Repertório 451 MHz,

À espera da abolição

Autores de livros sobre escravidão no passado e no presente, Laurentino Gomes e Leonardo Sakamoto falam sobre esse problema persistente e as possibilidades de superá-lo

10set2021

Está no ar o 48º episódio do 451 MHz, o podcast da revista dos livros! Duas vezes por mês, trazemos entrevistas, debates e informações sobre os livros mais legais publicados no Brasil. Neste episódio, Paula Carvalho, editora da Quatro Cinco Um, debate um tema delicado ainda em pauta no Brasil contemporâneo: o trabalho escravo. Ela recebe Laurentino Gomes, jornalista que acaba de lançar o segundo volume da trilogia Escravidão (Globo Livros), e Leonardo Sakamoto, organizador de Escravidão contemporânea (Contexto) e diretor geral da Repórter Brasil, entidade de jornalismo dedicada à cobertura de direitos humanos.

O 451 MHz tem apoio dos Ouvintes Entusiastas. Seja um você também! O 451 MHz tem ainda apoio do banco digital brasileiro C6 Bank e dos podcasts Rádio Companhia, da Companhia das Letras, e Quarta Capa, da Todavia.

Ouça o episódio aqui e agora:

Abolicionismo abortado

O Brasil aboliu formalmente a escravidão com a Lei Áurea em 13 de maio de 1888; no entanto, nunca houve uma política efetiva de incorporação dos ex-escravizados ou de seus descendentes na sociedade. Em outras palavras, essa parcela da população nunca foi contemplada com direito a terra, renda, educação, moradia ou saúde de qualidade. 

Neste episódio do 451 MHz, Laurentino Gomes e Leonardo Sakamoto apontam que fatores históricos levam à narrativa branca da escravidão como um momento da história brasileira ultrapassado. Eles comentam sobre temas como a queima de arquivos sobre escravidão orquestrada por Rui Barbosa, em 13 de maio de 1891, que serviu como alicerce para omitir o passado e o presente escravagista brasileiro, e elucidam sobre a realidade das 56 mil pessoas resgatadas em situação de trabalho escravo (em sua maioria negras) a partir de 1995 até hoje. 

Escravidão contemporânea

Embora o fenômeno da escravidão na história da humanidade não tenha se iniciado com o tráfico humano de africanos para as Américas, essa forma de escravidão se diferencia das demais por sua escala e sua natureza industrial. Para Laurentino Gomes, os escravizados africanos foram as primeiras commodities de um modelo pré-industrial. Além disso, é neste momento que o racismo como o conhecemos hoje nasce, a partir da construção de estereótipos de que pessoas negras seriam bárbaras, selvagens e seguidoras de religiões demoníacas e que, consequentemente, a escravidão seria justificável e de cunho civilizatório.

Leonardo Sakamoto comenta as definições de trabalho escravo na contemporaneidade e suas distinções do período em que a escravatura era permitida perante o Estado brasileiro. Podemos reconhecer a situação de analogia à escravidão quando há trabalho forçado (através de restrições físicas, violências físicas e psicológicas, torturas etc.), servidão por dívidas (que nunca podem ser completamente quitadas), condições degradantes (aquelas que colocam em risco a vida e a segurança do trabalhador) e jornada exaustiva.

Grande parte do trabalho escravo no Brasil hoje acontece em operações econômicas, como a indústria da moda, o trabalho doméstico e sobretudo as atividades rurais, como a pecuária e a extração de soja. No período da ditadura, em razão da ocupação da Amazônia, essas atividades passaram a ter supervisão de grupos como a Comissão Pastoral da Terra e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que se mobilizaram para combater o trabalho escravo. Nessa luta, destacam-se os nomes de Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduíno, religiosos conhecidos pelo incansável trabalho em defesa dos povos da terra, das comunidades tradicionais e da reforma agrária.

Escravidão doméstica e sexual

As principais vítimas de trabalho escravo doméstico e sexual no Brasil são mulheres — aquelas que são “como se fossem da família” ou crianças “pegas para se criar”. É o caso de Madalena Gordiano, mulher que desde os oito anos de idade foi submetida a trabalho escravo, sendo tratada como herança de seus algozes. Para Leonardo Sakamoto e Laurentino Gomes, o Brasil ainda possui um processo muito embrionário de supervisão nesse quesito, especialmente por tocar em pontos sensíveis à classe média do país. 


Féte de Ste. Rosalie, patrone des négres, Louis-Jules-Frédéric Villeneuve a partir de Rugendas, Johann Moritz, 1802-1858. Viagem pitoresca através do Brasil (Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil)
 

Mais na Quatro Cinco Um

As heranças da escravidão brasileira e o “narcisismo das pequenas diferenças” apontado por Freud são tema de artigo de Maria Rita Khel na edição 5 da Quatro Cinco Um. Contratada pela elite cafeeira na década de 1880, a educadora alemã Ina von Binzer fez uma crítica aos fazendeiros brasileiros que não educavam os filhos de seus escravos em seu livro, resenhado por Marcos Renaux na edição 10 da revista. Na edição 28, Lilia Moritz Schwarcz conta, com base em livro de Luiz Felipe de Alencastro, como a escravidão e a Inquisição moldaram as estruturas que promovem a desigualdade e a tortura. Ana Flávia Magalhães Pinto mostra como a subjetividade de Luiz Gama nunca foi definida pelo fato de ter sido escravizado no número 36 da revista. Na edição 40, Cristiane Capuchinho repassa a trajetória de Páscoa Vieira, angolana que lutou por sua autonomia nas frestas da escravidão no Brasil, e Paula Costa Nunes de Carvalho resenha livro de Matheus Gato que parte de massacre de negros esquecido da História do país para mostrar como o Brasil moderno se forma a partir da racialização.

Laurentino Gomes no Roda Viva

Em 19 de julho deste ano, Laurentino Gomes falou no programa Roda Viva, da TV Cultura, sobre o segundo volume de sua série Escravidão, em que aborda o auge do tráfico de escravos para o Brasil e a América, no século 18. Em apenas cem anos, mais de 6 milhões de pessoas foram tiradas da África e transportadas para o trabalho escravo nas minas de ouro e diamantes e nas plantações no Brasil. Paula Carvalho, editora da Quatro Cinco Um, é uma das entrevistadoras convidadas do episódio. Assista abaixo.

O melhor da literatura LGBTI+

No quadro, que tem apoio do C6 Bank, Stephanie Borges, tradutora e escritora (e colaboradora frequente da Quatro Cinco Um), recomenda o livro Na casa dos sonhos (Companhia das Letras, 2021), da norte-americana Carmen Maria Machado. Borges resenha o livro na edição de setembro da revista.

Narradores do Brasil

Na coleção de episódios roteirizados Narradores do Brasil, o 451 MHz faz breves incursões no formato narrativo para explorar a vida e a obra de nossos grandes autores. Ouça agora mesmo os três primeiros episódios, sobre Rubem FonsecaLygia Fagundes Telles e Nelson Rodrigues. E, em breve, um novo episódio sobre Paulo Freire!

O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo para a Quatro Cinco Um
Apresentação: Paulo Werneck e Paula Carvalho
Coordenação Geral: Paula Scarpin e Vitor Hugo Brandalise
Produção: Gabriela Varella
Edição: Claudia Holanda
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: João Jabace
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Juliana Jaeger
Gravado com apoio técnico da Confraria de Sons & Charutos (SP).
Para falar com a equipe: [email protected].br