Meio ambiente,
Como parar a destruição
Livro relembra momento em que o Brasil alcançou a maior redução de desmatamento da Amazônia da história e revela os desafios do presente
26ago2024 | Edição #85Com o sol do Cerrado, a imagem naquele 1° de janeiro de 2023 refletia milhares de pessoas na Esplanada dos Ministérios, acompanhando a subida na rampa do Palácio do Planalto. De braços dados com o cacique Raoni, o presidente recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva subia pela terceira vez, em um momento emblemático que simbolizava a interrupção da escalada violenta, autoritária e ecocida iniciada em 2018 com o então presidente Jair Bolsonaro. Pela primeira vez na história, um presidente se comprometia a trazer os povos originários para dentro do governo.
Recém-publicado pela Companhia das Letras, O silêncio da motosserra: quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia reúne perspectivas de duas pessoas imersas no debate, dentro e fora, das políticas ambientais do país: o jornalista Claudio Angelo, autor de A espiral da morte: como a humanidade alterou a máquina do clima, também pela Companhia das Letras, e o engenheiro florestal Tasso Azevedo, principal arquiteto do Fundo Amazônia e de políticas públicas importante para o controle do desmatamento. Ao ler as primeiras páginas, fica evidente o desafio de escolher quais histórias destacar. Devemos começar pelo início ou pelo fim?
Uma narrativa convidativa, que nos provoca a olhar o passado e entender o presente político do Brasil, o livro recupera histórias e caminhos preciosos sobre a urgência de se continuar lutando pela preservação da Amazônia e serve como um guia indispensável para entender os desafios do presente e as oportunidades futuras em relação à crise climática. Nas mais de quatrocentas páginas, Angelo e Azevedo nos contam como, entre 2005 e 2012, o Brasil promoveu uma redução inédita nos níveis de devastação na maior floresta tropical do mundo, e o resultado foi a mudança radical da como encaramos a proteção desse ecossistema.
O presente
A obra é baseada em uma extensa pesquisa documental e conta com quase duzentas entrevistas com figuras centrais da história recente da Amazônia, que inclui desde cientistas e ativistas até lideranças indígenas e ex-presidentes da República. Os autores detalham o processo que, partindo de décadas de devastação desenfreada, repercute até o momento decisivo para o enfrentamento da crise climática: o presente. Como conta Angelo na apresentação:
Até 2022, haviam sido desmatados na Floresta Amazônica 768 mil km², ou um quinto do bioma. Em área, é o segundo grande ecossistema natural mais rapidamente devastado da história da humanidade; perde apenas para seu vizinho, o Cerrado, que já viu metade de seus 2 milhões de km² virar fumaça. O que nós levamos quase cinco séculos para destruir na Mata Atlântica, o bioma mais arrasado do Brasil, destruímos na Amazônia em meros cinquenta anos.
Angelo dedica-se a cobrir a agenda ambiental brasileira há décadas. Sua familiaridade com o tema e com os entrevistados fica evidente, além de sua relação com as histórias que conta.
Entre 2005 e 2012, o Brasil promoveu uma diminuição sem precedentes nos níveis de devastação na floresta
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Uma dessas histórias é a do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. Em 2002, o governo Lula nomeou a senadora ambientalista Marina Silva para liderar a área ambiental, a promessa de que a agenda seria diferente, discurso repetido em 2023, no terceiro governo petista. No entanto, em todas as gestões, havia uma floresta no meio do caminho.
Conforme relatam os autores, em 2003, a então equipe do Ministério do Meio Ambiente começou a trabalhar na construção do plano, a ser apresentado ao presidente Lula e lançado em março do ano seguinte.
O plano visava mudar completamente a maneira como o governo atuava na Amazônia. Com base em todo o conhecimento acumulado sobre a economia da fronteira e sobre os motores do desmatamento, o ppcdam envolveria ações em quatro eixos: ordenamento territorial e fundiário, para coibir a grilagem de terras que incentivava o saqueio à madeira da floresta e aos nutrientes do solo pela agropecuária; monitoramento e controle, para iniciar uma presença ostensiva do Estado nas zonas críticas de devastação; fomento a atividades produtivas sustentáveis — o mais pretensioso deles, que visava a mudança da economia da região; e infraestrutura sustentável, que acabou incorporado ao terceiro eixo.
Para falar sobre tal plano, Angelo contou com o apoio de Azevedo, coautor da obra. “O relato das políticas de combate ao desmatamento deste livro se dá em grande medida através dos olhos de Tasso, a partir do que ele viveu como auxiliar de Marina Silva e de seu sucessor, Carlos Minc”. Explica Angelo:
Entre 2005 e 2012, o Brasil logrou uma redução contínua e sustentada das taxas de desmatamento na Amazônia, algo considerado impossível no começo do século. A queda na velocidade das motosserras foi de 83% no final desse período em relação a 2004, o que levou o país a cortar suas emissões de gases de efeito estufa em 1,2 bilhão de toneladas de gás carbônico. Foi uma das maiores contribuições dadas por uma única nação no combate ao aquecimento da Terra até aquele momento.
Atacar o desflorestamento e tentar salvar a Amazônia da sina da Mata Atlântica foi uma decisão do Brasil
Mais do que isso, atacar o desmatamento e tentar salvar a Amazônia da sina da Mata Atlântica foi uma decisão do Brasil. Estabeleceu-se um consenso contra o desflorestamento em parte da sociedade brasileira, com forte apoio dos meios de comunicação. Ele está longe de ser perfeito e provou não ser unânime, como “pudemos desgraçadamente notar nos anos de governo de Jair Bolsonaro”. Mas, durante os quatro anos do último governo, contam os autores, “as pressões internacionais, respondendo a denúncias da sociedade civil brasileira, foram fundamentais para conter os ímpetos piromaníacos de Jair e seus generais”.
Documento doloroso
Ambientalistas, políticos e cientistas podem achar doloroso relembrar as histórias que estão neste livro. Mas a leitura será ainda mais difícil para quem nunca soube delas e descobre que estivemos tão melhor no passado, já que a pauta sobre desmatamento e Amazônia aparecia pouco em telejornais de horário nobre quando as coisas iam bem. A história que tornou o Brasil um país fundamental para o enfrentamento ao aquecimento da Terra.
É possível parar a devastação da Amazônia. O silêncio da motosserra não é uma obra apenas sobre o desmatamento da floresta, e sim documento sobre o importante papel do movimento socioambiental brasileiro e seus pouquíssimos aliados políticos na defesa da floresta e de quem nela ainda resiste e habita.
Matéria publicada na edição impressa #85 em setembro de 2024.
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