Literatura infantojuvenil,

As guerreiras de Luana Génot

A escritora carioca estreia na literatura infantil com livro que defende o poder das crianças fazerem todo tipo de pergunta

19out2022

Luana Génot é uma mulher de várias facetas: fundadora do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), colunista semanal da revista Ela do jornal O Globo, apresentadora do programa Sexta Black no canal GNT, jurada do game show de negócios e empreendedorismo Ideias à Venda da Netflix, curadora de convivência no Museu do Amanhã, parte da Rede de Jovens Líderes do Fórum Econômico Mundial e autora de Mais forte: entre lutas e conquistas (Objetiva, 2021) e Sim à igualdade racial (Pallas, 2019). Agora, ela adentra o universo infantil com o livro Guerreiras do sim: somos iguais ou diferentes?, publicado pela Harper Kids, com ilustrações de Letícia Moreno, muito inspirada na sua relação com a filha Alice, de quatro anos.

No livro, a pequena Lara apresenta várias perguntas à sua mãe sobre o mundo e as pessoas que habitam nele. Para respondê-las, as duas saem de casa e encontram vários vizinhos que ajudam a tirar as dúvidas da garota. Em entrevista à Quatro Cinco Um, Genót conta como foi escrever livros para crianças, critica uma visão de mundo romantizada da maioria das obras infantis e defende adaptações de Carolina Maria de Jesus e outras autoras negras para as crianças.

Como resolveu se embrenhar pela literatura infantil?
Essa decisão foi muito guiada pela minha maternidade. Sou mãe da Alice, de quatro anos. Sou curiosa por todo e qualquer assunto, é uma característica muito minha que gosto de preservar. E é também a característica das crianças, de se perguntar por que as coisas estão como estão. Se eu dirijo hoje uma instituição [Instituto Identidades do Brasil, o ID_BR] foi por causa de uma curiosidade para acelerar a igualdade racial no mercado de trabalho brasileiro. Escrevo uma coluna de jornal para ativar o leitor a pensar mais sobre determinados assuntos que não estão dados.  A vontade veio dessa curiosidade e de propor assuntos tabus para que as crianças pudessem falar a respeito. Sempre que eu perguntava alguma coisa dentro de casa, um tio ou uma tia, pessoas de considerações, me respondiam: “isso não é para a sua idade”. A possibilidade de lutar pelo sim, de perguntar, foi algo que resgatei de um imaginário da minha infância.

Nos livros infantis que eu comprava havia muita romantização. Por exemplo, havia um personagem azul dizendo “pouco importa se as pessoas são pretas ou azuis, o que importa é que os dois têm um coração”. Fim. Parava aí. Óbvio que isso parte de um princípio ético de se respeitar todas as pessoas, de entender que todas são seres humanos, mas isso não trata a ferida de um bullying, não dá subsídios para uma criança, um professor e um pai explicarem que as pessoas são diferentes por causa da cor da pele, que existem famílias com diferentes composições. Isso faz parte da realidade e a gente precisa aprender a enxergar e normalizar, até certo ponto, e debater também se for necessário. A sociedade tem hierarquias que precisam ser explicadas para as crianças para que elas possam aprender a navegar por isso e até para criarem soluções mais criativas para o que estamos vivendo. 


Ilustrações de Letícia Moreno [Divulgação]

Como foi achar o equilíbrio entre uma linguagem acessível e que não subestima as crianças?
Foi um desafio, porque estou acostumada a escrever em grande volume. O papel da editora foi fundamental. Já sabia que tinha que achar o modo mais sucinto de dizer certas coisas. Ao mesmo tempo, a gente tem que ser multimídia, como explicar uma coisa complicada em pouco tempo ou em poucos caracteres. Como comunicadora me sinto desafiada, no bom sentido, a sempre me transformar, conseguir falar a linguagem da ferramenta, da plataforma. Tenho ainda dificuldade em sintetizar, mas foi um exercício com a editora, a ilustradora, o que era possível colocar na ilustração em vez da boca das personagens. Foi algo muito coletivo. Ativei minha aldeia para me ajudar. Li muitos livros de literatura infantil. O livro fala de questões raciais, diversidade e inclusão, mas o grande mote é sobre o direito das crianças perguntarem aquilo que quiserem, de não silenciar as perguntas que têm nas suas cabeças porque não é para a idade delas. 
 
