A Feira do Livro,

A missão das editoras periféricas é estar em todos os lugares, dizem autores

Editores debatem os desafios e as perspectivas para o futuro da literatura periférica, negra e indígena no país

10jun2023 | Edição #70

Quando Carolina Maria de Jesus publicou Quarto de despejo, relato autobiográfico em formato de diário, inspirou uma geração de autores negros e periféricos a escreverem sobre seus próprios cotidianos. As 45 edições dos Cadernos negros, publicados anualmente pela editora Quilombhoje desde 1978 — ano seguinte à morte de Carolina — são uma prova de que a literatura vinda da periferia alcança a cada ano mais espaço no mercado editorial brasileiro.


A escritora Esmeralda Ribeiro [Divulgação]

Segundo Esmeralda Ribeiro, escritora e editora da Quilombhoje, a luta da periferia pelo espaço no mercado editorial é muito antiga. “Vale a pena, porque no final estamos publicando autores parecidos com nós, com histórias parecidas com as nossas. A poesia negra vem com a força do quilombo. E essa força não acaba”, diz a escritora. O escritor Israel Neto, editor da Kitembo; a artista Trudruá Dorrico Makuxi, pesquisadora de literatura e arte indígena, e o escritor Vagner Amaro, editor da Malê, endossaram as palavras de Esmeralda Ribeiro.

No Auditório Armando Nogueira, esse foi um dos temas principais da manhã do terceiro dia d’A Feira do Livro, na mesa Periferia e mercado editorial. Com mediação de Eleilson Leite, coordenador da Câmara Periférica do Livro, os convidados conversaram sobre o papel que as rodas de poemas e os saraus tiveram como espaços de divulgação das obras para além dos espaços em que surgiram. “Ainda que a literatura periférica precise estar nos lugares em que as pessoas da periferia estão, é preciso também que as pessoas da periferia cheguem a todos os espaços para mostrar suas escritas”, disse Ribeiro.


O escritor Israel Neto [Divulgação]

Israel Neto conta que uma das funções das editoras periféricas é quebrar os estereótipos que a tradição literária brasileira criou sobre personagens negros, que afetaram a percepção das pessoas sobre as pessoas negras. “Mulheres negras foram hipersexualizadas, homens negros foram retratados como violentos; e o nosso imaginário como sociedade se tornou o de disparar violência contra corpos negros. Antonio Candido pensava a literatura como direito, e eu penso que há outro direito: o de se representar e entender quem o está representando”, complementa Amaro.

Com a palavra, Dorrico conta que há muitas características similares entre os espaços que a literatura indígena e a literatura negra ocupam no mercado editorial. Como últimos brasileiros a terem sua cidadania reconhecida — somente em 1988, com a Constituição —, os livros sobre os povos indígenas foram, em uma esmagadora maioria, escritos por autores não indígenas.

Pesquisadora do assunto, Dorrico também questiona o olhar que a literatura escrita por indígenas recebe da maioria das instituições e organizações que divulgam o livro no país: “A maioria enxerga as obras indígenas como exóticas, e não como se a literatura fosse algo presente no nosso cotidiano. Sempre aparece a pergunta: ‘mas vocês só escrevem sobre luta e política?’. Quem faz esse tipo de pergunta não tem lido livros escritos por indígenas, porque nós escrevemos poesia, romance, ficção”.

Em um momento final, Leite convidou-os a debater sobre o futuro das editoras periféricas no país, com perspectivas parecidas entre os convidados. “O mundo todo está pensando sobre o futuro preto, e na literatura chamada afrofuturista. É normal que artistas busquem referências no continente africano para entender suas origens e a diáspora. O que a gente não pode esquecer é que o Brasil tem as referências pretas dentro do próprio território”, diz Israel Neto.

A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Jaqueline Silva

É estudante de Jornalismo na ECA-USP e assistente editorial na Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #70 em junho de 2023.