

Repertório 451 MHz,
Poesia do cotidiano
Paloma Vidal fala sobre a escrita como processo contínuo e a transformação de fragmentos do seu blog na coletânea de poemas Lugares onde eu não estou
14mar2025Está no ar o 451 MHz, o podcast dos livros. Neste 131º episódio, a convidada Paloma Vidal fala sobre seu último lançamento, a coletânea Lugares onde eu não estou (7Letras, 2024), que reúne poemas e textos em prosa publicados originalmente em seu blog entre 2010 e 2017. No programa, a escritora reflete sobre como um projeto literário pode se construir a partir de fragmentos escritos ao longo dos anos, sem conexões aparentes e com formas distintas — ela mistura poemas, crônicas e diários, que ao serem reunidos revelam um percurso literário singular. O episódio foi realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura.
Poeta e escritora, Paloma Vidal também é tradutora e professora de teoria literária na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Nasceu em Buenos Aires, em 1975, mas vive no Brasil desde os dois anos de idade. Sua produção literária é variada, indo desde ensaios a romances, peças teatrais e coletâneas de contos e de poemas. Ela estreou com o volume de contos A duas mãos (7Letras, 2008) e depois publicou pela mesma editora o romance Algum lugar (2009), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura no ano seguinte.

É ainda autora do romance Mar azul (Rocco, 2012), da coletânea Três peças (Dobra Editorial, 2014) e do ensaio Não escrever [com Roland Barthes], publicado em 2023 pela Tinta-da-China Brasil, selo editorial da Associação Quatro Cinco Um. Sua coletânea recém-publicada, Lugares onde eu não estou, traz reunidos os volumes de poesia Durante, Dois (ambos de 2015), Wyoming e Menini (ambos de 2018), que saíram pela 7Letras, além dos inéditos Dublês e Arranjos. Além de sua atuação acadêmica e como tradutora de autores como Clarice Lispector, Margo Glantz e Pierre Péju, Paloma explora diferentes formas de escrita e publicação, transitando entre gêneros e explorando diferentes formatos.
Um espaço de experimentação literária que ela mantém desde 2010 é o blog Escritos Geográficos, com poemas, crônicas e textos em outros formatos postados no dia a dia. Esse processo contínuo de escrita faz do espaço uma espécie de diário de viagem do seu fazer literário.
Escrita fragmentada
Nascido das postagens do blog, Lugares onde eu não estou reflete a escrita como uma “obra em progresso”, em constante transformação. Paloma Vidal descreve a coletânea como um percurso construído ao longo dos anos, a partir de textos que foram surgindo no fluxo da vida.
“Os textos foram escritos em momentos distintos, mas, ao serem reunidos, acabam criando um percurso. A estrutura não foi planejada desde o início, mas surgiu da continuidade do projeto”, explica. Para ela, a leitura também não precisa seguir um caminho fixo. “O leitor pode ler na ordem que quiser, pode parar e voltar, pode encontrar conexões que talvez eu mesma não tenha percebido.”
Mais Lidas
A passagem dos textos do blog para o impresso manteve a característica de um projeto aberto, mas deu outra materialidade à escrita, diz a autora. “Às vezes, parece um diário, às vezes, uma coletânea de poemas. Os textos foram escritos sem a intenção de formar um livro, mas quando reunidos, passaram a ter outra forma.”
Ao comentar as diferenças da escrita no espaço virtual, Paloma aponta que ele permite um outro tipo de liberdade, mais espontânea e pessoal. “O blog tem essa coisa meio pública, meio privada. Sei que tudo que coloco ali pode ter um leitor, mas ao mesmo tempo, é um espaço mais íntimo, que não depende de uma mediação editorial”, diz no episódio.
Registro e apagamento
Lugares onde não estou também dialoga com a ideia de registro e apagamento, questão que Paloma Vidal percebeu ao escrever continuamente no blog por mais de uma década. “Muitas vezes, textos publicados anos atrás continuam ecoando no presente, enquanto outros desaparecem, como links quebrados ou referências que já não existem mais”, reflete.
Esse desaparecimento de parte dos registros fez com que a autora pensasse na passagem do digital para o impresso como um processo que não apenas preserva os textos, mas também os ressignifica. Apesar disso, ao transpor os escritos para a coletânea, Paloma percebeu que a organização do material mantinha a natureza fragmentária. Para ela, o formato impresso trouxe permanência, mas sem anular a fluidez e a sensação de inacabamento que marcavam os textos no blog.
