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O curumim que enxergava demais
Menino indígena nos lembra que a luta pela preservação dos povos originários é uma luta pela própria vida
01abr2025 • Atualizado em: 31mar2025 | Edição #92O livro O curumim que só enxergava no escuro apresenta uma narrativa envolvente e simbólica sobre os impactos ambientais e sociais enfrentados pelos povos indígenas. A história gira em torno de Piatã, um jovem curumim que possui uma característica peculiar: ele não enxerga durante o dia, apenas à noite. A partir dessa condição, a aldeia se mobiliza para compreender a origem dessa cegueira parcial, e o pajé convoca os anciões para debater o caso, demonstrando a importância da sabedoria ancestral nas decisões coletivas.
O pai de Piatã, o cacique Ubiratã, atribuiu a cegueira do curumim a uma maldição dos invasores para que seu povo fique sem um chefe que os defenda depois de sua morte e os conduza de volta às terras de seus ancestrais, de onde tinham sido expulsos há muitos e muitos anos.

No desenrolar da trama, Apoema (“único da aldeia que tinha estudado na universidade”) sugere que a condição de Piatã pode estar ligada à contaminação por mercúrio decorrente do garimpo ilegal. Desse ponto em diante, o livro mergulha em um debate crítico sobre as consequências do desmatamento e da poluição dos rios, trazendo à tona um dos grandes desafios enfrentados pelos povos indígenas na atualidade. A narrativa não apenas expõe os impactos ambientais e de saúde causados pelo garimpo, mas também aponta a responsabilidade do governo, que muitas vezes negligencia essas questões em nome do chamado “progresso”.
A história ressignifica a condição de Piatã, transformando sua cegueira diurna em um sinal espiritual. Os anciões compreendem que ele foi enviado pelos ancestrais como um protetor da floresta, alguém que, guiado pela lua cheia, tem a missão de impedir a destruição de seu território e do seu povo. Esse desfecho reforça a relação dos povos indígenas com a espiritualidade e a natureza, onde sinais e dons são interpretados como parte de uma conexão maior com os encantados e os espíritos ancestrais.
Mais do que contar uma história, esse livro reafirma que a floresta tem guardiões
Outro ponto interessante da história é o aprendizado de Piatã sobre suas próprias cultura e língua. Esse aspecto ressalta a importância da valorização da identidade indígena e da transmissão de saberes entre gerações. O livro, portanto, não apenas denuncia as ameaças ao meio ambiente e aos povos originários, mas também celebra a resistência e a força dessas comunidades.
Depois de contar a Piatã a história do seu povo, Cauê passou a lhe ensinar a sua língua, o Caribê. E disse que a missão de Piatã não era só expulsar os madeireiros invasores que devastavam a floresta e os garimpeiros que envenenavam os rios, era também a de levar seu povo de volta às terras de seus ancestrais no grande rio, e de restaurar a sua língua porque um povo só existe dentro de sua própria língua.
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Com uma narrativa envolvente e cheia de significados, o livro do jornalista e cientista político Bernardo Kucinski vai além de uma simples história; é um chamado à consciência, um convite para enxergar o mundo com os olhos da ancestralidade. Através da jornada de Piatã, o autor nos lembra que a luta pela preservação da floresta e dos povos originários é uma luta pela própria vida.
O curumim que só enxergava no escuro não se encerra com um final absoluto, mas com a celebração de uma vitória coletiva que, no entanto, não representa o fim da luta. A resistência indígena e quilombola continua, pois sempre haverá um novo dia, um outro amanhã para lutar e proteger o que é sagrado.
A literatura tem o poder de revelar verdades ocultas, despertar sensibilidades e fortalecer resistências. Em tempos de destruição ambiental e ameaças aos direitos indígenas, obras como essa se tornam essenciais para educar, inspirar e mobilizar. Mais do que contar uma história, esse livro reafirma que a floresta tem guardiões, que o futuro se constrói com memória e que sempre haverá um novo amanhecer para lutar.
Matéria publicada na edição impressa #92 em abril de 2025. Com o título “O curumim que enxergava demais”
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