Listão da Semana,

Erotismo modernista e mais 6 lançamentos

‘Seleta erótica de Mário de Andrade’, fruto da pesquisa de Eliane Robert Moraes, chega nesta semana às livrarias

18maio2022 | Edição #57

Em uma carta enviada a Manuel Bandeira após o lançamento de Macunaíma, Mário de Andrade diz se arrepender de ter descrito “as três f… na rede” protagonizadas pelo anti-herói — a passagem em questão foi logo censurada pelo autor. Essa é uma das muitas curiosidades de Seleta erótica de Mário de Andrade, um esforço de pesquisa de Eliane Robert Moraes que chega nesta semana às livrarias reunindo a riqueza da temática sexual presente em toda a obra do modernista.

Completam a seleção da semana o novo romance do norueguês Karl Ove Knausgård, contos completos do chinês Lu Xun, uma antologia de textos de Fernando Henrique Cardoso, uma ficção de Patrícia Melo, um clássico do japonês Yukio Mishima e uma reflexão sobre o protagonismo da mulher pré-histórica.

Viva o livro brasileiro!

 

Seleta erótica de Mário de Andrade. Mário de Andrade. 
Org. Eliane Robert Moraes • Ubu • 320 pp • R$ 99

Professora de literatura e pesquisadora das relações entre estética e erótica, Eliane Robert Moraes selecionou textos representativos da erótica intensa dispersa em toda a obra do modernista Mário de Andrade — que, segundo ela, dizia haver no Brasil "uma pornografia desorganizada". Ultrapassando a discussão do que é da ordem pessoal e o recente debate sobre a homossexualidade do escritor, Moraes ressalta o que é da ordem estética. Contemplando a variedade de gêneros e as diversas fases da obra de Mário de Andrade, sem deixar de lado os aspectos biográficos, a Seleta é dividida em oito partes com títulos mariodeandradeanos" como Imoralidades e desmoralidade e Brasileirismos, safadagens e porcarias

Trecho do livro:
No caminho da cidade,
Oh vós, homens que andais pelo caminho,
Olhai-me, cercai-me, abraçai-me,
Abraçai-me de amor e de amigo, na meiga carícia indecisa,
Cegos, mudos, viris, na imperfeição irremediável!”.

Leia mais: Mário de Andrade se transformou definitivamente em performer em seus deslocamentos por Minas Gerais e Rio de Janeiro.

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Outono. Karl Ove Knausgård.
Trad. Guilherme da Silva Braga • Companhia das Letras • 208 pp • R$ 69,90

O escritor norueguês que ficou famoso pela série Minha luta (4 mil páginas de autoficção em seis volumes) lança agora no Brasil o primeiro livro de sua quadrilogia sobre as estações. Como na primeira série (que ganhou o prêmio Brage, o mais importante da Noruega), há reminiscências e descrições detalhadíssimas, mas, desta vez, o autor se volta mais para o relato minucioso do mundo exterior: Knausgård apresenta o livro como uma tentativa de mostrar o mundo como ele é para sua filha que ainda não nasceu. 

Trecho do livro:
Vermelho e verde.
Essas palavras não dizem nada para você, mas para mim existe muita coisa nessas duas cores, parece haver um anseio por aquilo que contêm, e acredito que esse é um dos motivos que me levaram a ser escritor, porque conheço muito bem esse anseio e compreendo que é uma coisa importante, mas não sei expressá-lo e portanto não sei o que é. Eu tentei, mas capitulei. A capitulação foram os livros que publiquei. Um dia você pode lê-los, e assim talvez você entenda o que eu quero dizer”.

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O diário de um louco: contos completos de Lu Xun. Lu Xun.
Trad. Beatriz Henriques, Cesar Matiusso, Marcelo Medeiros, Marina Silva e Pedro Cabral com coord. e rev. técnica de Ho Yeh Chia • Carambaia • 568 pp • R$ 169,90

Pela primeira vez, todos os contos de Lu Xun (1881-1936), considerado o pai da literatura chinesa moderna, são publicados no Brasil. O escritor foi um dos líderes do movimento político e cultural conhecido como Quatro de Maio — data de manifestações estudantis anti-imperialistas há mais de um século, em 1919. A coletânea reúne as narrativas breves publicadas originalmente por Lu Xun em O grito (1923), Hesitação (1926) e Histórias antigas recontadas (1936). “O diário de um louco”, conto que dá título à coletânea, é o primeiro texto publicado por Lu Xun, em 1918, e também a primeira obra literária escrita em chinês vernacular. “O autor denunciava uma condição social na esperança de que as pessoas despertassem para a própria independência. Em inúmeros contos, os tipos humanos revelam a ambição por ascensão social e, consequentemente, prestígio”, escreve Paula Sperb em resenha que prepara sobre a antologia para a Quatro Cinco Um.