“É um projeto que continua. Eu ainda escrevo nele, mesmo depois do livro”, conta. “Porque ele sempre foi isso, um espaço aberto, que não tem um fim definido.” Esse jogo entre permanência e desaparecimento, entre texto fixo e em transformação, faz parte da experiência de leitura que a autora propõe.
Poética cotidiana
Paloma Vidal também afirma que os textos reunidos em Lugares onde eu não estou surgiram de uma necessidade de registrar o cotidiano de maneira espontânea. “O projeto [do blog] nasceu como um diário de escrita imediata, mas sem perder o caráter literário. Os textos iam direto do bloco de notas do celular para o blog”, conta. “Era uma maneira de marcar a passagem do tempo e dar forma ao que, de outro modo, poderia se perder.”
Apesar da origem no diário e na crônica, a fragmentação da escrita foi se aproximando da poesia. A decisão de organizar os fragmentos em versos foi uma escolha estética e conceitual, mas também “uma forma de estruturar essa produção contínua”, explica a escritora.
Dessa escrita rápida de postagens feitas em meio aos afazeres e compromissos do dia a dia, o blog se tornou um arquivo de experiências e reflexões dispersas. Reunidos em um único volume, os textos permitem novas leituras e interpretações. “O que foi escrito há anos ainda conversa com o que escrevo agora”, afirma.
Barthes
Os escritos de Lugares onde eu não estou também se relacionam com a maneira como Paloma Vidal entende a experiência da leitura. A autora menciona o filósofo e crítico literário francês Roland Barthes (1915-80) como uma referência essencial, especialmente no modo como ele entrelaça a memória e a escrita em A câmara clara (Nova Fronteira, 2018).
“Acho interessante como ele articula análise e experiência pessoal sem seguir um modelo tradicional de narrativa”, diz. Para a escritora, a liberdade formal possibilita que a leitura seja uma experiência ativa, onde o leitor percorre os fragmentos, estabelece conexões próprias e reconfigura os sentidos da obra a cada nova leitura.
A ideia de um texto que permanece aberto e permite diferentes caminhos ao leitor aparece tanto na obra de Barthes quanto na de Paloma, que tratou do assunto em Não escrever [com Roland Barthes]. Essa dinâmica se reflete em textos onde a reflexão pessoal e a observação crítica se sobrepõem a qualquer hierarquia formal.
Mais na Quatro Cinco Um
Colaboradora da revista dos livros, Paloma Vidal escreveu sobre diários e o livro-diário Triste cuíca (Janela e Mapa Lab, 2024), de Julia Wähmann, na edição #89 da Quatro Cinco Um. Leia a íntegra da resenha.
Já Não escrever [com Roland Barthes], ensaio da escritora publicado pela Tinta-da-China Brasil, foi resenhado por Leonardo Gandolfi, na edição #77 da revista. No texto, ele afirma que “Vidal vai em busca do autor francês não para se comparar a ele, e sim porque se identifica com ele, ao também não poder escrever um romance.” Leia mais aqui.
Sobre o intelectual francês, a Quatro Cinco Um publicou em 2021 o texto “A aventura do pensamento”, por Gisela Anauate Bergonzoni, que analisa a biografia de Barthes escrita pela crítica literária Tiphaine Samoyault, professora da Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris.
O melhor da literatura LGBTQIA+
O episódio traz uma indicação literária da cantora e compositora Alice Caymmi, que explora na música questões da sexualidade e da diversidade de gêneros que por muito tempo foram tabu na MPB. Alice recomenda Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, clássico que está completando cem anos de publicação e ganhou uma edição comemorativa lançada pela editora Autêntica, em tradução de Tomaz Tadeu.
“Eu acho Miss Dalloway um livro que traz uma sensação corporal parecida com o que acontece na nossa comunidade, com todos nós. Quando a gente vem ao mundo e tenta ser como a gente é. Tenta ser quem nós somos. Então, para mim, Mrs. Dalloway é não só um dos livros mais importantes da minha vida, como se encaixa nesse rol também para mim de literatura LGBTQIA+.”
Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+.
O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um.
Apresentação: Paulo Werneck
Produção: Brenda Melo
Edição e mixagem: Igor Yamawaki
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe: [email protected]
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