No livro fica clara a existência de uma vida comunitária. Lara, a protagonista, é cuidada pela tia até a mãe chegar do trabalho. Há toda uma vizinhança que acolhe as crianças. Pode comentar sobre esse aspecto?
A ideia de ter uma mãe e uma filha veio por causa da minha própria constituição familiar — fui criada pela minha mãe e pela minha avó, diferente da Alice, que tem mãe e pai em casa, juntos. Cada vez mais se fala de rede de apoio, as pessoas que você conta no dia a dia, para ajudar a cuidar dos filhos. Minha família era relativamente pequena, mas lembro que eu ficava muito na casa de tias e tios de consideração. Apesar de minha avó ser muito presente, minha mãe precisou acionar esses vizinhos na época, para que eu ficasse na casa deles, e ela me pegava depois do trabalho. 

Hoje, fazendo parte de uma rede de apoio, vejo que precisamos nos permitir a fazer perguntas dentro de casa e para a nossa rede. Deixar que nossos filhos perguntem mais entre si e integrem a gente. Não precisamos saber as respostas para tudo. Não precisamos deixar a responsabilidade de responder às perguntas só na rede parental, que vai ter ou não formas de respondê-las. Até para a criança aprender que o mundo não é só o seu ponto de vista e o da sua família. É um grande mosaico de pontos de vista que faz com que você transite melhor e tenha uma escuta ativa do seu entorno desde o princípio.

Como foi trabalhar com a Letícia Moreno nas ilustrações?
Foi lindo, porque a Letícia comprou a ideia desde o início. Ela achou bacana. Foi um trabalho muito fluido. Deu muitas ideias, por exemplo, quando a Lara desenha um mapa com a casa dos vizinhos, a mãe vai estar ali com o celular para falar com eles. Então, graficamente, ela me ajudou a enxugar as minhas palavras, tirando o que está na boca da personagem para deixar na ilustração. Foi muito gostosa essa troca.

De onde surgiu a ideia de colocar no final do livro uma atividade criada pela artista indígena We’ena Tikuna, que ensina a criar um colar de açaí?
Entrevistei as irmãs We’e’ena e Djuena Tikuna no Sexta Black e fiquei muito tocada com as histórias delas. Intencionalmente, me coloco nesse lugar de me aproximar de narrativas de pessoas com quem não tive contato próximo, íntimo e humanizador ao longo da minha vida. O Sexta Black me permite isso. Quando tive mais proximidade com a We’e’ena perguntei tudo para ela, bem próximo do que a Lara faz. A We’e’ena coloca mais a questão da floresta nessa atividade, mas ela mesma afirma que pode ser feito com qualquer material, macarrãozinho, como se faz nas escolas. Criar um objeto simples que pudesse demarcar que, quando a mãe da Lara chega, ela pode dizer sim à possibilidade de perguntar e daí elas se transformam nas guerreiras do sim. A gente não queria que fosse um colar velho guardado na gaveta, mas que fosse algo criado para este momento especial. Achamos, então, a oportunidade de trazer a arte que a We’e’ena já semeia no povo dela e nas redes sociais, com esse tutorial assinado por ela.
 
Que livros você gostaria de ter lido na infância?
Gosto de livros muito simples. Um que me ajudou na síntese de coisas chama Por favor, senhor Panda, de Steve Antony (Paz & Terra, 2014). O livro tem um panda e uma caixa de donuts, os bichos pedem as rosquinhas dele, e ele não quer dar até encontrar alguém que pede “por favor, senhor Panda”. Daí, ele dá toda a caixa de rosquinhas. Minha filha aprendeu a falar “por favor” porque eu lia essa história para ela. São coisas muito simples que fazem parte do mundo da infância que podem mudar seu panorama. Hoje, leio livros complexos, Stacey Abrams, Ana Maria Gonçalves, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, são literaturas menos infantis, mas que se traduzidas para o universo infantil são ótimas. Ter essas autoras adaptadas para o universo infantil poderia ser algo que me ajudaria a me ver mais naquela literatura. Nada contra o que eu lia, mas eu não me via nela. Lia Menino Maluquinho, Sítio do Pica-pau Amarelo, que me dava o imaginário da Tia Anastácia, me mostrando um lugar onde eu ficaria. Faltou isso na minha infância, ter essa complexidade de personagens negros e indígenas naturalizados nessas narrativas. Pois essas histórias viram multimídia, viram filme, parque temático. Se tudo der certo, Guerreiras do sim vai andar por esse caminho.

Como incentivar o hábito de leitura nas crianças?
Vivo isso na prática. Incentivar o hábito da minha criança aqui em casa é lendo para ela. Tem sido um exercício muito incrível. Eu leio para ela, e ela quer ler para mim. Ela não sabe ainda ler, mas pega o livro e pelas imagens vai criando uma história na cabeça dela e conta para mim. 

Este texto foi realizado com o apoio do Itaú Social

Quem escreveu esse texto

Paula Carvalho

Jornalista e historiadora, é autora e organizadora de Direito à vagabundagem: as viagens de Isabelle Eberhardt (Fósforo).