A Feira do Livro,

Vida de Pessoa não teve sexo, drogas e rock‘n’roll, mas foi rica interiormente, diz Richard Zenith

Em conversa com Lira Neto, biógrafo disseca trajetória de poeta português, que define como “monossexual”

11jun2023 | Edição #70

Um dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa, Fernando Pessoa (1888-1935) não teve uma profissão, trabalhou como freelancer a vida toda, era tímido e reservado e quase certamente morreu virgem. Sua vida interior, no entanto, era riquíssima, afirma Richard Zenith, um dos maiores especialistas na vida e obra do escritor e autor de Pessoa, uma biografia (Companhia das Letras).

“Na vida de Pessoa não há sexo, drogas, rock‘n’roll”, brincou Zenith em conversa com o também biógrafo Lira Neto na mesa As mil vidas de Fernando Pessoa n’A Feira do Livro. “Mas ele tinha uma vida imaginária, interior, riquíssima. Embora não haja eventos que impressionam o leitor, ele tem uma vida bastante interessante, em parte porque viveu numa época muito interessante.”

O escritor e tradutor demorou 13 anos para escrever a biografia, debruçado sobre o imenso arquivo e as mais de 25 mil notas dispersas que Pessoa deixou em papéis avulsos, guardanapos e pedaços de calendário. Para se aproximar do poeta, contou ter começado a escrever em primeira pessoa.

“Tinha muita dificuldade em penetrar em Pessoa. Ele era famoso por ser um enigma, senti isso como biógrafo. Numa certa altura, comecei a escrever em primeira pessoa, numa tentativa de chegar ao cerne, ao núcleo de Pessoa, mas percebi que teria que ser muito ficcionalizado”, disse.

Nascido em Washington, nos Estados Unidos, e cidadão português, Zenith contou ainda sobre sua relação com Pessoa, que começou quando morou no Brasil, num intercâmbio universitário. “Em Santa Catarina, onde vivi três anos, aprendi português e comecei a ler Pessoa. Tenho até hoje livros que comprei nessa altura”, disse.


Richard Zenith [Sean Vadaru/Divulgação]
 

Heterônimos e sexualidade

O biógrafo afirmou ainda que há algo de autobiográfico em cada um dos muitos heterônimos criados pelo poeta. Desde as preocupações com a política e sua busca espiritual, como aspectos da sua intimidade. Zenith citou, por exemplo, um dos mais famosos, Álvaro de Campos, que parece ser em tudo oposto a Pessoa.

“Pessoa era tímido, não tinha relações sexuais. Campos era o contrário: exuberante, viajava muito e era assumidamente bissexual. Era talvez o id de Pessoa. Segundo Freud, o id é parte da personalidade que corresponde ao instinto. E Campos era o heterônimo mais perto de Pessoa, que vai acompanhá-lo a vida toda”, disse.

Monossexual

A escrita é ainda, segundo Zenith, a maneira como o escritor viveu a sua sexualidade, assim como sua intensa busca espiritual. Nos registros que deixou, Pessoa relata apenas uma relação afetiva, com Ofélia Queiroz, mas o biógrafo diz não haver referência a relações sexuais e explicou por que não quis definir a sexualidade do poeta.

“Podemos dizer que Pessoa é monossexual, porque vive sua sexualidade sozinho, através da sua escrita. Não era negação, mas outra forma de viver sua sexualidade”, disse.

É possível saber ainda, pelas anotações, que a chegada à puberdade é um momento traumático para Pessoa, que se sentia desconfortável com mulheres, diz o biógrafo. A timidez, no entanto, não o impediu de escrever uma série de poemas homoeróticos em inglês e português, que parecem ser autobiográficos.

Última biografia

Questionado por Lira Neto, Richard Zenith comentou ainda sobre a declaração de que, depois  de dedicar anos a sua obra, Fernando Pessoa seria seu primeiro e último biografado. “Não se deve dizer nunca, mas não tenciono escrever outra biografia”, confirmou ele, que falou sobre o sentimento de desvendar a alma do poeta.


Lira Neto [Sean Vadaru/Divulgação]

“Escrevia, mas não sabia se ia fazer o leitor sentir Fernando Pessoa, o que espero que tenha feito. Não tenho pretensão de explicar Pessoa, penso que o gênio não é explicável. Tentar explicar seria diminuir. Mas espero que sintam o seu gênio e o seu lado humano”, disse.

A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Amauri Arrais

É jornalista e editor da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #70 em maio de 2023.