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Escolher o próprio fim

Jonathan Safran Foer apresenta um passo a passo de como podemos ajudar a salvar o planeta

01set2020 | Edição #37 set.2020

“Nem todo desmatamento tem a mesma relevância.” É assim que Jonathan Safran Foer intitula uma seção de Nós somos o clima: salvar o planeta começa no café da manhã dedicada a apontar como a política atual do Brasil investe e apoia uma legislação que abre caminho para a destruição da Amazônia, na qual a “agricultura animal” já é responsável, segundo o autor, por 91% do seu desmatamento. 

Essa é a única seção do livro dedicada a um país específico (que não os Estados Unidos) e a uma floresta e um presidente em especial. O Brasil é o caso singular a ser destacado nas 288 páginas desse livro, resultado de anos de pesquisa sobre as relações entre o consumo de produtos vindos da agricultura animal e seu altíssimo impacto para o desmatamento e o aquecimento global.
Foer fez uma pausa em sua carreira nos romances para se dedicar a estudar, escrever e publicar não ficção, primeiro em 2009, com Comer animais (lançado no Brasil em 2011), e no ano passado, com Nós somos o clima, que sai agora pela editora Rocco.

Morador do bairro hipster do Brooklyn, em Nova York, e pai de duas crianças pequenas, Foer era “apenas” um escritor jovem quando ficou famoso por sua primeira ficção, Tudo se ilumina (2002), traduzido para dezenas de línguas e adaptado para o cinema pelo ator Liev Schreiber em 2005. Autor de dois outros romances, Aqui estou e Extremamente alto & incrivelmente perto, também publicados pela editora Rocco, Foer diz que o movimento que o levou para a não ficção foi impulsionado pelo nascimento do seu primeiro filho. Como alimentá-lo e educá-lo e, principalmente, como contribuir para que o mundo no qual seu filho crescesse não fosse pior do que aquele no qual o próprio Foer tinha vivido. Comer animais foi a resposta que encontrou para todas as perguntas que se fazia sobre as escolhas que teria pela frente.

Nessa obra, Foer se aproxima do leitor ao se colocar o tempo todo na narrativa. Ele conta, por exemplo, como sua avó judia, que fugiu da Polônia pouco antes da ocupação nazista, o fez pensar ainda mais nessas escolhas. Ela resistiu a comer um pedaço de carne de porco quando este era a única opção disponível para saciar sua fome. “Mas nem mesmo para salvar a sua vida?”, perguntou. “Se nada importa, não há nada a salvar”, escreve em um dos capítulos iniciais do livro. Comer animais repetiu o sucesso e a popularidade de seus livros de ficção, foi traduzido para dezenas de línguas e virou documentário produzido e narrado pela atriz Natalie Portman, em 2017.

Os horrores da “agricultura animal” e suas consequências são tematizados desde Libertação animal, de Peter Singer (1975), e uma fila de livros e documentários conta e reconta a tragédia que criamos com essa indústria que só vimos crescer. E por que nada mudou?

Inacreditável

Nas primeiras páginas de Nós somos o clima, o autor discute nossa incapacidade de acreditar em eventos “inacreditáveis”, como o holocausto durante a Segunda Guerra Mundial ou o nosso fim em um mundo poluído e exaurido de seus recursos naturais e que se tornará inabitável. “Sabemos que estamos escolhendo o nosso próprio fim; mas não conseguimos acreditar nele.”

Tenha menos filhos, ande menos de carro e de avião e consuma menos produtos de origem animal 

Foer volta a explorar a história da sua avó. Quando ela fugiu da Polônia dias antes de o exército nazista chegar, não conseguiu convencer ninguém ao seu redor a segui-la e acabou deixando para trás seus quatro avós, sua mãe, seus irmãos, seus primos e seus amigos. Todos sabiam o que estava acontecendo, mas não “acreditavam” que isso aconteceria com eles. Assim, ninguém achou que deveria agir, escreve Foer. Apenas sua avó sobreviveu.

Foi a questão de agir que levou o professor de escrita criativa da New York University a publicar Nós somos o clima. Desde 2009, o espaço para o ativismo em sua vida aumentou: é membro do conselho da organização Farm Forward, que o apoiou na pesquisa para Comer animais, e recentemente integrou a equipe de voluntários da 350.org (organização ambiental internacional que luta para acabar com a crise climática). Além disso, dá palestras nas escolas de sua vizinhança ou onde quer que seja convidado sobre o tema, abordando desde as relações entre agricultura animal e o consumo humano desses produtos até o desmatamento global e as mudanças climáticas.

Em Nós somos o clima, além de reunir muitos dados que mostram a relação direta entre o agronegócio, o desmatamento das florestas, a perda da biodiversidade, o abuso dos recursos naturais e outros fatores que aceleram o aquecimento global e a mudança climática, Foer propõe um plano individual a ser seguido pelo leitor.

Tenha menos filhos, ande menos de carro e de avião e consuma menos produtos vindos da agricultura animal: são esses os quatro passos propostos por ele, que explica com números a razão dos preceitos. “Quando é preciso haver uma mudança radical, muitos dizem que é impossível impulsioná-la com ações individuais, e por isso qualquer tentativa seria em vão. Esse é o exato oposto da verdade: a impotência da ação individual é uma razão para todo mundo tentar.”

Foer não defende o fundamentalismo vegano nem exige um boicote total a tudo isso, mas sustenta que, se a cada vez que tivermos de fazer uma escolha sobre como nos deslocarmos ou sobre o que comer no almoço e pararmos para pensar no nosso futuro neste planeta, certamente faremos a escolha certa. Pode não ser sempre, mas, muito provavelmente, na maior parte das vezes.

É um pouco o que Andy Shovel e Pete Sharman, dois empreendedores ingleses que lançaram em junho de 2019 mais uma marca de “carne vegetal”, advogam: seja um mau vegano, mas continue tentando. Há cálculos que afirmam que abdicar de um bife significa salvar 73 árvores, sem contar o que se economiza em uso de solo e água limpa. E em 2020 ainda descobrimos um vírus novo que causou uma pandemia. E sua origem está no consumo de carne. Não precisamos continuar assim, certo?

“Ao dar o salto necessário — que não é um salto no escuro, mas uma forma de ação — faríamos mais do que salvar o plantea. Nos tornaríamos dignos de salvação.” Mas, como afirma o autor norte-americano, é possível dar um passo de cada vez. Só que é preciso dar esse passo. Porque “o preço da esperança é a ação”.

Quem escreveu esse texto

Izabela Moi

É diretora executiva da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.

Matéria publicada na edição impressa #37 set.2020 em julho de 2020.