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O gesto e a palavra. Fernando Henrique Cardoso. 
Companhia das Letras • 416 pp • R$ 89,90

Presidente do Brasil entre 1995 e 2002, fundador e presidente de honra do Diretório Nacional do PSDB, doutor em sociologia, Fernando Henrique Cardoso é também autor de dezenas de livros e publicou (e continua publicando) incontáveis artigos na grande imprensa, assim como na chamada imprensa alternativa. Na seleção dessa produção estão reunidos noventa artigos escritos entre 1972 e 2021 que apareceram em publicações como o semanário Opinião (veículo alternativo de oposição ao regime militar que circulou entre 1972 e 1977) e grandes jornais de São Paulo e do Rio (Folha de S.Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo). Os artigos retratam o pensamento de FHC sobre os grandes temas da história recente do país, como as greves do ABC, a Constituinte de 1988, os impeachments de Collor e Dilma e a pandemia do coronavírus. 

Trecho do livro: Ou bem fazemos algo para reduzir a pobreza e as diferenças sociais, ou continuaremos a ser um país com boas condições naturais, mas sem capacidade de entrar na ‘modernidade’—termo de que não gosto”.

Leia mais: Livro de FHC apresenta com competência as condições para a criação de uma nova política, mas escorrega em ciladas partidárias.

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Menos que um. Patrícia Melo. 
Leya • 368 pp • R$ 60

Embora muitas vezes seja classificada como autora de romances policiais, Patrícia Melo prefere descrever seu trabalho como ficção urbana. Em seu novo romance, ela constrói uma narrativa intercalando personagens que vivem nas ruas: camelôs, desempregados, ladrões, dependentes de crack, catadores de lixo. A autora, que atualmente vive na Suíça, é uma das mais consagradas escritoras brasileiras contemporâneas — entre outros prêmios, recebeu o Deux Océans, na França, e o Deutscher Krimipreis, na Alemanha, por O matador, além de ter levado o Jabuti de melhor romance em 2001 por Inferno. 

Trecho do livro:
“ʽNão estou pedindo que o senhor esguiche água diretamente na cara desses vagabundos, desses folgados, desses haitianos, desses drogados que vivem por aliʼ, orientara o patrão logo nos primeiros dias de trabalho. ʽSe agir assimʼ, continuou ele, ʽamanhã chegam aqui os fazedores de petição, os defensores de direitos humanos, e estamos enrascados. O segredo, na hora da limpeza, é aquela quebrada no punho, sabe? Que faz a mangueira molhar o papelão deles, as sacolas deles, os carrinhos deles. Veja bemʼ, segredara ele, ʽé uma questão de saúde pública: hoje em dia, as pestes surgem dessa forma, pulando do macaco para o homem, do morcego para o homem, do camelo para o homem. E essa gentalha que dorme com cachorro, com rato, com barata acaba como os animais transmissores. São piores que os chineses. São os verdadeiros criadores de novas variantesʼ”.

Leia mais: Como Rubem Fonseca, morto em 2020 aos 94 anos, aprendeu a catar histórias na rua e se tornou um cinéfilo inveterado

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O marinheiro que perdeu as graças do mar. Yukio Mishima.
Trad. Jefferson José Teixeira • Estação Liberdade •  176 pp  • R$ 54

O romance sobre o tripulante de um navio cargueiro que aporta em Santos foi publicado originalmente em 1963, mais ou menos no meio da carreira de Yukio Mishima. Uma das personalidades mais populares no Japão, Mishima (pseudônimo de Hiraoka Kimitake) estreou na literatura aos dezenove anos e ficou famoso a partir da publicação de Confissões de uma máscara, em 1949. Indicado três vezes ao Nobel de literatura, crítico da degradação do Japão moderno, ele viveu em luta pela retomada dos valores clássicos de seu país — e fez de sua morte um espetáculo quando, após invadir a sede do Exército japonês com um grupo paramilitar, em 1970, cometeu o suicídio ritualístico dos samurais. 

Leia mais: Cartas revelam a intimidade e os contrastes entre o ganhador do Nobel Yasunari Kawabata o enfant terrible Yukio Mishima.

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O homem pré-histórico também é mulher. Marylène Patou-Mathis. 
Trad. Julia da Rosa Simões • Rosa dos Tempos • 322 pp • R$ 79,90

A invisibilidade das mulheres é coisa pré-histórica — ou é essa a narrativa forjada pelo imaginário ocidental que o ensaio de Patou-Mathis tenta desmontar. Ela usa as pesquisas mais recentes da arqueologia para mostrar uma mulher pré-histórica protagonista e líder. “Não! As mulheres pré-históricas não passavam o tempo varrendo a caverna!, a autora avisa logo no início do livro, com prefácio da historiadora social Giovana Xavier e da jornalista e ativista Renata Tupinambá. Patou-Mathis é diretora de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica e do Departamento do Homem e do Meio Ambiente do Museu Nacional de História Natural, em Paris.

Leia também: Historiadora inglesa volta às origens clássicas da relação entre mulheres e poder e da violência que calou Marielle Franco.

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Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Matéria publicada na edição impressa #57 em fevereiro de 2022.