elogio à liberdade.

Estamos, afinal, diante de um dos mais importantes escritores alemães do século 20, que escreveu drama, poesia, prosa, ensaios, roteiros e atuou como diretor de teatro, tendo suas peças traduzidas e encenadas em vários idiomas. Perseguido pelos nazistas devido a sua proximidade com o movimento comunista, Brecht só volta para a Alemanha depois do fim da Segunda Guerra Mundial. No texto que apresenta o autor nas páginas finais do livro, lemos:

Brecht nunca se colocou como porta-voz do partido ou do governo, já que para ele os políticos é que deveriam aprender com o poeta enquanto representante do povo.

Nota-se em Versos de bichos que a fusão da militância política com o livre exercício poético gera um estilo irreverente, que respeita a inteligência do leitor, qualquer que seja sua idade.

Este não é o primeiro texto de Brecht publicado para crianças no Brasil. Se os tubarões fossem homens (Olho de Vidro, 2018), com o conhecido poema do autor e ilustrações de Nelson Cruz, traz projeto gráfico e ilustrações que compõem uma narrativa paralela, tornando sua poética ainda mais acessível aos pequenos leitores. Já em Versos de bichos não temos exatamente uma segunda história narrada visualmente, mas sim ilustrações ao estilo naturalista, compostas de modo nonsense.

Estranhamentos

Marcelo Tolentino explora a dimensão dos desenhos nas páginas duplas, de modo a destacar exageros e provocar estranhamentos. Além dos animais presentes nos textos — águia, corvo, tigre, ouriço, tatu–bola, galinha, camelo, elefante, naja, enguia, entre outros — suas ilustrações incluem abelhas e formigas que aparecem, praticamente, em todas as imagens. Na página que apresenta o ilustrador e a tradutora, Maria Gutierrez, as formigas reaparecem segurando o bico de uma caneta tinteiro. São também estes dois animais minúsculos e trabalhadores que aparecem como máscaras nas mãos de um homem e de uma mulher ilustrados nas guardas que abrem e fecham o livro. Seriam imagens do ilustrador e da tradutora, que trabalharam criativamente, a partir do texto de Brecht? A resposta importa menos que a provocação.

A fusão da militância com o livre exercício poético gera um estilo que respeita a inteligência do leitor

Procedimento artístico similar é usado por Tolentino na capa e contracapa do livro. A imagem de pessoas vestindo máscaras de animais que compõem os textos, de mãos dadas e com os braços erguidos, como que saudando o público, pode ser lida tanto como uma referência ao aspecto
alegórico da poética brechtniana, quanto como uma homenagem ao seu teatro épico.

Vale ressaltar que a tradutora, especialista em Brecht, considera a tradução deste livro a mais prazerosa que já fez da obra do autor alemão. Segundo ela, o texto é muito divertido e, tratando-se de poesia em verso livre, sua margem de invenção e liberdade foi grande. “Pensar em palavras e rimas e tornar acessível algo de Brecht ainda inédito para o público brasileiro foi uma alegria imensa”, conta Gutierrez.

Quem escreveu esse texto

Cristiane Tavares

É crítica literária, coordena a pós-graduação Literatura para crianças e jovens no Instituto Vera Cruz (SP).

Matéria publicada na edição impressa #84 em agosto de 2024.

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