‘Tudo que é humano ajuda a literatura’, diz Maria Adelaide Amaral em conversa com Ivan Angelo

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‘Tudo que é humano ajuda a literatura’, diz Maria Adelaide Amaral em conversa com Ivan Angelo

Os dois autores falaram de suas trajetórias e de uma geração de escritores e jornalistas que viveram as mudanças profundas do Brasil nos últimos sessenta anos

07jul2024 • Atualizado em: 10jul2024
(Fotografias de Filipe Redondo)

No domingo (7), Maria Adelaide Amaral e Ivan Angelo conversaram no Palco da Praça d’A Feira do Livro sobre suas carreiras, seus livros e sobre uma geração que redefiniu o jornalismo e brilhou na literatura brasileira – “Páginas de um país”, título da mesa com “dois escritores puro sangue” e a mediação da jornalista e escritora Marta Goés.

Angelo, autor de, entre outros, A festa (Geração Editorial) e Amor? (Companhia das Letras), ambos premiados com o Jabuti, lançou em 2023 Vida ao vivo (Companhia das Letras), sobre um magnata de mídia que decide expor sua vida pessoal no horário nobre de sua emissora de televisão.

“Pensei em dar voz a um personagem raro na literatura brasileira, que se preocupa com os pobres, retirantes. Queria expor a cabeça de um magnata dono da maior rede de comunicações num país fictício”, contou o escritor.

O jornalista e romancista mineiro Ivan Angelo

Acabou sendo um romance sobre impunidade, com uma personagem feminina que cresceu e foi em busca de seu algoz, acrescentou Angelo.

Inspiração e formação

As personagens de um romance podem surgir do universo do escritor ou ser “encomendadas”, como acontece quando Amaral é chamada a fazer uma série de TV, por exemplo.

“Eu só falava de mim e do meu universo das redações jornalísticas. Aquelas pessoas eram meu mundo e continuam sendo, sou grata por essa convivência”, contou.

A escritora e dramaturga luso-brasileira Maria Adelaide Amaral

Mas veio a primeira peça encomendada, sobre Chiquinha Gonzaga. “Quando me pediram [para escrever a peça], essa mulher me pareceu muito chata. Mas fui à luta, pesquisei, descobri mais e me apaixonei por ela. O mesmo aconteceu com [Coco] Chanel. Quando descobri que era amiga do [diretor de cinema] Luchino Visconti, me apaixonei. Claro que ela era uma filha da puta, com todo respeito, mas virou uma figura fascinante.”

A paixão pela literatura começou cedo, disse a escritora. “Na merda total que foi minha infância e adolescência, enquanto meus pais, imigrantes, estavam preocupados com a sobrevivência, eu voava com os livros.”

Angelo contou ter sido formado na escola pública, que incentivava a leitura e tinha uma boa biblioteca. Participou de revistas feitas por “grupelhos literários”, ganhou prêmios e publicou o primeiro livro.

Amaral teve um amigo que foi uma espécie de mentor e a estimulou emprestando livros. “Me mostrou Simone de Beauvoir, que abriu minha cabeça. Aos quatorze anos, eu dizia coisas absurdas, como ‘não vou me casar, vou ter amantes’, fumava – naquela época, na Mooca [bairro de São Paulo], quem fumava era puta.”

Esse amigo, reencontrado nos anos 70 nas redações da editora Abril, é o personagem que, ao morrer, reúne a geração que lutou contra a ditadura no romance Aos meus amigos, relançado em edição revista pela Instante.

Angelo contou ter publicado o premiado A festa em uma editora muito pequena. “Não precisou de campanha de marketing. [Quando lancei] jornais e revistas eram lidos por milhões de pessoas, uma boa avaliação de um crítico bem-conceituado fazia a diferença. Hoje, a literatura é uma pequena voz sussurrante nesta balbúrdia das redes sociais.”

“Eu sou a tia do zap, não sei manusear esse negócio. Para falar a verdade, estou pouco me lixando, se a pessoa gosta ou não [do livro], quero que se foda. Com todo o respeito”, disse Amaral.

Novos tempos

Os dois escritores lembraram também das perseguições sofridas por jornalistas e artistas durante a ditadura cívico-militar – páginas cinzentas do país, que também estão nas histórias contadas por eles.

“Hoje se discute muito o racismo. Negros, quilombolas e indígenas são os mais atingidos pelo preconceito e isso está sendo abertamente falado. Uma parte da literatura contemporânea brasileira está sendo um apoio para que essas vozes, legitimamente, apareçam”, disse Angelo.

No final, os escritores veteranos deram seus conselhos aos jovens que querem se aventurar na literatura: “Leiam muito, principalmente poesia”, disse Angelo.

Amaral concordou, acrescentando: “Leiam muito, de tudo. Assistam cinema, boas séries, escutem samba-canção, bolero, tudo é alimento. Tudo o que é humano ajuda a literatura”.

A Feira do Livro 2024

29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

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