Literatura estrangeira,
A vida sob a ótica do tabuleiro
Segundo encontro do clube de leitura em parceria com a Japan House debateu questões em torno do livro "O mestre de go", do Nobel de Literatura Yasunari Kawabata
01ago2019Aconteceu na última quinta-feira (25) o segundo encontro do clube de leitura da Quatro Cinco Um em parceria com a Japan House São Paulo. O livro O mestre de go, de Yasunari Kawabata (Estação Liberdade), ganhador do Nobel de Literatura em 1968, foi comentado pelo escritor Ricardo Lísias, com mediação de Paulo Werneck, editor da Quatro Cinco Um. Junto com Natasha Barzaghi Geenen, diretora cultural da Japan House São Paulo, Werneck é responsável pela curadoria do projeto, que foca a literatura contemporânea japonesa. Estão previstos oito encontros, sempre a cada última quinta-feira do mês, com críticos e escritores de ficção convidados.
Lançado originalmente em 1954, O mestre de go gira em torno do jogo japonês de tabuleiro em que um adversário tenta encurralar o outro invadindo e controlando seu território. O livro narra a partida de despedida do grande mestre Shusai contra o jovem aspirante Kitani Minoru (chamado no livro com o nome fictício de Otake), confronto que levou meses para ser concluído. Shusai faleceu um ano após a disputa. Nas expressões dos jogadores, nas regras do jogo e na trajetória do grande mestre, Kawabata [foto] vê muito mais do que uma partida monumental, e procura revelar aos leitores o go como uma arte nobre, na qual se encontram, também, o Japão tradicional e o moderno.
Autor de diversos livros e finalista dos prêmios Jabuti e Prêmio São Paulo de Literatura, Lísias assina, na edição de agosto da Quatro Cinco Um, uma resenha sobre o romance. "Duas questões me deixaram bastante impressionado no livro. A primeira é como Kawabata tenta conversar com a literatura ocidental. Sua literatura tem como tema central um embate entre tradição e progresso. O jogador, de Dostoiévski, publicado um século antes, inaugura um tipo de personagem arredio, muito fechada em si mesma, com muitos problemas de sociabilidade, aliado ao ambiente do jogo. Kawabata traz essa personagem dostoievskiano, muito ocidental, para a sua literatura", disse ele, citando também como outro romance de jogador notável.
"A segunda questão é como Kawabata é um dos maiores peritos do século 20 em forma literária, esteticamente falando. O grande lance desse livro é que ele está redigido como se fosse uma partida de go. O objetivo do jogo é conseguir um espaço maior do que o seu adversário no tabuleiro. É um jogo de aproximação e de conquista. Não é um livro de mistério. Logo somos informados de que o mestre vai perder. O que não sabemos é que seu corpo vai também sendo dominado, como se ele mesmo fosse virando parte do jogo", contou.
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Lísias falou também sobre a demora do narrador em expor os defeitos do mestre, apresentado de início com um ser ético, cheio de saberes, algo evidenciado no trecho a seguir: “O mestre parecia um homem maior do que era na realidade. Sem dúvida, isto se devia à força e ao prestígio de sua arte, algo que adquirira através de longos anos de treino e disciplina”.
O leitor Thomas Fava, que participou do encontro, dividiu com o público a história de Kaoru Iwamoto (1902-1999), que foi jogador profissional de go e um dos juízes da partida narrada no livro. Depois de vir a São Paulo para trabalhar numa plantação de café, Iwamoto decidiu abrir por aqui o Nihon Kiin, um clube de go na Vila Mariana. “Ele ensinava a tradição de um jogador jogar até a morte”, disse Fava, que também é jogador profissional e está começando a carreira de professor de go. "Até hoje, não entendi o que quer dizer a palavra go, mas a tradução em chinês quer dizer ‘cercar’ e a em coreano quer dizer ‘falar com as mãos’, contou ele.
"Dizem que, a partir de certo nível, você consegue realmente ler a personalidade de uma pessoa de acordo com o modo como ela joga. Tem gente que faz isso com literatura, julgando o escritor pelo livro. Comigo, acontece o tempo todo [risos]”, disse Lísias, ao que respondeu Fava: "A segunda jogada do mestre já diz muita coisa. Há o entendimento de que cada jogador deve, primeiramente, ocupar um canto, e ele prefere atacar o oponente logo no início".
O papel das famílias, sobretudo das mulheres, na obra de Kawabata também foi citado. Paulo Werneck sugeriu a possibilidade de se fazer uma leitura feminista do romance. "A cultura japonesa é bem machista, a mulher fica em plano secundário, ela raramente é protagonista", disse a leitora Ana Carina. "Mas só o fato de elas serem citadas é algo muito grande", complementou a leitora Cecília Suzuki. "A sensação é de que uma mulher nem poderia entrar lá. O fato de entrarem várias vezes é marcante."
O próximo encontro do clube de leitura acontece no dia 29 de agosto, em torno de O livro do travesseiro (Editora 34), de Sei Shônagon, com a presença da crítica literária Madalena Cordaro. No dia 26 setembro, serão debatidas questões em torno de O assassinato do comendador (Companhia das Letras), de Haruki Murakami, com a crítica literária Leyla Perrone-Moisés. Fique ligado nas nossas redes sociais para mais informações!
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