Literatura infantojuvenil,

Pequenos sambistas

Escritor (e também músico e professor) usa a estrutura de contos tradicionais para dar vida aos sambas de grandes mestres do passado

03mar2023 | Edição #67

Com cavaquinhos encantados, uma árvore que propõe enigmas, castelos e bruxos, Cristiano Gouveia percorre a obra e a vida de Cartola, Clementina de Jesus, Adoniran Barbosa e Chiquinha Gonzaga. O autor de Histórias encantadas de pequenos sambistas (FTD), ilustrado por Tatiana Móes, conta aqui um pouco sobre o seu livro e a sua antiga relação com o samba e a MPB.

O que te fascina nos grandes sambistas?
Uma das tantas coisas que sempre me fascinou foi o modo como os sambistas contavam (e contam) histórias a partir de suas obras musicais. Eu me lembro de sempre ficar ouvindo sambas e descobrindo as personagens, os cenários e o modo como a história era contada e cantada. Esse olhar que enxergava o mundo e o traduzia em crônica e poesia ao mesmo tempo. Quando ouvia “Zé do Caroço”, da Leci Brandão, ficava imaginando esse “novo líder que estava nascendo no morro Pau da Bandeira”; ou me imaginava sendo esse personagem que queria “assistir ao sol nascer, ver as águas dos rios correr” presente na música “Preciso me Encontrar”, do Cartola. Ficava fascinado ao ouvir essas músicas cheias de ritmo, alegres, na voz desses grandes sambistas. Uma música que dá vontade de dançar, de ir aos shows, de cantar junto.


Ilustrações de Tatiana Móes [Divulgação]

Sambistas de outros tempos ainda fascinam os jovens leitores de hoje?
Acho que uma boa história sempre vai causar fascínio em pessoas de qualquer idade. E, mais do que apenas a vida dos sambistas, acredito que suas obras possam ser fascinantes de conhecer, de cantar, de tocar! Eu sou professor de música em uma escola particular em São Paulo e estamos neste momento estudando o samba com as crianças do quarto ano do ensino fundamental. Mostramos a eles um vídeo de um samba de roda da cidade de Cachoeira, na Bahia. Um vídeo antigo. Causou muito interesse! Depois, as crianças aprenderam um pouco sobre Dorival Caymmi e seus sambas. Cantaram “Maracangalha” e logo quiseram dançar junto enquanto cantavam. Imagine, uma música lançada em 1957 encantando jovens em 2023. Há algo que é atemporal, que é universal nas artes, na música, na literatura.

Como misturou fato e fantasia para construir as histórias?
As histórias nascem da mistura não dos fatos, mas sim das obras musicais destes sambistas. Não havia o interesse em ser fiel a cada biografia, mas sim imaginar como esses sambas criados ou cantados poderiam ganhar vida dentro de um conto. Era uma maneira de aproximar o universo do samba ao universo literário infantil: o dos contos tradicionais e suas estruturas diversas. O livro é uma homenagem a esses sambistas, mas também é um convite a quem lê para que conheça essas músicas e, depois, perceba quais são as referências presentes no livro.

Quais características de cada um dos sambistas inspirou a escolha de cada conto ou fábula?
O foco principal não era exatamente falar de como foram as infâncias de Cartola, Clementina de Jesus, Chiquinha Gonzaga e Adoniran Barbosa, mas sim lidar com as obras musicais e imaginar infâncias dentro de um universo fantástico. Como, por exemplo, inserir em um conto com castelos e um bruxo alguns personagens presentes na obra musical do Adoniran Barbosa, como o Ernesto, o Mato Grosso, a Iracema e até mesmo as mariposas. Mas é possível encontrar algum dado biográfico dos sambistas, como a história que o Adoniran, quando era adolescente em Jundiaí, entregava marmitas e sempre dava um jeito de comer algum bolinho da marmita pelo caminho. Ou como o menino que encontra a menina Quelé é uma homenagem ao Hermínio Bello de Carvalho, uma figura que foi muito importante para Clementina de Jesus.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Matéria publicada na edição impressa #67 em fevereiro de 2023.