Literatura infantojuvenil, Rebentos,
A grande praia da imaginação
Personagens inusitados e banhistas comuns convivem sob o sol escaldante no livro premiado da chilena Sol Undurraga
01mar2025 • Atualizado em: 27fev2025 | Edição #91 marA praia é um daqueles livros grandes, coloridos e com capa dura que passam por nós como um ímã: a gente pega, gruda e não quer largar. Fiel ao tamanho da edição original francesa (28 por 36 centímetros), a publicação da novíssima editora Barbante, de Curitiba, tem acabamento impecável. Já na capa, a dimensão dos banhistas, cujas cabeças não cabem no espaço do papel, indica a magnitude do que virá.
O livro da chilena Sol Undurraga ganhou os prêmios Opera Prima, na Feira do Livro Infantil de Bolonha de 2018, e Green Island, no coreano Nami International Picture Book Contest de 2019. Na obra, os corpos em seus mais variados formatos, jeitos e cores ocupam lugar central, povoando as páginas de modo peculiar. Chegamos à praia com uma revoada de gaivotas que sobrevoa as guardas do livro. Em seguida, um lembrete aparece à esquerda da página de rosto: “não esquecer”. A lista do que não se pode deixar de levar para a praia é apresentada apenas com imagens: protetor solar, óculos de sol, água, sanduíche, um livro, baldinho de areia, um patinho de plástico e, claro, seu próprio corpo! Pronto, está feito o convite irrecusável para se lambuzar ou cochilar na areia, saborear uma boa leitura, tomar um sorvete, dar um mergulho no mar, velejar, pescar…
Um enredo verbal simples narra, hora a hora, o passar de um dia numa praia não identificada, desde o raiar do sol até o anoitecer. A narrativa ganha amplitude nas divertidas ilustrações, que não se limitam
a mostrar apenas o que o texto conta, acrescentando nonsense e aventura. São composições gráficas que convidam a olhar cada detalhe e descobrir a presença de personagens inusitados em meio aos banhistas, pescadores e demais frequentadores da praia: um homem segurando sua cabeça-balão; uma procissão cujo andor entrona um ser psicodélico de calção branco; um pato dirigindo um zepelim; uma pobre galinha enquadrada por policiais; um jacaré pet; uma embarcação de bichos, que mais lembra uma arca de Noé, e até o Capitão Gancho, cercado por uma orca. O real e o imaginário convivem sob o sol escaldante e na imensidão do mar.
Há lugar para todos os corpos, humanos ou não, e encontros possíveis e impossíveis
Há fronteiras espaço-temporais rompidas, se o leitor observar com atenção os detalhes das ilustrações: o fundo do mar, com suas algas, moluscos e castelos encantados emerge ao lado de surfistas e nadadores; alpes nevados e vulcões em erupção à beira-mar, bem pertinho de pessoas e dinossauros; carruagens antigas guiadas por homens de terno e chapéu na mesma via por onde trafegam ciclistas velozes com seus capacetes. Outras subversões, considerando-se leitores mais conservadores e moralistas, também chamam a atenção: banhistas nus se divertem em uma embarcação, enquanto em outro barco um casal de homens se beija, diante de um padre no alto da cabine e das lentes fotográficas de uma freira pendurada na proa.
Onde está Wally?
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É bem possível que determinada geração de leitores associe A praia à divertida série Onde Está Wally?, do britâncio Martin Handford. A paleta de cores — azul, vermelho, amarelo, preto e branco —, as páginas lotadas de personagens tão singulares e, ao mesmo tempo, tão parecidos, e a busca inevitável por reencontrar alguns deles na página seguinte são algumas semelhanças entre os dois livros.
A praia traz, no entanto, mais do que uma deliciosa experiência leitora de entretenimento. Convida ao raro tempo da contemplação não passiva, da diversão e do relaxamento, como se estivéssemos mesmo numa espreguiçadeira, sem compromissos diários. Convoca a imaginação a romper com estereótipos, hierarquias, linearidades: há lugar ao sol para todos os corpos, humanos ou não, e encontros possíveis e impossíveis, a depender do grau de liberdade imaginativa que se permita cada leitor.
Matéria publicada na edição impressa #91 mar em março de 2025. Com o título “A grande praia da imaginação”
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