Literatura infantojuvenil,

Dandara e a ancestralidade em cordel

Escritora mineira fala sobre a criação de uma ‘ficção feminista-realista’ com guerreira quilombola como protagonista

13dez2022

Professora de arte e literatura há mais de quarenta anos, a escritora Madu Costa publicou nove livros infantojuvenis ao longo de sua carreira, nos quais trabalha questões de gênero e negritude com força e delicadeza. Sua trajetória artística não se limita apenas ao campo da literatura — ela também participa do Coral Ágbará — Vozes da África. Não à toa, a música e elementos da oralidade estão presentes em seus versos, especialmente quando destacamos Zumbi dos Palmares em cordel (Mazza Edições), lançado em 2013, e seu livro mais recente, Dandara Guerreira em cordel, também pela editora Mazza, com ilustrações de Carol Fernandes.

Dentro da comunidade de historiadores, a figura que chamamos de Dandara gera uma polêmica: não há documentos que testemunhem por escrito sua existência, ainda que ela apareça em inúmeros relatos orais. Independentemente de se tratar de uma personagem histórica ou de uma espécie de lenda, Dandara faz parte da memória brasileira e ocupa um lugar fundamental na nossa cultura. Representa a vida e a história de milhares de mulheres negras que viveram como quilombolas no tempo da escravidão. Em Dandara Guerreira em cordel, a autora mineira consegue abordar a multiplicidade dessa heroína ancestral e transformá-la em fonte de inspiração e resistência, principalmente para as crianças negras. Em entrevista à Quatro Cinco Um, Costa conta sua relação com a literatura, a música, a educação e a ancestralidade.
 

Como você começou a escrever?
Comecei a escrever histórias na escola, mas já as criava mesmo sem saber escrever ou ler. Minha mãe ouvia minhas histórias e, quando possível, anotava, guardava. Assim que comecei a ler ela me presenteou com minhas primeiras histórias. Eu as tenho na memória…

Como surgiu a ideia do livro?
A ideia de escrever a biografia de Dandara surgiu como o pagamento de uma dívida minha com as mulheres ancestrais. Eu publiquei Zumbi dos Palmares em cordel em 2013, e precisava corrigir essa falha histórica do apagamento das histórias das mulheres. Por isso escrevi e reescrevi, cada vez dando mais ênfase ao protagonismo de Dandara.

O cordel é um gênero literário popular, com forte transmissão oral e, muitas vezes, musical. O que motivou você a escrever o livro em formato de cordel?
Primeiro foi a própria história do gênero “literatura de cordel”. Ao acessar as características melódicas do cordel, percebi seu potencial didático-pedagógico. Daí, lancei mão desse gênero e me apaixonei. A literatura de cordel foi minha ferramenta aliada na sedução dos alunos e na minha produção literária. Além disso, a música atravessa minha história desde sempre. A escolha pelo coral, pelo cordel e por tudo que é musical ou musicável é atávico em mim.


Ilustrações de Carol Fernandes [Divulgação]

Você havia escrito também nesse formato Zumbi dos Palmares em cordel. Quais as diferenças no processo criativo dessas obras?
Ao escrever Zumbi dos Palmares em cordel, tive a preocupação de manter o máximo de informações de sua biografia. Já no cordel Dandara me permiti extrapolar e trazer um pouco de “ficção feminista-realista” para destacar o papel da mulher ao longo da história.

Como você enxerga a relevância das temáticas ancestrais na literatura infantojuvenil?
Relevância máxima. É arma certeira no combate ao racismo. A literatura afro-referenciada nos apresenta valores civilizatórios africanos. Valores esses constitutivos da identidade nacional brasileira. O protagonismo e a representatividade das personagens negras na literatura infantil são espelhos urgentes e necessários para refletir a importância do reconhecimento de si nas crianças negras e do respeito à diversidade em todas as crianças.

Este texto foi realizado com o apoio do Itaú Social

Quem escreveu esse texto

Sarah Romão