Literatura infantojuvenil,

Vaivém das letras

Dois livros resgatam a revigorante sensação de descobrir e explorar a intimidade com a língua materna

01out2020 | Edição #38 out.2020

História real: grávida de Otto, Clarice, leitora desta publicação, torceu para que seu filho não viesse ao mundo em 02/02/2020 — de palindrômico bastava o nome do bebê. Já na ficção, duas Anas recém-paridas pelo mercado editorial brasileiro não escondem o entusiasmo ao descobrir a existência do palíndromo — junção dos termos gregos palin, “em sentido contrário”, e dromo, “percurso”, é qualquer expressão que possa ser lida da esquerda para a direita e vice-versa. 

Ilustração de Fernando Vilela

Em Ana e os palíndromos, o texto enxuto dá mais foco a tais palavras, realçadas ainda nas ilustrações do autor, o artista plástico paulista Fernando Vilela — que, vale observar, ilustrou dezenas de livros infantojuvenis, venceu dois prêmios Jabuti e tem obras em acervos de museus renomados como o MoMA, em Nova York. Sua Ana se diverte em uma tarde no sítio, na companhia do avô, com animais que suscitam palíndromos como “a vaca cava” e “o galo ama o lago”, este último de autoria do cartunista Millôr Fernandes.

Ilustração de Hallina Beltrão

Músico estreante na literatura, o carioca Fred Bellintani também explora seus dons artísticos em A domadora de palíndromos, cuja prosa, acompanhada das vivas ilustrações da pernambucana Hallina Beltrão, é cadenciada e repleta de rimas. É também mais extensa, fazendo um diligente caminho antes de chegar ao primeiro palíndromo, o singelo ovo, palavra que, lida no reflexo do espelho, é responsável pelo despertar da criança para o novo universo lexical. A história explora a metáfora da menina “domadora de leões léxicos”, pois palíndromos são “bichos difíceis de serem presos”.

Enquanto o aprendizado da Ana de Bellintani é exposto gradualmente ao longo da breve trama, o didatismo do livro de Vilela aparece ao fim, em forma de apêndice. Além de apresentar a explicação e a etimologia da palavra palíndromo, ele lista e credita todos aqueles que aparecem no livro, dedicando ainda um espaço a outros, não utilizados, de diferentes autorias.
Felizes adições às bibliotecas infantis, os livros resgatam a revigorante sensação, há muito empoeirada nos adultos, de descobrir e explorar a intimidade com a língua materna.

 Este texto foi realizado com o apoio do Itaú Social

Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Matéria publicada na edição impressa #38 out.2020 em setembro de 2020.